sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A Terceira Revolução Industrial, de Jeremy Rifkin


Ensaiar nos nossos dias sobre o ecologismo, sobre o aquecimento global ou sobre a necessidade de adoptarmos novos paradigmas de consumo não constitui uma novidade. O ambiente ganhou nas últimas décadas uma notória centralidade na conceptualização de qualquer modelo de desenvolvimento, tendo-se chegado a consensos ou posições de compromisso consideráveis quanto à necessidade de melhor salvaguardarmos o planeta. Tal não significa que este tenha deixado de ser um tema politicamente relevante, mas as clivagens em torno das temáticas do ambiente passaram a ser bastante sofisticadas e menos evidentes. Hoje encontramos posicionamentos ambientalistas consistentes nos mais diversos quadrantes políticos, o que demonstra bem o espaço ganho pelo pensamento verde nos últimos anos.

O que torna A Terceira Revolução Industrial num ensaio tão marcante é a forma como consegue fazer bem a ponte entre a revolução digital a que todos assistimos e a revolução energética que tanto necessitamos. Jeremy Rifkin consegue, com particular mestria e assertividade, demonstrar-nos a íntima relação histórica entre novas tecnologias da comunicação e novos regimes energéticos, impulsionando novas eras económicas. Deste modo, a primeira revolução industrial ficou marcada pelo domínio do carvão e por evoluções impressionantes nos domínios da produção, dos transportes e das comunicações. Por seu turno, a segunda revolução industrial é marcada pelo petróleo e pelos avanços que todos conhecemos nos meios de comunicação e na “eletrificação” do mundo.

Eis que chegamos a um ponto em que a crise económica mundial demonstra o fim da era dos combustíveis fósseis e a necessária emergência das renováveis, ao mesmo tempo que as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) fornecem hoje os mecanismos necessários a uma produção totalmente distribuida da energia. Através das TIC, estamos hoje em condições de disseminar redes energéticas inteligentes capazes de gerir edifícios que são simultâneamente consumidores, mas também produtores de energia. 

E se o advento da Terceira Revolução Industrial é necessariamente uma “boa notícia” para a sobrevivência do planeta e do seu ecosistema, Rifkin demonstra igualmente que estamos perante o impulso económico que a economia mundial hoje tanto necessita. O esforço económico associado à conversão de uma economia baseada em energias fósseis para uma economia de carbono zero será a fonte de investimento e de emprego que hoje tanto procuramos. Ao longo da obra, consegue demonstrar de forma razoavelmente empírica como a referida mudança, que terá de processar-se nas próximas décadas, ajudar-nos-á a ultrapassar muitos dos becos sem saída em que hoje nos encontramos. 

O autor chega mesmo a fazer uma incursão nos impactos desta Terceira Revolução Industrial nos sistemas políticos. Considera que a produção distribuida de informação e energia contribuirá igualmente para uma democracia menos vertical, mais aberta à participação dos cidadãos. As abordagens colaborativas sairão reforçadas neste novo modelo de desenvolvimento, abrindo assim caminhos à resolução de inumeras contradições que há muitos nos preocupam.

Rifkin assenta o modelo de desenvolvimento da Terceiras Revolução Industrial em cinco pilares: 1) mudança para as energias renováveis; 2) transformação dos blocos de edificios em todo o mundo em pequenas fábricas para recolher energias renováveis localmente; 3) explorar o hidrogénio e outras tecnologias de armazenamento em todos os edifícios e em todas as infraestruturas para armazenamento de energias intermitentes; 4) utilização da tecnologia da Internet para transformar a rede de energia de todos os continentes em inter-redes de partilha de energia que funcionam exatamente como a Internet; 5) transição da frota de transportes para veículos elétricos e a células de combustível que poderão comprar e vender eletricidade numa rede inteligente e interativa a nível continental.

Apenas grandes pensadores conseguem produzir grandes ensaios sobre novos modelos de desenvolvimento, abarcando as mais diversas esferas socio-económicas. Julgo que A Terceira Revolução conquistou um lugar com razoável destaque na prateleira da nossa estante reservada aos grandes ensaios contemporâneos.

Recensão publicada este mês no Le Monde Diplomatique

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Citius e as incompetências difíceis de arquivar


O Citius ganhou imediatamente um lugar na história como o maior crash informático do Estado nos dos últimos anos. Mas não se ficou por aqui. Ficará também na história como um dos mais insólitos processos de apuramento de responsabilidades na Administração Pública. 

Em vez de assumir politicamente o sucedido, Paula Teixeira da Cruz rapidamente partiu para uma espécie de caça às bruxas no seu ministério. Acusações de incompetência aos seus funcionários, destituições de cargos e até suspeitas de sabotagem lançadas sobre o funcionário A e o funcionário B.

As notícias que agora começam a surgir demonstram bem a forma ridícula como a Ministra reagiu ao sucedido. As suspeitas de sabotagem lançadas sobre funcionários estão a ser naturalmente arquivadas. Já quanto às suspeitas de incompetência da Ministra... Bem, essas serão um pouco mais complicadas de arquivar.

(Imagem: Público)

Ai Timor


Não é a primeira vez que Timor faz notícia nestes últimos anos pelas piores razões. Desta vez, a coisa foi um pouco mais grave, porque expulsar magistrados que se encontravam no território ao abrigo de protocolos de cooperação é um “bocadinho mau”. Se a isto adicionarmos as supostas razões que motivaram as expulsões – investigações judiciais em curso envolvendo membros do Governo por suspeitas de corrupção – percebemos que a inocência e lirismo até com que por vezes olhámos Timor nestes últimos 15 anos está a chegar ao fim.

E sejamos claros a este respeito: por mais que achemos que o nosso sistema de justiça tem os seus problemas e que os seus agentes não são santos, é difícil vislumbrar uma justificação minimamente razoável para expulsão decretada. E não nos é difícil presumir a inocência e a integridade dos magistrados portugueses em terras timorenses, até porque não proliferam na justiça nacional casos de corrupção de magistrados. O nosso sistema de justiça tem inúmeros problemas, mas este não tem sido um deles. Neste sentido, apesar das notícias que nos chegam praticamente só mostrarem o ângulo das vítimas de expulsão e a sua versão sobre o que motivou tal acto, não parecem restar dúvidas de que o Governo Timorense sai bastante mal desta fotografia.

E não é a primeira vez que tal acontece. Quase desde a independência do território que se sussurram e confidenciam nos mais diversos círculos nacionais diversas histórias que pretendem demonstrar a imaturidade do Estado Timorense. Desde histórias de má e incompetente gestão de dinheiros públicos, contratos pessimamente negociados com empresas australianas, ausência de quadros nacionais qualificados, guerrilhas entre elites governamentais, fraca separação entre a Igreja e o Estado, entre muitas outras histórias que sempre foram aparecendo dispersas na comunicação social nacional.

Como é evidente, depois de toda mobilização Portuguesa em torno da independência timorense, aceitar este tipo de pecados do país irmão não é fácil. Depois de todo o romantismo associado à figura de Xanana Gusmão, o nosso Mandela da língua portuguesa, aceitar a sua incapacidade ou duvidar até da sua integridade enquanto político não é uma tarefa fácil.

Aliás, nestes momentos menos bons do Estado Timorense, quase conseguimos ouvir as vozes dos cépticos que em cada esquina existiam e ainda existem, fazendo sempre questão de avisar para a “impreparação” de Timor se governar a si próprio. Fazendo questão de sublinhar a inviabilidade de um Timor independente, por razões políticas, económicas, sociais, geográficas, entre muitas outras. No fundo, uma espécie de discurso paternalista e sempre com traços xenófobos e/ou saudosistas. Um discurso que até admira o povo Timorense, mas considera-os “impreparados” para exercerem plenamente a sua liberdade enquanto país.

Como é evidente, apesar do processo de independência de Timor ter todos os traços de uma bela história romântica, estranho seria que a tarefa de formar um Estado, de formar um país, corresse num mar de rosas. Estranho seria que não surgissem enormes dificuldades estruturais, como a inexistência de instituições, a ausência de infra-estruturas, os baixos níveis de qualificação da população, a fraca cultura cívica e democrática dos timorenses, entre muitas outras dimensões. Não existem milagres a este respeito e muitos exemplos internacionais poderiam aqui ser trazidos para mostrar isso mesmo.

Assim sendo, mais do que diabolizar de um dia para o outro Timor e os seus protagonistas, dando razão aos cépticos desta e de outras vidas, importa sim tratar os timorenses como gente crescida. Isto é, apesar de todas as dificuldades do seu país, tratá-los como responsáveis pelos seus atos, sem dramatismos e com serenidade. Parece-me a atitude mais inteligente a ter e Timor agradece com certeza.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Isabel dos Santos e as coisas que me chateiam, pá


Acho formidável que o nome de Isabel dos Santos seja hoje incontornável nas grandes esferas de negócios nacionais. É aquele nome que parece estar sempre à espreita, que surge hoje já sem qualquer disfarce nos maiores negócios do país, seja na banca ou nas telecomunicações. O Expresso tem hoje diversas peças sobre a senhora. Esta aqui é interessante..

Muitos ficam desconfortáveis com o facto de ser angolana. Pessoalmente, é-me perfeitamente indiferente a sua nacionalidade. Já não me é indiferente o facto de se filha do presidente angolano e líder do MPLA Filha da figura que domina Angola há décadas e que possui redes de influência e clientela no país com contornos muito para lá de duvidosos.

Isabel dos Santos pode sofisticar-se, pode rodear-se da inteligência portuguesa e arredores, pode vestir a sua capa de grande empresária, mas nunca devia deixar de ser vista como alguém que enriqueceu pornograficamente por ser filha de quem é. 

Haja por favor um pouco de decoro entre os nossos empresários e, já agora, entre a nossa comunicação social. Façam-nos o favor de não tentar branquear tal facto ou considerá-lo um dado adquirido com o qual temos de viver. É uma coisa que me chateia, pá, como diria o outro senhor.

Já nas bancas


Índice dos artigos desta edição de Novembro aqui

domingo, 9 de novembro de 2014

25 anos da Queda do Muro


Poderia tentar dissertar aqui sobre o tema e não tenho dúvidas que muitas lições e ângulos poderiam ser explorados. Mas, se calhar por preguiça, se calhar por excessiva vontade de simplificar, diria apenas que vale sempre a pena celebrar a queda de muros. Não se conformar com os muros, escolher sempre um lado e nunca (mas nunca!) optar por ficar em cima dos mesmos.Vale sempre a pena transpõ-los, parti-los, quebrá-los.

sábado, 8 de novembro de 2014

Aprender a Lição

Ainda a novela do BES vai a meio e já estamos a ser bombardeados com o enredo de uma outra concorrente que passa igualmente em horário nobre. Temos agora a novela Portugal Telecom, a história de um grupo económico de referência, um gigante, um baluarte do esforço nacional que subitamente mostra ter pés de barro, ameaçando desmoronar-se perante um público ainda incrédulo. Esta podia ser muito bem ser uma história de entretenimento para vermos confortavelmente nos nossos ecrãs, no conforto dos nossos sofás, mas não é de facto este o cenário. Ver uma empresa com a dimensão da PT à deriva e a ameaçar tombar, com todo o custo que tal poderá ter na economia nacional e em muitos milhares de postos de trabalho, não é propriamente uma história de entretenimento.

E, como sempre tem acontecido nestes casos, a PT não cai porque as suas vendas baixaram,  porque não está a conseguir penetrar em novos mercados ou porque deixou de inovar.  A PT não cai por razões económicas, mas sim pelas jogadas financeiras de quem a geriu nos últimos anos. Uma gestão apenas centrada nos dividendos a curto prazo dos accionistas. Uma gestão de vistas curtas, que, como é evidente, está sobretudo preocupada nos ganhos ao final do dia ou no final do mês, sendo a área de negócio da empresa ou a sustentabilidade da estratégia seguida um pequeno detalhe.

Vamos agora sendo presenteados com episódios diários sobre a podridão que afinal existia no seio do gigante. À segunda-feira sabemos que Zeinal Bava isto, à quarta-feira sabemos que a distribuição de dividendos aquilo. Os batalhões de comentadores instalados indignam-se na televisão e nos jornais com a podridão encontrada. Começa-se aliás finalmente a perceber que é chato uma empresa como a PT não ter o seu centro de decisão em Portugal. Começa também a ser encarado como uma chatice o domínio estrangeiro no capital da empresa. No fundo, perante a ameaça de estrondo, algumas luzes começam a surgir em algumas cabecinhas.

Mas o pior que pode acontecer em toda esta história da Portugal Telecom, que nos últimos dias já vai sendo escamoteada pela euforia das propostas de aquisição e pelo sobe e desce das acções, é não tirarmos lições do sucedido. Sobretudo não percebermos os efeitos nefastos do Estado abrir mãos de empresas em setores estratégicos para o país. Porque quando tal acontece, temos nada mais nada menos do que o mercado a funcionar. E o mercado não está naturalmente preocupado com os interesses de um país ou da sua população. Não se rege por atuações estratégicas nem ambiciona ter quaisquer objectivos de política pública. O mercado não tem fronteiras, a sua lógica de capitalização e de lucro visa obter o máximo de benefícios com o mínimo esforço. Assim sendo, uma empresa, por maior e mais estratégica que possa ser, é um ativo como qualquer outro. Pode ser capitalizado, pode ser vendido, pode ser dividido, consoante os objectivos dos seus accionistas.

Que lições deviam ser tiradas já hoje de todo esta triste novela da PT? Mais do que nunca, a privatização de empresas em sectores estratégicos deve ser fortemente questionada e contestada. Privatização da TAP?  Privatização dos CTT? Privatização da REN? Que as asneiras na PT nos ensinem pelo menos a melhor salvaguardar os interesses nacionais.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net