quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Das Gorduras do Estado à Refundação do Estado


"Temos de mexer nas pensões, na saúde, na educação (...) Temos em Portugal uma despesa que, se excluirmos juros, metade são prestações sociais, ou seja, segurança social, saúde e educação” e “cerca de 20% são salários ou despesas com pessoal. (...) É muito difícil reduzir a despesa sem rever a forma como esta despesa é feita".
Passos Coelho na entrevista hoje concedida à TVI 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Violência chegou à Política



De um momento para o outro, parece que os episódios de violência política tornaram-se cada vez mais frequentes no panorama nacional. Começam a ser raras as manifestações em frente à Assembleia da República que não terminam em violência, com notícias de apedrejamentos e cargas policiais a abrir todos os telejornais, a encher as manchetes dos dias seguintes e a dominar o comentário político durante toda a semana que se segue. Não é uma novidade: a violência impõe-se assim sem misericórdia sobre qualquer outro facto político. Infelizmente, a greve geral do passado dia 14 Novembro ficou marcada precisamente por este tipo de fenómeno. 

Mas os episódios de forte tensão não se têm ficado por aqui. Desde que em Junho um sindicalista se atirou para cima do carro do Ministro da Economia e de que, no 5 de Outubro, uma senhora já com a sua idade interrompeu o discurso de Cavaco Silva e foi considerada uma ameaça, percebemos que os grandes responsáveis políticos não querem andar sem escolta nos espaços públicos. O povo português deixou de ser assim tão sereno e digamos que anda um pouco irritado. 

Historicamente, a violência, a coação, a ameaça e outras modalidades semelhantes, sempre fizeram parte do combate político. O recurso à força sempre foi um meio à disposição da política. No entanto, a emergência dos ideais democráticos foi aos poucos empurrando a política da força para um espaço perfeitamente marginal do combate político. A força das ideias, das instituições como o Estado de Direito e as consequentes liberdades fundamentais, impuseram-se e só em situações in extremis são assumidamente abandonadas em benefício de soluções envolvendo violência.

A democracia Portuguesa tem um currículo muito pouco manchado no que à violência política diz respeito. Começando na Revolução dos Cravos, que se fez praticamente sem derramamento de sangue, são relativamente pontuais os incidentes que marcaram a história pela sua violência. E não deixa de ser curioso constatar que, apesar da tradição de grandes manifestações no espaço público, são poucos os incidentes violentos registados: desde as grandes manifestações orgânicas da CGTP aos mais recentes movimentos inorgânicos de 12 de Março (2011) e de 15 de Setembro (2012) que trouxeram centenas de milhares de pessoas para as ruas.

Mas esta serenidade está a mudar e a mudança verifica-se não só nas ações violentas em si mesmas (e.g. apedrejamentos e cargas policiais), mas sobretudo na forma como algumas destas ações são percecionadas. Apesar da reprovação genérica do recurso à violência, consegue existir uma maior compreensão no seio da população “mais indignada com o rumo do país” perante aqueles que, em situação de desespero, resolvem utilizar a força como arma política. Por seu turno, e não menos importante, existe também uma compreensão maior dos abusos policiais por parte da população “mais amiga da ordem e dos brandos costumes”. Só assim se compreende, por exemplo, que ainda não se tenha demitido um Ministro que concorda que as “suas” polícias filmem as manifestações, apesar dos avisos de ilegalidade vindos da CNPD. Só assim se compreende também que este episódio recente do pedido de acesso às imagens da RTP não tenha tido ainda consequências políticas.

A tragédia social em curso e as reações que a mesma está a originar estão a trazer a violência para o palco político, permitindo assim que a força se possa substituir à razão. Escusado será sublinhar as perigosas vicissitudes deste caminho em que quem protesta admite fazê-lo de forma não-pacífica e em que os responsáveis pela segurança admitem fazê-lo sem ter em conta a lei. Eis mais uma acha para a tremenda “fogueira político-económico-social” em que o país se encontra envolvido.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Estavam à espera de quê?



Existem comportamentos e posturas que nunca deixam de me surpreender. E a reação maioritária à carga policial de 14 de Novembro enquadra-se precisamente neste tipo de surpresas que, a bem dizer, se calhar há muito deviam ter deixado de o ser. Apesar das manchetes e de todas as notas de abertura dos telejornais destacarem as duas horas de apedrejamento do corpo de intervenção, as primeiras imagens sobre a carga policial foram inequívocas: a polícia a varrer impiedosamente tudo e todos. Levando tudo à frente, nomeadamente a grande maioria que se manifestava pacificamente no local e que, segundo uma série de testemunhos, se distinguia claramente da “meia dúzia de profissionais da desordem”. Como é possível uma violência tão evidente e desproporcionada sobre quem nada fez, sobre quem se limita a permanecer de forma “ordeira” no local? 

É então aqui que nos aparece o “Estavam à espera de quê?”. Milhares de pessoas foram varridas à cacetada. Estavam à espera do quê? O Primeiro-Ministro, o Presidente da República e até o PS elogiam a atuação criminosa das polícias. Estavam à espera de quê? Os comentadores da praça e a vasta maioria da opinião pública não vê com qualquer estranheza o sucedido. Pelo contrário, consideram normal que a polícia carregue sem pruridos. Estavam à espera do quê?

Numa democracia desde sempre habituada a grandes manifestações sem o mínimo distúrbio, começa a engrossar o número daqueles que se manifestam de forma violenta e começam também a aumentar as reações policiais violentas. Julgo que nem vale a pena explorar muito o quão sintomático é o que agora se está a passar. Estavam à espera de quê?

É no meio deste mar de cinismo acomodado e destas falsas discordâncias que o país se vai afundando, que a democracia vai sendo suspensa e que o futuro vai sendo hipotecado. Aos poucos, tudo é admissível e tudo é evidente. E para quê fazer alguma coisa quando se pode ser cínico e simplesmente observar o espetáculo. Um dia destes, o país desaparece e, surpresas das surpresas, a maioria nem sequer se importará. Estavam à espera de quê?

Artigo hoje publicado no Esquerda.net

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pequena Dúvida





Se eram apenas "meia dúzia de profissionais da desordem" (que sejam 20 ou 30, vá lá), porque é que a polícia carregou indiscriminadamente sobre milhares de pessoas?

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre esta Greve Geral





Enquanto os profissionais da pedrada se digladiam com profissionais da cacetada, o esforço feito por centenas de milhares de pessoas neste dia é posto em causa. Longe de desculpabilizar os primeiros (uns arruaceiros), acho de qualquer modo que se exige "um bocadinho" mais dos segundos (uns arruaceiros fardados).

Quanto ao resto, fica-nos o elogio do primeiro-ministro sobre a coragem dos que foram trabalhar. Só para fugir a este suposto elogio de Passos Coelho, já valeu a pena ter aderido à greve.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Governo de Esquerda



Há duas semanas, escrevi neste mesmo espaço que o Governo de Passos Coelho acabará por cair a curto/médio prazo. Tendo entrado numa fase descendente em que a sua demissão é já pedida abertamente por cada vez mais sectores, a única dúvida é se dura até à discussão do orçamento no próximo ano ou se cai antes disso. Eis então que surge naturalmente a grande questão: e quando este Governo cair, o que se segue? Uma ida a eleições e um novo Governo PS? Será esta a mudança que o país procura, capaz de inverter o atual panorama? Tal como é pouco provável que o atual Executivo sobreviva mais de um ano, é também pouco provável que um Executivo PS consiga por si só inverter o rumo das coisas. Apesar das naturais e positivas evoluções no discurso, o partido de Seguro ainda não conseguiu clarificar o seu posicionamento quanto ao que fazer com o memorando assinado com a troika.

Um novo governo que procurasse de facto a mudança teria de ser capaz de denunciar o memorando, com o claro argumento de que este não faz parte da solução, mas sim do problema. Teria de ser capaz de assumir que, em momentos de crise, com maiores ou menores reformas, uma economia apenas pode ser relançada com investimento. Teria de defender afincadamente um amplo Estado Social, não como um luxo, mas sim com um direito inalienável, não relativizável. E teria também de ser capaz de defender intransigentemente a posição nacional no palco europeu, lado a lado com outras economias com problemas semelhantes, como a Grécia, a Espanha ou a Itália. Eis as bases de um Governo de Esquerda.

Como é sabido, a formação de um governo constituído por mais do que que uma força política à esquerda tem sido uma miragem em Portugal nestes quase 40 de democracia. Contrariamente ao que se passa à direita e já se passou no centro, nunca foram conseguidos entendimentos à esquerda suficientes para suportar uma maioria governamental. E parece que as predisposições não parecem ter-se alterado muito nos últimos tempos. Não vou naturalmente aqui apontar culpas, uma vez que os problemas são conhecidos e a minha militância enfraqueceria a objetividade da crítica. Vou sim olhar para a frente e sublinhar a urgência de uma solução destas ser construída nos tempos que correm.

Portugal está a arder, incendiado por uma política cujos resultados estão à vista. Este é o momento em que os cidadãos pedem que todas as possibilidades de alternativas sejam articuladas. Mantendo as portas abertas, procurando pontes e assentando em denominadores comuns, a esquerda portuguesa tem de mostrar que é capaz de se entender. Cada força política pode continuar a culpabilizar as restantes pela incapacidade de entendimento ou pode assumir o importante caminho de começar a procurar aliar-se com base em assuntos concretos. A experiência do Congresso Democrático das Alternativas, que conseguiu reunir no passado 5 e Outubro diversas sensibilidades da esquerda em torno de soluções, deve ser devidamente interiorizada. 

Vão existir eleições a curto/médio prazo e o eleitorado quer saber como o bloqueio histórico que existe à esquerda vai ser ultrapassado. Uma coisa parece certa: são cada vez mais os setores, dentro e fora dos partidos, mais ou menos alinhados, que manifestam abertamente o desejo de um Governo de Esquerda. É muito pouco provável que tal venha a acontecer e os sinais que vão surgindo não são os mais animadores, é um facto. Mas repito o que disse acima: o país está a arder. Resta saber se a esquerda, toda a esquerda, quer fazer alguma coisa a este respeito ou se prefere manter-se nos seus confortáveis posicionamentos de sempre.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Futurity)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Podia ao menos disfarçar, não?


3 breves notas sobre a Convenção do Bloco


Neste fim-de-semana estive na Convenção do Bloco. Foi bom verificar que provavelmente a expressão mais utilizada nas diversas intervenções foi, nada mais nada menos, do que "Governo de Esquerda". Embora com perspetivas distintas sobre como lá chegar, as moções alternativas discutiram aguerridamente a necessidade da formação de um Governo que una diversas sensibilidades da esquerda.. Apesar das imediatas demarcacões do PS quanto a esta possibilidade, o Bloco sai desta convenção com um mandato reforçado neste sentido.

Quanto à questão da liderança bicéfala, parece-me que se trata de um grande desafio, num momento em que pessoalmente julgo que uma solução de liderança única seria mais prudente e eventualmente eficaz. Mas se nos lembrarmos que há 13 anos o Bloco também nasceu sem uma liderança conjunta, percebemos que as soluções mais fáceis nunca fascinaram este partido. Resta agora transformar esta originalidade numa vantagem.

Os dois temas acima foram os que mais dividiram as duas moções e respetivas listas apresentadas na Convenção. Fui subsccritor da Moção B, que não saiu vencedora, mas que obteve um resultado acima das expetativas. Como é evidente, depois de um saudável periodo de discussão, é tempo de juntar forças, porque o país bem precisa.

sábado, 10 de novembro de 2012

O Último Cartucho




Num momento em que finalmente se tornou de relativo senso comum que a austeridade só intensifica os problemas, eis que o Governo surge com a questão da refundação. Quando tudo parecia indicar que algum recuo estratégico aconteceria, que no mínimo verificar-se-ia um abrandamento ou mesmo adiamento de algumas medidas, somos presenteados com um grande salto em frente: pelos vistos o que é preciso é refundar o Estado. O Estado Social, entenda-se.

Embora os prognósticos no fim do jogo sejam naturalmente fáceis, olhando mais atentamente para a estratégia agora seguida por Passos&friends, facilmente se conclui que tem muito pouco de idiota. Apesar de ser de senso comum que a austeridade só veio agravar os problemas, a ideia de que não foram feitas verdadeiras reformas no universo do Governo e da Administração Pública continua a subsistir em cada táxi, em cada local de trabalho e em cada jantar de família deste país. Ou seja, continua por aí a narrativa de que isto não vai lá porque as mordomias dos políticos e dos dirigentes públicos continuam, porque continua o desperdício e a ineficiência do Estado e, em última análise, porque continuam os excessos nos direitos sociais (rapidamente transformados em mordomias sociais).

E neste sentido, há que bater palmas à nossa Direita. Apesar da sua receita de austeridade e do custe o que custar ter falhado em todas as frentes, em muitos sectores subsiste a ideia de que foi a pura incompetência governamental na implementação de algumas das reformas prometidas que ditaram este falhanço. O tema da refundação surge assim como uma forma da referida Direita se redimir perante os que a elegeram acreditando que bastava cortar umas gorduras do Estado para que todos os nossos problemas ficassem resolvidos.

A maioria PSD/CDS aposta por isso na discussão do papel dos Estado, dos seus limites de intervenção e, claro, das funções sociais que desempenha. No fundo, um derradeiro esforço para ganhar a opinião pública. Por mais lunático que possa parecer, e apesar de tudo indicar que não será um esforço bem-sucedido, convém não subestimar este tipo de discussão. Mesmo que seja o último cartucho, não se devem esperar menos estragos neste tipo de jogada. Pelo contrário.

Artigo ontem publicado no Esquerda.net

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Obama: Before and After


Há 4 anos fiz uma noitada para acompanhar as eleições americanas. Navegar pelo arquivo de um blogue é sempre engraçado (ver aqui, aqui, aqui o aqui). Este "best of" dos videos então existentes no You Tube é uma delícia. Passados 4 anos, digamos que Obama e a sua mudança que estão "um pouco" mais gastos. Mas é dificil sequer imaginar que tudo pode terminar hoje. Esperemos naturalmente que não.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Quando cairá este Governo?



Durará mais seis meses ou mais um ano? Neste momento, muito poucos poderão achar que a presente legislatura chegará ao fim. As opiniões parecem dividir-se apenas sobre se o Governo de Passos Coelho aguentará até às autárquicas e à votação do orçamento de Estado no final do próximo ano ou se cairá ainda antes. Ou seja, pouco mais de um ano depois de ter sido eleito um novo Governo em Portugal, o país começa a dar sério sinais de estar pronto para uma nova mudança de ciclo político, o que demonstra bem o grau de rejeição que a presente linha política tem originado.

Os Executivos e as maiorias que os suportam possuem um ciclo de vida. Este inicia-se tipicamente com um “estado de graça” após a eleição, onde os novos governos beneficiam de todo o espaço do mundo para estruturarem aquela que será a sua linha politica. A sua popularidade aumenta e as intenções de voto na maioria atingem inclusive níveis superiores às que resultaram do último eleitoral. Como segunda fase, diria que temos a “maturidade”, momento do ciclo político em que legitimidade do Executivo encontra-se estável. Existem obstáculos, mas reina uma relativa tranquilidade e segurança na governação. Em terceiro lugar, temos a fase “descendente”, em que o Executivo começa a acusar um sério desgaste, acumulando erros e concedendo à oposição a oportunidade de se mostrar como alternativa. A quarta e última fase podemos designar como “decadente”, momento em que o Executivo já está totalmente à deriva e é alvo de chacota, aguardando apenas a estocada final. O atual executivo encontra-se já na fase descendente, caminhando a passos largos para a fase decadente. 

É sabido o desgaste acelerado que todos os governos europeus têm sofrido desde que a crise económico-financeira se instalou. Mais do proporcionar alternâncias para a esquerda ou para a direita, o atual panorama tem acelerado dramaticamente os ciclos de vida dos Governos, originando assim que o poder caia no colo das respetivas oposições um pouco por toda a Europa. Em Portugal, o cenário não é diferente. A crise económica derrubou há pouco mais de um ano o Governo de Sócrates e, como tudo parece indicar, parece determinada a dar uma esperança média de vida extraordinariamente curta a este governo de Passos Coelho. 

Poder-se-á sempre pensar que, apesar dos muitos sinais de debilidade, este Executivo está cá para durar. Mas um olhar mais atento revela existir já uma espécie alinhamento cósmico-político contra o qual nenhum Executivo pode sobreviver. Temos uma situação económica que não melhora apesar de todos os sacrifícios pedidos; temos as sondagens a dar maioria ao principal partido da oposição; temos contestação de rua crescente, com uma regularidade demolidora e com uma dimensão que não pode deixar ninguém indiferente; temos praticamente todos os opinion makers da praça, incluindo os da área política do Executivo, a criticar abertamente a linha governativa seguida; temos um Presidente da República que já não consegue disfarçar o seu desconforto; temos o parceiro mais pequeno da coligação a querer saltar fora porque o barco está a afundar-se a pique, e; last but not least, no seio do principal partido da maioria, são cada vez mais sonantes as críticas e os distanciamentos quanto ao rumo seguido.

No atual cenário, uma remodelação governamental poderá aliviar um pouco a pressão, mas dificilmente representará mais do que um pequeno balão de oxigénio. E as alterações minimamente profundas da linha política, em forma de “refundação” ou outro qualquer similar, não conseguirão inverter o rumo das coisas. Dure seis meses ou um ano, o presente Executivo está condenado a cair. Importa, por isso, começar a pensar no que se pretende para o dia seguinte. Importa pensar seriamente na alternativa.

Artigo publicado na terça-feira no Açoriano Oriental