Era para todos evidente que Carlos César não sairia facilmente do panorama político açoriano. Deixou pelo seu pé a presidência do Governo dos Açores, mas ficou muito claro que andaria por aí. E os sinais dispersos da sua omnipresença não se fizeram esperar. Desde a badalada criação do cargo de presidente honorário do PS-Açores até aos pequenos episódios que fazem por eternizar a sua presença. Por exemplo, ficámos a saber que o socialista João Ponte, presidente da Câmara da Lagoa, resolveu atribuir o nome do ex-Presidente do Governo Açoriano à nova Casa da Cultura. Por sua vez, no dia dos Açores, foi bonito ver César a receber de Vasco Cordeiro a “insígnia autonómica de valor”, a mais elevada condecoração atribuída pela região. Neste dia, César ainda teve tempo de consolidar ainda mais o seu protagonismo, acusando Cavaco de ignorância por convocar o Conselho de Estado para o dia da região. Muitos outros exemplos poderíamos aqui trazer para demonstrar que Carlos César não quer de facto baixar a guarda na ascendência que possui na região. Mas, tão ou mais significativa do que esta intenção de César é a vontade dos inúmeros camaradas, apoiantes e admiradores para que o Sr. Presidente não seja esquecido.
Eis uma consequência natural do que aqui já escrevi algumas vezes: a longa permanência no poder de uma personalidade ou força política acarreta inúmeras consequências negativas para a saúde democrática de um determinado meio. Uma delas é naturalmente esta espécie de idolatria que cresce à volta do “grande timoneiro” que esteve à frente dos destinos políticos do país ou, neste caso, da região. A habituação, conforto e até segurança trazida pela sua liderança acabou por ser tão grande junto de uma grande camada da população que a mudança acaba por ser difícil. Os tempos que se seguem acabam assim por ser estranhos para a referida população, não conseguindo disfarçar uma espécie de orfandade política.
E, antes deste processo se passar com César, os Açores já conheciam bem este tipo de fenómeno. Os quase 20 anos de Mota Amaral à frente dos destinos da região também deixaram marcas grandes no eleitorado. Mesmo depois da sua saída, muitos ainda o identificavam como presidente da região. E muitos mais eram consumidos pela nostalgia dos tempos do antigo líder. Acontece que o processo de “Desmota-amaralização” foi relativamente facilitado pelo facto do seu sucessor pertencer a outra força política. Ou seja, a custo o PS foi conseguindo que muito do eleitorado açoriano percebesse que os Açores eram possíveis sem a figura quase paternal de Mota Amaral. No entanto, o cenário presente é diferente. O eleitorado açoriano é agora mais sofisticado do que há 16 anos, sendo sobretudo mais aberto à mudança. Mas o facto da mesma força política se manter no poder não ajuda muito à causa. E estranho seria aliás que o delfim de César se empenhasse na “descesarisação” da região.
Carlos César deu um passo importante ao abandonar pelo seu pé a presidência do Governo da região. Apesar da passagem do poder ter assumido uma forma quase dinástica, o gesto de César merece um natural aplauso. No entanto, importa que o Sr. Presidente e a sua legião de fãs se esforcem por manter agora algum decoro republicano. Aos fás de César, não basta ser, importa parecer. Ou seja, não basta o Sr. Presidente ter abandonado formalmente o poder na região, passando o testemunho. Importa também parecer que o fez. Neste sentido, vale a pena fazer um esforço e não acalentar idolatrias que apenas demonstram a imaturidade da democracia açoriana e dos atores que nela se movem. Vá, vamos tentar não ir por aí…
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: PS Açores)