terça-feira, 15 de março de 2016

#TrumpDonald


Possivelmente já tudo foi dito ou escrito sobre Donald Trump. E se não o foi, o próprio continuará a fazer questão de dar ao seu país e ao mundo um milhão de más razões para que se continue a falar e a escrever sobre a sua pessoa. As primárias nos partidos americanos são tipicamente alvo de uma ampla cobertura internacional. Mas o fenómeno Trump conseguiu de facto captar a atenção do mundo inteiro. E não pelas melhores razões.

A candidatura de Trump começou por ser uma piada. Alimentada pela comunicação social, como tipicamente acontece neste tipo de situações, começou por ser um fenómeno interessante de seguir. Permitiu que a campanha das primárias saísse da normalidade em que tipicamente ocorre. Trump brindou os americanos com declarações insólitas, imprevisíveis, totalmente fora da caixa e politicamente incorrectas. Disparou em todas as direcções e conseguiu acumular manchetes nos jornais e notícias de abertura nas televisões de todo o mundo. Fez também a delícia dos comediantes, fornecendo todos os dias matéria-prima interessante para ser trabalhada.

Mas, como tipicamente acontece com estes fenómenos, o que começou por ser uma piada começou aos poucos a ganhar contornos bastante mais assustadores. Trump deixou de ser simplesmente o candidato que dava cor e animação à campanha republicana, para aos poucos ser assumido como o favorito na maioria dos Estados americanos. A piada tornou-se bastante real, ao ponto de hoje ser quase certo que um dos candidatos à presidência da ainda única superpotência mundial será um perigoso populista. Alguém com perigosas visões sobre o papel dos Estados Unidos no mundo, com ideias muito limitadas e obtusas sobre o ideal americano de liberdade e igualdade.

Uma das melhores formas de avaliar um político passa por analisar o tipo de sentimentos que desperta nas pessoas. Ou seja, a que tipo de valores apela? Que tipo de relacionamento com o outro advoga? Como encara a diferença? Que tipo de papel atribui-se no futuro do país? Vista deste prisma, a qualificação da candidatura de Trump não deixa margens para dúvidas. O milionário americano assenta o seu discurso político no medo e até no ódio. Medo da diferença, medo dos outros. Apela aos sentimentos mais básicos do eleitorado americano, atribuindo-se o papel messiânico de “tornar a América grande outra vez”.

Como sempre acontece nestas alturas,  importa voltar a lembrar porque surgem subitamente este tipo figuras populistas no espectro democrático. Porque encontram um terreno tão fértil? Onde assenta a sua base de apoio? Na verdade, o seu discurso anti-sistema, disparando contra tudo e contra todos,  denunciando a corrupção e o distanciamento dos políticos, consegue sempre colher grandes simpatias junto de um eleitorado tipicamente alienado.  Por outro lado, a sua capacidade de falar uma linguagem popular simples, sem relativismos, assim como a sua disponibilidade para falar sem filtros, expressando sem rodeios os medos e raivas populares,  fazem com que a sua candidatura rapidamente comece a colher simpatias.

O populismo é provavelmente um dos perigos mais antigos dos sistemas democráticos. Basta recordar que os pensadores da Grécia clássica já alertavam para o referido fenómeno há mais de 2500 anos. No entanto, apesar da sua antiguidade, os últimos anos têm sido férteis no surgimento deste tipo de fenómenos (basta lembrar Marine Le Pen ou Beppe Grillo). Não existem soluções fáceis para combater este tipo de fenómeno, uma vez que são o reflexo de uma série de debilidades da democracia. De qualquer modo, para além de atacar os problemas estruturais na base do seu surgimento, se calhar podemos começar por estar mais atentos ao seu surgimento e condená-los logo à partida, buzinando em vez de até lhes achar graça numa fase inicial.

PS: Vale a pena visitar o site www.trumpdonald.com e buzinar aos ouvidos do milionário americano.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

terça-feira, 1 de março de 2016

Fazer Diferente


Três meses depois, afinal a geringonça até funciona. Afinal os entendimentos à esquerda são possíveis. Afinal estes entendimentos conseguem garantir a estabilidade. E, pasme-se, a Europa e as agências de rating não ostracizaram Portugal, levando-nos de imediato a um segundo resgate. Com base numa política de “um dia de cada vez”, a solução governativa encontrada tem demonstrado alguma robustez, tendo inclusive virado a página da austeridade em algumas áreas importantes. Não é uma política perfeita ou isenta de críticas (pelo contrário), mas sim uma política do possível, mostrando que as alternativas afinal até existem.

Mas, tendo em conta que esta é uma maioria apoiada por toda a esquerda parlamentar, importa não só que as políticas sejam diferentes, mas também que o modo de governar consiga ser libertado de velhas práticas. Importa fazer diferente, demonstrando seriedade na governação, respeitando o bem público e não menosprezando a inteligência dos cidadãos. Eis três áreas onde a mudança é particularmente bem-vinda.

1 - No Jobs for the Boys
Sempre que um novo Governo entra em funções, existem centenas de cargos e lugares que passam imediatamente a estar ao alcance da nova força política. Para além dos gabinetes ministeriais, o sector público disponibiliza lugares de direcção em Institutos Públicos, Fundações, Empresas Públicas, entre muitos outros. A tentação de distribuição destes lugares pelos mais fieis, pelos que ajudaram a alcançar o poder, é imediata. Os manuais de ciência política referem-se a estas práticas como “distribuição de recursos”. Importa que esta maioria governamental possa mostrar diferenças relativamente ao que sempre tem acontecido quando o poder muda de mãos em Portugal. 

2 – Transparência na Contratação Pública
A contratação pública acaba também por ser frequentemente “afectada” pela chegada de novos atores governamentais. Subitamente, surgem novos fornecedores, novas necessidades e novas soluções indispensáveis a contratar. Como é evidente, sabemos que é através da contratação pública que muitas vezes se compensam os mais fieis pelo apoio concedido no passado e no presente. Coloca-se rapidamente o interesse público em segundo plano, contratando-se o que não se deve a quem não se deve. Importa que o presente governo consiga ser diferente a este respeito, demonstrando total seriedade em toda e qualquer contratação pública.

3 – Mudar o que está mal, continuar o que está bem
“Mudar tudo” acaba por ser sempre a opção mais fácil para quem assume um novo Executivo. Para quê continuar a trabalhar em projetos lançados por outros? Para quê erguer bandeiras ligadas ao anterior Executivo? Mais vale lançar novos projetos, novas prioridades, novas marcas, certo? Pois, mas a verdade é que as mudanças de rumo acabam por ser sempre bastante dispendiosas para o erário público. Inúmeros projetos ficam a meio, estudos válidos são colocados na gaveta para que (adivinhe-se) novos projetos e novos estudos possam surgir. Só uma mente bastante pequena poderá considerar que um antecessor só fez asneiras. Importa assim aplicar a mesma energia na mudança do que está mal e na continuidade do que está bem.

Como é evidente, não podemos esperar este mundo e o outro do novo Governo. E importa ter presente que, apesar do cenário político inovador, trata-se de um Governo do PS, partido que governou Portugal inúmeras vezes nestes 40 anos de democracia. De qualquer modo, o facto de ser suportado politicamente pelo Bloco e pelo PCP concede a todos uma responsabilidade adicional. O Bloco e PCP podem e devem assumir-se sempre como os garantes de que, para além das políticas, também as práticas governativas são diferentes. É com certeza isso que o eleitorado espera deles.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental