Subitamente, parece que os ventos de mudança começaram a atingir a Europa de forma minimamente séria. A vitória do Syriza e os primeiros dias do novo Governo Grego vieram demonstrar que existem posturas que não passam pela submissão a troikas e que existem caminhos que não passam pela austeridade. Encontrando-se numa situação de calamidade social, os gregos reagiram decidindo apostar um caminho alternativo. E não são os únicos que parecem dispostos a fazê-lo. Já aqui ao lado, em Espanha, o Podemos poderá também ter oportunidade de demonstrar que um outro caminho é possível. E os ventos de mudança não se ficam por aí. Na Irlanda, por exemplo, o Sinn Féin tem vindo a ver a subir na sua popularidade. E nos mais diversos países europeus, o establishment começa olhar em volta e a tentar identificar de onde vem “o perigo”.
Como é evidente, os processos de mudança em curso estão longe de ser um mar de rosas. Enfrentam inúmeras resistências, lidam com expectativas elevadíssimas. A probabilidade de sucesso dos mesmos é limitada, pois são inúmeras as pedras que têm no seu caminho. A mudança sempre se fez correndo inúmeros riscos. E os primeiros dias de governação de Tsipras na Grécia demonstram isso mesmo. Optou por formar governo com um parceiro de coligação muito pouco ortodoxo, assumiu a renegociação da dívida como prioridade e viu a bolsa grega afundar-se, enfrentou de frente a União Europeia e viu de imediato seu país a ficar isolado no panorama europeu. Em suma, assumiu inúmeros riscos. E ninguém neste momento pode garantir se os gregos serão bem-sucedidos ou não nesta sua impertinência de querer mudar. De qualquer modo, uma coisa já conseguiram: não deixar ninguém indiferente.
Os casos grego e espanhol demonstram-nos também que a emergência destes novos partidos e movimentos faz-se colocando em causa sistema partidário até então vigente. Syriza e Podemos afirmam-se em prejuízo dos partidos que até agora dominaram o panorama político dos respectivos países. No caso grego, a vitória do partido de Tsipras implicou um desaparecimento eleitoral do PASOK. Em Espanha, o PSOE e o PP estão a ver a sua hegemonia ser posta em causa por uma terceira força política. O bipartidarismo que há décadas domina os dois países foi colocado em cheque. Podemos ver neste panorama um risco tremendo, uma vez que estamos a por em causa o sistema que bem ou mal trouxe os seus países até ao presente com paz e alguma prosperidade. Ou podemos ver uma oportunidade, possibilitando a reconfiguração de sistemas partidários esgotados, em que partidos muito semelhantes ou indistintos se alternam no poder, com o progressivo alheamento dos cidadãos
O momento que vivemos actualmente obriga-nos a não ter ilusões de que se queremos a mudança, riscos têm de ser assumidos. Porque a mudança assim o exige. De outro modo, não seria em si mesmo uma mudança, mas sim uma mudançazinha. No fundo, uma abordagem reformista calminha e cautelosa que procuraria mudar alguma coisa, mas garantindo que uma série de jarras e porcelanas não se partem. Neste sentido, para que cada um de nós saiba exactamente o que defende, se calhar deve perguntar-se a si mesmo se prefere uma mudança ou uma mudançazinha.
Embora o cenário em Portugal seja evidentemente muito diferente dos casos grego e espanhol, naturais lições devem ser tiradas do que se está a passar nestes países. Teremos eleições legislativas no final do ano, obrigando-nos a decidir se queremos que algo mude verdadeiramente, como não tem mudado nestes últimos 40 anos de democracia ou, pelo contrário, preferimos uma mudançazinha nos moldes como esta sempre tem ocorrido, com a simples mudança dos protagonistas políticos e com a alternância do partido no poder.
Julgo que estou em condições de poupar os leitores deste texto sobre qual acho que é, neste momento, a melhor opção.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental