Numa iniciativa que reuniu personalidades da esquerda, mas também do centro político, Mário Soares voltou a alertar para a urgência de se mudar de rumo, uma vez que “a violência está à porta”. A idade, estatuto e estilo de Soares permitem-lhe ter este tipo de intervenções, que originaram diversos protestos da direita e de responsáveis governamentais dada a eventual “legitimação da violência” que as mesmas podem encerrar. Independentemente da indignação perante as declarações, o que é facto é que os protestos destes últimos anos apresentam níveis de tensão quase desconhecidos até agora em Portugal. As imagens de nervosismo e até alguns confrontos em frente à Assembleia da República tornaram-se quase recorrentes.
Por outro, e isto não se tratou de um mero pormenor, na mesma noite em que Soares fazia este aviso, uma manifestação dos profissionais de segurança invadiu as escadarias do Parlamento. Ou seja, mesmos os setores profissionais considerados naturais respeitadores da ordem começam a dar graves sinais de nervosismo. O que deixa particularmente apreensivos os governantes e a própria direita política. Se não podem contar com corpos de segurança como os polícias ou os guardas prisionais para manter a ordem, contarão com quem? Sintomático. O cenário começa a ficar deveras complicado.
Mas independentemente da crise e da austeridade se fazerem sentir nos mais diversos setores sociais, os setores jovens da população estão com certeza entre os que mais estão a sentir na pele o momento que atravessamos. A mais qualificada geração de sempre vê, neste momento, o futuro ser-lhe descaradamente roubado, hipotecado, suspenso. As mais diversas peças jornalísticas vão-nos retratando as histórias pessoais que vão acontecendo um pouco por todo o país. E cada um de nós começa a conhecer uma meia de casos como estes, ora de amigos, ora de familiares.
Jovens que terminaram as suas licenciaturas e mestrados e pura e simplesmente não conseguem entrar no mercado de trabalho. A economia atual apenas lhes consegue oferecer precariedade em troca do esforço e recursos que empenharam aquando da sua frequência do ensino superior. E se tal sentimento de futuro roubado se faz sentir entre os jovens mais qualificados, a situação complica-se ainda mais entre a juventude que apenas terminou o secundário ou ficou-se pelo 10 ou 11º ano. A geração “nem-nem” – nem trabalho, nem educação/formação – que não consegue abandonar a casa dos pais porque não consegue ter recursos para se sustentar autonomamente, está a engrossar a olhos vistos. As estatísticas oficiais começam aliás a demonstrar o número crescente de jovens nesta situação.
Soares acenou com a ameaça de violência e muitos sectores ficaram indignados. Parecem esquecer que foi precisamente esta situação de desemprego entre a juventude mais qualificada de sempre que esteve na origem da vaga de movimentos internacionais como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street ou “os Indignados”. E não está aqui naturalmente em causa a utilização ou não da violência por estes movimentos, que no mundo ocidental mostraram-se até particularmente pacíficos, mas sim do papel transformador que poderão assumir. Uma juventude “desocupada” e “insatisfeita” deve ser naturalmente motivo de preocupação de todos, sobretudo dos que parecem tão convictos da receita atual. Confesso que sou dos primeiros a temer pela consistência dos consensos alargados como os que vimos na Aula Magna na semana passada. Mas eles são sem dúvida um sinal de que, independentemente da filiação ou convicção política, são cada vez mais os que estão dispostos a lutar contra quem lhes anda a roubar o futuro.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
Imagem: HR Portugal