Para lá da descida do rating a Portugal, a semana que agora termina ficou sem dúvida marcada pelas reacções dos líderes de opinião da direita política sobre o sucedido. Antigamente (vulgo antes de 5 de Junho), o episódio originaria um "precisamos de restabelecer a nossa credibilidade junto dos mercados, precisamos de mais austeridade, de mais redução da despesa". Agora, pelo contrário, temos de nos contentar com uma espécie de engasganço mal disfarçado. O corte de rating é infelizmente mais um murro no estômago de todos aqueles que, para não variar, andam a pagar a crise em Portugal. Mas representa sobretudo uma bofetada ideológica nos sectores que defendem que o problema se resume a termos vivido “acima das nossas possibilidades”.
E por maior que seja a onda de indignação que tenha ocorrido a nível nacional e internacional contra a acção da Moodys, os mercados não se comoveram. A bolsa Portuguesa caiu a pique, as obrigações afundaram-se. Aliás, estranho seria se o cenário se revelasse diferente. A chegada da direita política a esta indignação contra as agências de rating pouco ou nada influenciará os mercados. Em primeiro lugar, estes já mostraram ser pouco sensíveis a críticas de “injustiça” ou de “imoralidade”. Em segundo lugar, porque a indignação destes sectores será sempre momentânea e/ou profundamente cirúrgica. Nunca verão o problema no sistema como um todo (tal representaria assumir a sua total errância ideológica), mas sim em pequenas partes do mesmo que precisam de ser afinadas.
Curiosamente (ou não), passados quase três anos da falência da Lehman Brothers e da catástrofe económica financeira que desde então se tem vindo a alastrar, não só todas as tentativas de reforma de fundo têm sido adiadas, como mesmo as reformas cirúrgicas têm passado para segundo plano. Ou seja, nem sequer intervenções cirúrgicas minimamente sérias têm existido. Pelo contrário, tem-se respondido às falhas do sistema alimentando-o cada vez mais. Tem-se ignorado a irracionalidade comprovada de inúmeros dos seus pilares com verdades ideológicas que caem no primeiro teste a que se submetem.
O corte no rating foi uma tremenda bofetada ideológica em inúmeros sectores, é certo. O problema é que as ideologias minimamente sólidas – e o liberalismo, gostemos ou não, tem provado sê-lo – são globalmente pouco abaladas por estes choques com a realidade. Infelizmente não é com murros no estômago ou bofetadas ideológicas que se alteram. É preciso bastante mais do que isso.
Artigo publicado na sexta-feira no
Esquerda.net