A greve geral foi um sucesso, julgo não existirem dúvidas a este respeito. Por resultar da junção de forças da CGTP e da UGT e, sobretudo, por ter contado com uma tão grande adesão. A democracia mostra estar viva quando tantos decidem lutar pelos seus direitos. Por direitos comuns, sublinhe-se, numa perspectiva fraterna e solidária. A democracia não rima de facto com resignação.
Mas mesmo nestes momentos de grande adesão, é difícil não se interrogar porque não se conseguem adesões ainda maiores. Tendo em conta o ataque sem precedentes em curso, com cortes nos salários e nas prestações sociais, perdas de direitos, aumento do IVA, não seria de esperar uma paralização total e um grito de indignação ensurdecedor? Trocado por miúdos, está-se a ir ao bolso das pessoas de uma forma sem precedentes e mesmo assim continuam a parecer tantos os resignados com tal facto.
A verdade, há muito conhecida por sinal, é que não é fácil fazer-se greve nos dias que correm. É certo que nos tempos em que não existia liberdade os riscos eram imensamente maiores. Mas a opressão de outros tempos foi hoje substituída pela incrível força do individualismo, pela falta de sentimento de bem colectivo. Se noutros tempos havia o risco até da integridade física por se fazer greve, hoje expressões como solidariedade, fraternidade e defesa de direitos laborais são totalmente estranhas em inúmeros meios. Hoje, em diversos sectores, ser-se sindicalizado é uma extravagância.
E tal clima de escasso sentimento colectivo não deve ser desprezado. É ele que determina que muitos dos que aderiram à greve geral tenham sido considerados autênticos excêntricos e líricos, inclusive por colegas. É ele que determina que quem adere a este tipo de protestos, usufruindo de um direito basilar em democracia, possa ser olhado com desconfiança pelas suas chefias como se de um perigoso insubordinado se tratasse.
Por tudo isto, são naturalmente de saudar os muitos milhares de trabalhadores que abdicaram nesta quarta-feira de um dia de salário. Que tiveram a coragem de abdicar das boas graças dos seus superiores ou que se colocaram mesmo em situação de fragilidade num mercado de trabalho cada vez mais instável. Fizeram-no em defesa de direitos colectivos, de melhores condições de vida para todos. Muito mais simples seria não aderir a coisa nenhuma, não se chatear, assobiar para o lado, esperar que outros assumissem a linha da frente na defesa dos nossos direitos, prosseguindo assim calmamente com a nossa vidinha.
Por isso é que o que se passou nesta quarta-feira assumiu contornos tão especiais. Resta aproveitar o balanço e continuar a combater esta tendência alastrante que encara a defesa de direitos laborais comuns como algo quase exótico. A democracia agradece.