quarta-feira, 19 de setembro de 2012

E agora?



Parece consensual que o que se passou no último sábado foi algo absolutamente extraordinário. Neste 15 de Setembro ocorreram as maiores manifestações de que há memória em diversas cidades do país: de Lisboa a Aveiro, do Porto a Faro, passando por Leiria, Coimbra, Funchal e até Ponta Delgada. Uma tremenda massa humana, totalmente heterogénea, saiu à rua numa impressionante manifestação de indignação. Num extraordinário momento de democracia participativa, os Portugueses sentiram necessidade de vir demonstrar que estão em absoluto desacordo com o rumo que tem vindo a ser seguido.

E parece também consensual que este 15 de Setembro representou um momento de viragem na perceção que se tinha sobre a forma como os portugueses estavam a aceitar a austeridade. Se até há pouco eram muitos os que ainda acreditavam na narrativa de que devemos hoje fazer sacríficos para garantir um amanhã melhor, a realidade tem-se encarregado de demonstrar que tal crença é hoje perfeitamente ilusória. É hoje evidente para a maioria dos cidadãos que os sacrifícios não só não estão a levar a lado algum, como estão a agravar ainda mais o problema. 

Mas este sábado representou também uma importante mudança no jogo político. Há uns meses atrás, apenas a esquerda radical protestava contra a receita imposta. Atualmente a discordância alargou-se aos mais diversos setores. Dos monárquicos à esquerda moderada, passando pela direita moderada e pelo centro flutuante, um vasto consenso começa a construir-se contra a lógica do “custe o que custar”. Até as associações empresariais criticam o rumo seguido. Entre os opinion makers da praça, começam a rarear os que conseguem encontrar alguma lógica na orientação governativa. E são também cada vez mais as figuras da direita política que têm vindo a público opor-se: de Marcelo Rebelo de Sousa a Bagão Félix, de Pacheco Pereira a Manuela Ferreira Leite, sendo que esta última é normalmente assumida como a porta-voz do cavaquismo. Ou seja, o próprio Cavaco começa a dar sinais de grande desconforto. Por seu turno, no seio do CDS, os sinais de incómodo são também indisfarçáveis.

Posto isto, o que podemos esperar dos próximos tempos? Tudo indica que a popularidade do Governo entrou oficialmente na fase descendente, atingindo-se quase de certeza um ponto de não retorno. Irão agora suceder-se episódios que engrossarão o desgaste do Executivo. Aliás, foi a partir deste fim-de-semana que começaram a ouvir-se os primeiros apelos claros à queda do governo. Deixou portanto de ser uma heresia dizê-lo. Como é evidente, tal não quer dizer que o governo caia nos próximos meses. Mas alguém consegue apostar com segurança que dentro de um ano estaremos com o mesmo Governo? Eis um exemplo claro do ponto de viragem que foi atingido.

Quando se coloca esta hipótese, ainda que não muito próxima, de queda do Governo, a pergunta que surge imediatamente é: mudar para onde, para quê? Uma coisa parece certa: é muito pouco lúcido querer-se uma mera alternância de cor política no Executivo. Exigem-se pois novas soluções. Soluções que consigam romper com o atual panorama de beco sem saída e que representem uma viragem clara no rumo que tem sido seguido. Cada qual terá a sua solução. Pessoalmente acho que um governo que englobasse várias forças à esquerda era a melhor solução que o país poderia beneficiar no momento presente. Esta solução, que nunca ocorreu na nossa democracia, seria a que melhor garantiria uma verdadeira inversão das políticas atualmente seguidas. Mas sobre isto poderei falar num próximo artigo.

Artigo ontem publicado no Açoriano Oriental

domingo, 16 de setembro de 2012

Vamos Destroikar Portugal



De uma fase em que o país parecia estar quase sem reação perante a terrível austeridade imposta, parece agora finalmente ter-se chegado a um ponto de viragem. As pessoas sabem que os seus bolsos não suportam mais a austeridade, e é-lhes também cada vez mais evidente que a receita aplicada não está a levar a lado nenhum. Pelo contrário, o país está pior em todas as dimensões. Da dívida externa ao desemprego, do PIB ao consumo. E as perspetivas não são para melhorar. Só mesmo os mais burros podem achar que, com este caminho, chegaremos a um qualquer bom porto

O anúncio na semana passada do novo pacote de duras medidas surgiu como uma bomba nos mais variados setores. Rapidamente deixaram de ser apenas os sindicatos e a esquerda radical a indignar-se e a mobilizar-se contra o que aí vem. Das associações de empresas aos mais insuspeitos setores da direita política, da esquerda moderada ao eleitorado flutuante, todos começam a opor-se seriamente à receita que persiste em ser seguida. 

Como é natural, para quem desde sempre ocupa o campo político anti-troika, e que há apenas uns meses atrás era simplesmente apelidado de “radical perigoso e irresponsável”, este súbito reposicionamento de alguns setores tem o seu quê de incoerente. Ou de oportunista até. E olhando até para as visões muito para lá da esquerda que ocupam agora o campo de oposição à política da troika e deste Governo, dos monárquicos a Ferreira Leite, dificilmente se encontra a coerência mínima que permita perspetivar algum tipo de entendimento sobre caminhos alternativos. De qualquer modo, importa ter presente que os momentos de viragem são feitos de confluências de vontades muito diversas, algumas inconciliáveis até. Mas é precisamente essa massa tão diferente que permite a agregação de força suficiente para proporcionar a mudança.

As manifestações que amanhã ocorrerão por todo o país têm todas as condições para ser um dos pontos altos da referida viragem. A mobilização adivinha-se grande, ganhando até algumas semelhanças com o que antecedeu no 12 de Março de 2011. O Congresso Democrático das Alternativas, agendado para o próximo 5 de Outubro, contribuirá, também,  para dar coerência programática a esta onda anti-troika, fazendo as necessárias pontes entre setores diversos da esquerda e apresentando soluções alternativas concretas. Os dados estão lançados para que se comece a destroikar Portugal. Vamos a isto!

Artigo publicado na sexta-feira no Esquerda.net

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Três Mitos do Liberalismo Tuga



A existência de ideologias é um requisito central para que a atividade política não se resuma aos puros jogos de poder. A ideologia é a responsável por garantir que a política seja mais do que uma simples batalha clubística. Neste sentido, foi naturalmente com bons olhos que foi encarada a ascensão ao poder no PSD de uma linha política assumidamente liberal. Concordando-se ou não com a mesma, a sua afirmação num partido com históricos problemas de definição ideológica gerou boas expetativas quanto à clareza na sua atuação. No entanto, a gestão e prática política atabalhoada por parte do atual Governo levou a que se tivessem insistido em alguns mitos cuja realidade tem-se encarregado de desmascarar de forma dramática, manchando assim de forma quase desnecessária a referida ideologia liberal. Vejamos alguns exemplos.

Um dos maiores mitos veiculados pela campanha eleitoral de Passos Coelho foi o de que era possível acabar com o défice cortando apenas nas “gorduras do Estado”. É certo que na altura não se procurou esmiuçar bem a que correspondiam de facto as referidas gorduras. Infelizmente foram muitos os que subentenderam que tudo se resolveria cortando nalgumas mordomias, nuns quantos gastos injustificáveis e nalguns investimentos ruinosos em curso. Passada pouco tempo, a crua realidade veio demonstrar que as famigeradas gorduras correspondiam a cortes nos salários, ao recuo da educação, saúde e segurança social, devidamente condimentados com subida de diversos impostos. Eis o liberalismo tuga em todo o seu esplendor.

Como segundo mito importa destacar a tão badalada ideia de que o orçamento de um país tem de ser gerido como um orçamento familiar. Ou seja, não se pode gastar mais do que se ganha. Quando tal acontece, há que cortar nas despesas supérfluas. Para se perceber bem a demagogia desta assunção basta observar a derrapagem do défice em curso. Uma economia nacional em nada se compara com uma economia familiar nomeadamente porque, enquanto uma família até pode procurar reduzir o seu consumo abruptamente, poupando assim na despesa, tal comportamento por parte de um Estado acarreta uma quebra na receita fiscal. Uma família não vê reduzido o seu rendimento por abrandar no seu consumo. Numa economia nacional, é precisamente isso que acontece. 

Como terceiro mito do liberalismo tuga destacaria a ideia do “bom aluno”. Segundo os nossos liberais, tal atitude permitirá que os mercados voltem a confiar em Portugal e que possamos a eles regressar com a maior brevidade possível. Assumir o referido pressuposto implica acreditar que os ditos mercados possuem algum tipo de racionalidade ou atuação moral. A verdade é que Portugal tem fugido um pouco à fúria dos mercados sobretudo porque os holofotes têm estado sobretudo centrados nos últimos tempos no caso grego e no perigo espanhol e italiano. Qualquer mudança mínima nas peças do atual xadrez atingirá sem piedade este bom aluno.

Qualquer ideologia tem os seus mitos. Não é isso que as distingue entre si ou sequer os seus protagonistas, mas sim a forma como tais mitos são assumidos. Perante o fracasso em toda a linha das políticas desenvolvidas, quais têm sido os alibis assumidos pelos nossos liberais? Ou um qualquer imponderável não permitiu que estejam a ser alcançados os resultados esperados, ou a receita não tem sido aplicada com intensidade suficiente. Numa analogia com o que se passou no bloco comunista a propósito do socialismo real, Pedro Adão e Silva sugeriu há pouco tempo que nos encontramos agora perante uma espécie liberalismo científico. Ou seja, o problema nunca é da receita prescrita, mas sim do paciente que teima em não recuperar. O problema não é das políticas aplicadas, mas sim do mundo que teima em não aceitá-las.

Artigo publicado na Terça-feira no Açoriano Oriental