terça-feira, 16 de setembro de 2014

E você, sente-se taxista?

É suposto as reentrés trazerem-nos alguma novidade. No fundo, devem transmitir-nos a sensação de vamos começar algo de novo ou que vamos pelo menos recomeçar de forma revigorada algo que ficou em stand by há pouco tempo atrás. Não se pede uma mudança profunda de paradigma mas, com baterias carregadas após o período do Verão, é normal esperar um pouco de ar fresco para enfrentarmos os desafios que aí vêem. No entanto, por não termos tido direito a uma pausa “silly seasiana” durante este Verão, parece que agora não estamos a reentrar em lado nenhum, uma vez que não tivemos sequer oportunidade de sair do que quer que seja.

E é de facto o caso BES que teima em concentrar as nossas atenções, com todas as suas aventuras e desventuras, supresas e revelações. Neste fim-de-semana ficámos a saber que o homem que era a solução para todos os problemas do banco, o fantástico, o independente e o patriota Vitor Bento afinal já se demitiu. Ou seja, conseguiu o poderoso feito de encarnar a personagem de grande salvador da nação durante apenas dois meses. Acabou por bater com a porta e colocar-se a milhas porque percebeu que o que ali encontrou ia manchar em demasia o seu nome. Encontrou com certeza o que não queria, teria de assumir posições que não devia. Afinal de contas, o sacrifício patriótico a que se submeteu tinha limites, estávamos à espera do quê?

E é assim que caso o BES, com todo o respeito pelos profissionais do volante, faz surgir o taxista que existe em cada um de nós. Estes episódios novelescos fazem-nos perder qualquer réstia de esperança em encontrar um pingo de seriedade em todo o processo. Olhamos em volta e já todos nos parecem gatunos, bandidos e aldrabões. Ninguém parece ser de confiança, ninguém parece merecer sequer a nossa atenção.
A verdade é que este “sentimento taxista” de pouca empatia e grande desconfiança com tudo o que circunda o caso assenta numa série de razões. Em primeiro lugar, porque temos a sensação que o seu desfecho vai sobrar para cada um de nós. Quer através da intervenção direta vinda dos cofres estatais para tapar o buraco encontrado. Quer através da turbolência e contágio nos mais diversos setores da economia nacional, que começou desde logo a fazer-se sentir.

Em segundo lugar, porque somos capazes de apostar que a culpa irá morrer solteira, como sempre acontece nestas grandes trafulhices nacionais. “Too big to fail, too big to jail”, eis a expressão que assenta bem neste caso e seus protagonistas. Muita tinta irá correr, muitos julgamentos e muitos recursos vão com certeza acontecer e... Nada. Os processos decorrerão durante anos até se chegar à fase em que já ninguém se lembra muito bem do que está em causa.

E, em terceiro lugar, somos convidados a este “sentimento taxista” porque no meio das surpresas e indignações que vão surgindo na praça pública vindas dos mais diversos quadrantes, temos a certeza que os indignados de hoje ainda ontem eram bastante próximos do Grupo Espirito Santo e dos seus protagonistas. Muitos dos indignados de hoje dificilmente andavam totalmente a leste das jogadas em curso. Hoje convém-lhes demonstrar bem alto a sua indignação para salvaguardar quaisquer confusões futuras.

Um profissional do volante não tem naturalmente de ser um especialista na análise da atualidade política e económica nacional. É portanto natural que a sua análise se revista de alguma superficialidade que acaba frequentemente no discurso do “são todos iguais, são todos uns gatunos”. Mas a bem dizer, o que se anda a passar no caso BES é mais um convite dourado para que este discurso indignado e pessimista se instale em qualquer cidadão. A alienação política agradece, abrindo então uma passadeira vermelha aos discursos populistas e aos Marinhos Pintos desta vida.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Gostava que alguém algum dia me explicasse...

...como é possível que o inicio do ano lectivo continue a ser um parto difícil em tantas e tantas escolas de todo o país.  São centenas as turmas e/disciplinas sem professores, como se fosse uma inevitabilidade este tipo de cenário.

Gostava que alguém algum dia me explicasse como é possível que a aplicação informática de colocação dos professores, que apenas precisa de funcionar em pleno algumas semanas por ano, continue a ser uma fonte de problemas no inicio de cada ano lectivo.

Gostava que algum dia alguém me explicasse como é possível que estáa confusão anual não seja encarada como um problema estrutural inadmissível nos dias que correm. Se sucede todos os anos, como é possível que ninguém o tenha ainda corrigido?

Justiceiros de Esquina

Fico sempre enternecido quando vejo um Executivo agarrar num problema antigo, comprometer-se a acabar com as injustiças que o mesmo incorpora e apresentar-se assim como grande cavaleiro da justiça da nossa vila e arredores. Neste caso concreto, depois de avanços e recuos, depois de algumas hesitações, o Governo parece agora disposto a reformar os suplementos salariais na Administração Pública. Pretende torna-los mais coerentes, acabando com os desequilíbrios e discricionariedades que muitos encerram.

E se formos intelectualmente honestos a este respeito, a necessidade de uma reforma profunda nestes domínios há muito se faz sentir. Devido a políticas pouco estruturadas, pouco equilibradas, feitas à medida e de acordo com a conveniência dos tempos, o mundo da Administração Pública possui hoje uma imensidão de complementos remuneratórios. Complementos de turno, de representação, de risco, entre muitos outros que se foram propagando ao longo dos tempos. Sendo justificáveis em inúmeras situações, a proliferação à medida deste tipo de suplementos fez com que se criassem desequilíbrios pouco sustentáveis no setor público. E, sobretudo, originou ausência de transparência em diversos vencimentos.

Para dar um exemplo, um funcionário público que exerça funções na Assembleia da República tem acesso a um suplemento remuneratório que pode atingir 70% do seu vencimento base, apenas pelo facto de ser funcionário parlamentar. Porquê? Porque… Porque em 1978, numa altura que em que o trabalho parlamentar se prolongava muito para além da normal carga de trabalho, entendeu-se que era preferível um suplemento remuneratório substancial ao pagamento de horas extraordinárias. E assim criou-se uma desigualdade hoje pouco justificável.

Como o exemplo extremo cima demonstra, se é certo que existem diversas funções, diversas responsabilidades e até complexidades diferentes no exercício do trabalho público, a melhor forma de as refletir de forma transparente no vencimento dos trabalhadores é através do remuneração base, e não numa imensidão de suplementos pouco transparentes que criam desequilíbrios desnecessários. É no vencimento base que deve ser refletido o valor remuneratório de um trabalhador. Quando se verifica que os suplementos remuneratórios estão simplesmente a querer tornar a remuneração do trabalhador mais competitiva, algo vai mal.

Trabalhar na maior coerência deste universo é naturalmente uma boa notícia. É algo aliás que há muito se justifica. Qual é então o problema da iniciativa em curso? É que, por mais que o Governo repita que a reforma dos suplementos na Administração Pública não tem o propósito de proceder a reduções remuneratórias, ninguém o consegue levar minimamente a sério. Num contexto como o atual, em que toda e qualquer reforma no setor público teve sempre como grande propósito a contenção de custos, ninguém pode sequer considerar que o presente caso será diferente. E, sendo assim, a mesma desvirtua-se à partida porque quem a está a promover, fá-lo centrado em propósitos bastante distantes daqueles que publicamente defende, desvirtuando o processo à partida. A iniciativa transforma-se assim num espécie de justiça de esquina ou de vão de escada que merece evidentemente ser travada. O regime de suplementos pode e deve ser reformado, mas fazê-lo agora seria comprometer qualquer esperança de seriedade no processo.

Artigo publicado Sexta-feira no Esquerda.net

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Turistificação de Lisboa

Bom artigo na Pública deste domingo sobre o boom turístico que é observável à vista desarmada em Lisboa. O texto reflete bem as oportunidades que estão a surgir para a cidade, mas também os desafios que representa.

O crescimento do turísmo é bom, sem dúvida. O crescimento do turísmo sem planeamento, posicionado em segmentos de baixo valor do mercado e não preservando a cidade, e quem nela vive e trabalha, é evidentemente mau.

Guerra na Europa

Tivemos direito a pouca silly season durante este Verão. Entre uma série de acontecimentos nacionais e internacionais, a tensão e o conflito na Ucrânia fizeram-nos recordar que as bombas não estão apenas noutras paragens do Mundo. Em plena Europa, a tensão com uma grande potência externa – a Rússia – está em curso, numa escalada que continua a parecer-nos ainda inacreditável.

Para quem está no extremo ocidental da Europa, como é o caso de Portugal, a Ucrânia parece-nos algo ainda bastante remoto. Um país distante que associámos mais à esfera do Leste Europeu pós-soviético, do que propriamente à Europa da União Europeia com a qual já nos fomos aos poucos familiarizando. Um país longínquo com uma comunidade imigrante significativa em Portugal, que por vezes nos brinda com acontecimentos de grande instabilidade política, mas nada que nos tenha ainda tirado o sono.

No entanto, um olhar minimamente atento faz-nos perceber que a Ucrânia é não apenas um país que faz fronteira com diversos Estados-Membros europeus (Polónia, Eslováquia, Hungria e Roménia), mas é também um país sobre o qual há muito se especula uma eventual adesão futura à União Europeia. Os acordos de parceria comercial assinados no primeiro semestre deste ano demonstram essa proximidade, algo que tem naturalmente sido encarado com grande incómodo por Moscovo.

Importa sublinhar que o que agora se passa na Ucrânia não pode ser abordado de forma maniqueísta. Os separatistas pró-Rússia já demonstraram que estão longe ser “combatentes da liberdade”. Por seu turno, o Governo Ucraniano em funções tem um compromisso muito duvidoso com a liberdade e com a transparência. Um Governo que integra forças políticas com contornos bastante mafiosos, xenófobos e anti-democráticos. Neste sentido, o branqueamento que a União Europeia têm feito de tal facto coloca-a em terrenos bastante perigosos.

Mas o conflito que começa a assumir contornos de guerra no Leste da Ucrânia é muito mais do que algo preocupante. Para além de se tratar de um abalo na política futura de alargamento da União Europeia (algo não muito crítico, apesar de tudo), representa o mais sério aviso da Rússia à União Europeia das últimas décadas. Um aviso de que não vai continuar a tolerar a diminuição da sua esfera de influência e de que está disposta a entrar na “diplomacia armada” se e quando necessário. As reações de Putin ao anúncio de sanções da União Europeia, acenando com o facto da Rússia ser uma potência nuclear, entram já num novo patamar de bluff diplomático.

Se tivermos em conta que a Rússia possui fronteiras com cinco países da UE (Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia), que continua a ser pejorativamente conhecida pelos mesmos como o nosso “ grande vizinho de leste”, e de que é atualmente liderada por um louco nacionalista ao estilo dos velhos tempos, ficámos com a clara noção de que alguns fantasmas da Guerra Fria continuam a fazer sentido.

O conflito na Ucrânia pode já ser visto como o regresso da Guerra aos palcos europeus e deve levar a União Europeia a refletir melhor sobre o papel que tem e quer ter nos domínios da política externa. Alguns avisos à navegação podem já ser considerados. Por um lado, a União Europeia tem de ser muito mais exigente nos apoios internacionais que concede, sendo lamentável o abraço ao atual Governo Ucraniano. Por outro lado, eis mais um sério exemplo de que o grande projeto europeu necessita de ser melhor consolidado em termos políticos. Os receios de soluções federalistas têm resultado sempre numa Europa com várias cabeças, pouco eficiente e pouco democrática, nomeadamente no que à política externa diz respeito.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental