quinta-feira, 30 de junho de 2011

Pode alguém ser quem não é?


Há duas semanas atrás, Passos Coelho afirmou o seguinte: "Não usaremos nunca a situação que herdámos como uma desculpa para aquilo que tivermos de fazer. Daremos, por uma vez, um bom exemplo de poupar ao país durante meses o exercício de evocar a circunstância que herdámos." Uma afirmação que soou perfeitamente contra-natura vinda de quem se preparava para assumir um Executivo...

Hoje, no dia em que apresentou o PEC 5, vejamos como o primeiro-ministro enquadrou o que se preparava para anunciar: "O estado das contas públicas força-me a pedir mais sacrifícios aos portugueses". Comentários para quê? Pode alguém ser quem não é?
(Imagem: Pynguyn)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O lá lá lá vai começar...

"O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, vai anunciar esta quinta-feira, no Parlamento, a antecipação de algumas medidas previstas no memorando de entendimento com o FMI, Comissão Europeia e BCE, e a adopção de medidas de austeridade de “carácter extraordinário”.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A Grande Oportunidade

Há menos de três meses atrás, quando foi assumida a vinda da troika e a inevitabilidade de Portugal submeter-se a um programa de austeridade, algumas vozes sussurraram timidamente que tal poderia ser uma oportunidade para Portugal. No meio da reprovação geral que então se fazia sentir (incluindo à direita), alguns economistas e empresários mais irreverentes lá foram dizendo que poderia ser uma boa oportunidade para o país fazer as reformas de que tanto necessita. No meio do ferido orgulho nacional, tais vozes não foram particularmente aplaudidas. Curiosamente, tal ideia foi ganhando uma amplitude cada vez maior. No final da campanha eleitoral, o PSD já o afirmava sem grandes hesitações e, no momento actual, Passos assume-o como a sua grande missão. Importa então esmiuçar um pouco melhor a referida “oportunidade”.

Desde a transição para a democracia, o liberalismo económico nunca assumiu um particular destaque no quadro das ideias políticas a nível nacional. Tais posicionamentos não só eram largamente minoritários no eleitorado, como nos próprios partidos políticos estavam reduzidos a franjas pouco significativas. A direita política no Portugal democrático nunca se destacou pelo seu liberalismo económico, atribuindo sempre ao Estado um papel grande nas suas políticas. Curiosamente, parecem estar reunidas as condições para que tal panorama mude bruscamente. Correndo o risco de parecer panfletário, a caminho dos 40 anos de democracia, nunca como hoje as condições foram tão propícias à implementação de um quadro global de medidas de teor liberal. Uma grande oportunidade para todos os que advogam tais abordagens.

As condições para avançar no referido sentido são de facto excepcionais. Por um lado, existe um compromisso externo com a troika que confere a este tipo de abordagens uma legitimidade considerável. O memorando da troika pode funcionar inclusive como um alibi perfeito para a aplicação de medidas menos populares. Em segundo lugar, teremos um executivo que assume abertamente a sua inspiração nestes domínios. Fê-lo inclusive em campanha eleitoral, o que chegou a ser considerado contraproducente. Possui portanto um mandato claro para avançar no referido sentido. Em terceiro lugar, embora Cavaco Silva não seja conhecido por ser um particular adepto das doutrinas liberais, é certo que não colocará obstáculos a partir de Belém às referidas abordagens.

Em quarto lugar, embora tal possa não suceder por muito tempo, o principal partido da oposição (PS) encontra-se amarrado ao compromisso assumido com as instituições internacionais. Não pode portanto, pelo menos para já, levantar obstáculos de maior ao rumo previsto. Em quinto e último lugar, está criado um sentimento na sociedade portuguesa aberto a tal tipo de abordagens. A mensagem de que “andamos a viver acima das nossas possibilidades” entrou no sub-consciente colectivo, estando agora o eleitorado particularmente mentalizado para sacrifícios e medidas excepcionais.

Posto isto, encontra-se aberto como nunca o caminho para que reformas liberais de fundo alterem o panorâma económico a nível nacional. Medidas como a diminuição de impostos sobre a actividade económica, o recuo do Estado em sectores como a educação, saúde ou segurança social e uma série de privatizações são apenas alguns exemplos. Não admira portanto que Passos Coelho tenha chegado de Bruxelas com a promessa de antecipar algumas medidas e de avançar até com medidas adicionais. Este é o momento perfeito para avançar com tal agenda. Os que concordam com ela sabem-no e os que dela discordam precisarão de forças extra para contrariá-la.


Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Blippitt)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Secretária de Estado da Desigualdade?

Teresa Morais é a nova Secretária de Estado da Igualdade. Curiosamente (ou não), a ex-vice- presidente da bancada parlamentar do PSD foi o rosto do seu partido em oposição à lei que regulamentou o casamento de pessoas do mesmo sexo. O que então escrevia o site do grupo parlamentar do PSD é elucidativo a este respeito:

"Teresa Morais critica processo de aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Teresa Morais refere que a Lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo aprovada, abalará profundamente a sociedade portuguesa. “É uma lei com a qual não nos identificamos, que não desejámos e à qual apresentámos uma alternativa equilibrada..."

E esta hein?

O meu preconceito sobre os independentes

Com quatro ministros e quase metade dos secretários de Estado com o estatuto de independentes, começo por sublinhar uma parte central do título do post: trata-se de um preconceito, i.e., algo que transcende a experiência ou até a explicação racional. Feita a ressalva, que não deve ser sobredimensionada, porquê então este meu pé atrás quanto a independentes em altos cargos políticos? Se calhar por temer dois perfis de independentes que, embora não generalizáveis, são muito típicos neste país:
  1. A pessoa que não possui de facto qualquer cartão partidário, embora seja detentor de ideias políticas claríssimas e alinhadas com determinado partido. Acresce a este facto a possibilidade de andar na órbita do referido partido há uma série de tempo, mas sem nunca assumir tal pertença ou ligação. Tal pessoa possui assim uma espécie de falta de frontalidade, uma dificuldade grande em correr o risco de assumir às claras um compromisso.
  2. A pessoa que é independente porque não tem qualquer ligação a partidos ou sequer à actividade política propriamente dita. Considera aliás essa coisa da política como algo secundário, que divide as pessoas em vez de as unir. Possui portanto um pensamento político muito pouco estruturado, o que também não deixa de ser preocupante.
(Imagem: Miller McCune)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Mais troikista que a troika



Passos garante que antecipará algumas medidas do acordo com a troika e promete mais iniciativas de consolidação do que as previstas. Duas evidências:

1) O Governo está perfeitamente à vontade com a linha política da troika e não podia estar mais de acordo com as soluções do pacote de austeridade. Irá até ampliá-las.

2) Há que aproveitar o estado de graça (que pode ser muito curto) para fazer o mal todo de uma vez.

(Imagem: Código da Cultura)



Os Média, o Bloco e a Prova de Fogo

Embora não alimente grandes sonhos sobre a total independência da comunicação social, também estou longe de considerar que esta se mova de forma conspiratória, a mando de alguém que lhe ordena que abata fulano e exalte sicrano. Os fenómenos da comunicação de massas, do imediatismo, da agenda setting, da sociedade em rede e da própria concorrência comercial (para citar apenas alguns exemplos) explicam muito melhor o comportamento dos média actuais do que qualquer movimento persecutório organizado que se desenvolve nas costas dos cidadãos. E embora a questão da propriedade dos meios de comunicação social não deva ser descurada, está longe de poder ser demonstrado em grande parte dos casos a sua influência directa na geração de grandes movimentos persecutórios. Claro que as dinâmicas actuais na esfera da comunicação proporcionam não só fenómenos de ascensões meteóricas, como também crucificações sumárias. O sucesso atrai os media, assim como o sangue e a desgraça. Tal corresponde à velha questão sobre o que é e o que faz notícia.

O tratamento da actualidade política não escapa evidentemente às dinâmicas acima referidas. Embora a figura dos comentadores crie uma grande intermediação e filtragem das notícias e da mensagem junto da opinião pública, os comportamentos dos media não apresentam grandes particularidades entre o tratamento da agenda política e o tratamento da restante agenda que constitui a actualidade. Lógicas semelhantes presidem à definição do que é e do que não é notícia. Neste contexto, melhor do que uma ascensão meteórica ou um descalabro absoluto de um qualquer actor político, é uma história que consiga ter as duas componentes. No fundo, um misto de conto de fadas e tragédia grega. Chega a ser um cenário tão apreciado do ponto de vista mediático, que acaba por ser procurado e proporcionado por alguns profissionais do sector.

Julgo que é neste contexto que deve ser olhada a intensa cobertura de que está a ser alvo o Bloco de Esquerda. A noção de que o cenário que circundou as últimas eleições não lhe era favorável, a efectiva grande perda eleitoral sofrida e o debate e algumas tensões internas que surgiram entretanto estão a ser avidamente acompanhadas pela comunicação social. E outra coisa não seria de esperar. Sendo a implantação e consecutivo crescimento do Bloco um caso de sucesso ímpar no panorama partidário português e até um caso de estudo a nível europeu, qualquer sinal de fragilidade é massivamente acompanhado pela comunicação social e ansiosamente comentado pelos seus concorrentes e adversários políticos. Dinâmicas normais das sociedades democráticas, importa sublinhar.

Mas todo este acompanhamento mediático constitui-se evidentemente como uma prova de fogo. Embora seja praticamente consensual que este momento de reflexão deva assumir palcos públicos, permitindo que simpatizantes e interessados acompanhem e até participem no debate, a exposição e consequente risco a que a organização fica sujeita é significativo. Sobretudo num partido como o Bloco, em que a base militante é limitada e a permeabilidade a conjunturas externas é grande. É sabido que cada brecha será explorada, que cada ataque menos sereno será difundido e dissecado pela comunicação social. Cada passo seu é acompanhado com particular atenção em busca do que pode fazer notícia.

Trata-se portanto de um momento em que o Bloco se encontra na mira dos holofotes. Este processo transforma-se assim num verdadeiro teste à serenidade com que se processará a reflexão interna em curso. E revela-se também um tira teimas sobre a maturidade, capacidade crítica e coesão de uma organização com ainda tão poucos anos de existência. O Bloco tem um importante desafio pela frente, eis a mais consensual das conclusões. Terá de o superar com a lucidez com que nos habituou.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net
(Imagem: Ello Hollywood)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

É tão fácil marcar pontos

Muito para lá do seu impacto, foi o simbolismo da viagem em económica de Passos Coelho a Bruxelas que lhe fez marcar pontos. Em contextos de austeridade como os actuais, de forma mais ou menos encenada, estas demonstrações de desprendimento têm sucesso garantido.
(Imagem: Canelada)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre o processo de reflexão no Bloco

Sendo o Bloco um partido com uma limitada base militante (a sua força encontra-se sobretudo noutros domínios), faz todo o sentido que este processo de reflexão interna seja o mais aberto possível, permitindo aos simpatizantes e interessados acompanhar e até participar nas discussões em curso. Neste sentido, destaco a entrevista que o Miguel Portas hoje concede ao i. Destaco igualmente, e não posso deixar de aplaudir, a iniciativa "Debate Aberto" do Esquerda.net, onde serão publicados diversos textos de reflexão sobre o momento actual do Bloco.

(Imagem: Digisandbox)

terça-feira, 21 de junho de 2011

E assim se virou a página

E com relativa facilidade Passos conseguiu que a página do episódio Fernando Nobre fosse virada. Conseguiu que Assunção Esteves quase fizesse esquecer o que no dia anterior se passou. Ainda se falará de Nobre durante os programas de comentário político desta semana, mas o episódio deverá cair no esquecimento. Como disse o Pedro Sales, naquela urna (de voto) ficaram guardadas as cinzas políticas de Fernando Nobre. Quanto a Passos e à coligação PSD/CDS, certamente que se encontram agora com um enorme sentimento de alívio...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A derrota e o virar a página

A rejeição de Nobre foi uma nítida derrota para a coligação PSD/CDS, mas a sua eleição podia ser ainda pior. Os estrategas internos do PSD teriam de ser muito tontos para não o saber e dificilmente foram surpreendidos com esta derrota que já há algum tempo se adivinhava. Assim sendo, o episódio de hoje foi certamente (pre)visto como o passo atrás necessário para que tudo prossiga.
.
Se for bem aconselhado, Passos apresentará amanhã um candidato consensual, assumirá que Nobre não foi eleito porque o hemiciclo assim o decidiu e apressar-se-á a arrumar o assunto afirmando que o país não tem mais tempo a perder com estas questões. E a página virar-se-á, porque no actual contexto a opinião pública quer ver o país avançar, seja para que lado for.
(Imagem: Último Grito)

A Nobre Asneira

A persistência (vulgo casmurrice) consegue ser um traço político muito apreciado pela opinião pública. E, verdade seja dita, Passos Coelho tem conseguido alguns pontos interessantes nestes domínios. Mas a questão de Fernando Nobre para Presidência da AR corre o risco de sair cara. Por um lado, se não o conseguir eleger, será a primeira derrota política de Passos neste novo ciclo. Mas, como alguns já referiram, se calhar o problema grande será mesmo se Nobre for eleito. Poderá então manter-se como um permanente factor de desgaste da coligação PSD/CDS. A comunicação social, a oposição e a própria opinião pública aguardarão ansiosamente por cada gafe, por cada hesitação, por cada escorregadela do então presidente da AR.
(Imagem: Sociedade Aberta)

domingo, 19 de junho de 2011

A preciosa ajuda


A poucos dias de tomar posse um Governo com uma visão económica assumidamente liberal, Cavaco Silva veio sublinhar a necessidade de reinventar o conceito de serviço público, argumentando que as dificuldades financeiras deveriam obrigar-nos a pensar de forma objectiva e desapaixonada sobre um tema como este. Acrescenta ainda que os cuidados de saúde são um bom exemplo da "obsessão de tudo sujeitar à tutela e à administração directa do Estado". Bem, a isto se pode chamar uma preciosa ajuda ao novo Executivo.

Se até há pouco ainda subsistiam algumas dúvidas sobre como seria o relacionamento entre Cavaco e Passos Coelho, os mais recentes sinais são bastante claros. Nos primeiros anos de coabitação entre Sócrates e Cavaco falava-se de "colaboração estratégica". Deveremos ter muito mais do que isso nos próximos anos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Os toques cavaquistas




Ainda é cedo para traçar os perfis a assumir pelos diversos actores neste novo ciclo político. Mas diria que Passos começa a dar alguns sinais do apreciado perfil cavaquista: um perfil algo austero, de poucas palavras, um desprendimento grande quanto à má receptividade das suas opções, uma suposta pouca preocupação em agradar às elites do partido, uma demonstração de virtudes com toques da idílica província.

A procura deste tipo de perfil não é de admirar dado o eleitorado típico a que se dirige, sobretudo no contexto actual. De qualquer modo, a confirmar-se, está longe de corresponder propriamente à aura liberal que se lhe atribuíu.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

À espera do telefonema



Dado que Passos já foi indigitado, encontramo-nos agora no momento em que os ministeriáveis estarão à espera daquele telefonema especial em que surgirá o tão aguardado convite. Vale a pena recordar o princípio do primeiro episódio do Yes Minister que retrata de forma deliciosa a penosa espera pelo referido telefonema...

Clash of Civilizations

Só agora me apercebi que a Marcha do Orgulho LGBT deste ano calha no mesmo dia do grandioso dia do Pic Nic do Tony Carreira na Av. da Liberdade. Cometendo um pouco o pecado do esteriotipo, diria que duas visões do mundo totalmente distintas estarão separadas por poucos metros no próximo sábado em Lisboa. :)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Participação sim, mas com respeitinho...

Por falta de disponibilidade, não tenho aqui escrito sobre as manifestações no Rossio do movimento Democracia Verdeira Já e das reacções que as mesmas têm gerado. Confesso-me estupefacto por ver tanta direita dita arejada mas também diversos sectores da esquerda a escarnecer tão abertamente o que ali se tem passado. Vi comentários a dizer que se tratavam de meninos que deviam era estar em casa a jogar playstation. Vi gente a chamar de inúteis e porcalhotos quem por lá se fixou. Vi até gente a esboçar um sorriso com a intervenção policial que se verificou no dia anterior às eleições.


Não querendo simplificar em demasia, apenas digo que é hoje um lugar comum dizer-se que os jovens não participam, que os jovens não se importam, que os jovens não querem saber. Muitas vezes tal é feito recordando com respeito o activismo da geração de Abril, da geração que combateu a ditadura, da geração que fez o Maio de 68. Curiosamente, são também muitas as figuras que, encaixando-se neste perfil de pensamento, são os primeiros a desvalorizar quem decidiu acampar no Rossio pedindo (vejam só que tolice…) “mais democracia”. Que horror… Como se atrevem a ocupar pacificamente e sujar uma praça para pedir tal disparate?

Podemos simpatizar mais ou menos com determinadas formas de participação política. Podemos considerar que a democracia deve ser mais participativa ou que deve ser sobretudo canalizada para os modelos de participação institucionais (voto, participação em partidos, etc). Podemos querer tomar parte na discussão pública ou querer assumir um papel menos activo. Qualquer opção acima é legítima. Mas daí a escamotear e denegrir algo totalmente pacífico, com contornos genuínos em torno do ideal da democracia, revela uma incómoda pequenez.
(Imagem: Barra da Tijuca)

Já nas bancas

Sumários completos do mês aqui

Perspectivas para o Novo Ciclo Político

Entrando-se agora num novo ciclo político, inúmeras interrogações se colocam sobre o quadro político que nos espera. Estaremos perante um governo capaz de cumprir uma legislatura de 4 anos? E de que modo o quadro de austeridade em curso propiciará novos cenários de instabilidade governativa? Eis apenas duas das questões que se colocam e cuja resposta definitiva é naturalmente impossível de conceder nesta fase. De qualquer modo, tal não impede que se possam ter em conta algumas variáveis e que se possam projectar alguns cenários, não esquecendo no entanto as inúmeras limitações inerentes a tal exercício.

No que à consistência do novo Executivo diz respeito, PSD e CDS tendem a ser bons parceiros de coligação. Embora o perfil de Paulo Portas possa gerar algumas inquietudes face a um Passos Coelho menos experimentado nas lides políticas dos últimos anos, importa ter em conta os últimos exemplos de coligação a nível nacional de ambos os partidos. No governo de Durão Barroso e mesmo no curto governo de Santana Lopes, o PSD ficou com pouco a apontar ao então e actual líder do CDS. Não deverá ser portanto a falta de solidez da coligação que suporta este novo Executivo que o deverá por em causa.

Na oposição, após a pesada derrota sofrida, o PS procederá necessariamente a um realinhamento de estratégia e posicionamento. Tal impõe-se por se encontrar agora na oposição e por ter de assumir a curto prazo uma nova liderança, mas igualmente por esta ser uma legislatura onde a contestação às políticas de austeridade se fará sentir fortemente. Embora tenha sido um dos signatários do compromisso com a troika e sendo certo que o eleitorado não aplaudiria se entrasse já numa postura de pura oposição, o PS procurará capitalizar a médio prazo o crescente descontentamento. Irá portanto aproximar aos poucos o seu discurso dos posicionamentos dos dois partidos à sua esquerda. Este realinhamento à esquerda dos socialistas acontecerá sobretudo enquanto não existirem perspectivas para uma nova mudança governativa. Quando tais perspectivas surgirem, tenderá a alinhar ao centro.

Relativamente ao PCP, o bom resultado eleitoral obtido e a solidez da sua organização levarão a que prossiga de forma reforçada a contestação nas ruas e nos locais de trabalho, em forte sintonia com as lutas sindicais que se adivinham. Dadas as suas características ideológicas e organizativas, os cenários de austeridade previstos para esta próxima legislatura deverão ser propícios à afirmação política dos comunistas.

Quanto ao Bloco, depois da pesada derrota, possui agora o forte desafio de procurar o seu lugar no quadro da oposição ao novo Executivo. Tarefa que contará com a dificuldade adicional de ter um PS também na oposição, conseguindo melhor reter o seu eleitorado mais à esquerda. Tendo os últimos resultados demonstrado com clareza o nível de flutuação do eleitorado potencial do Bloco, este terá de ter agora a capacidade de não se deixar ensanduichar entre comunistas e socialistas.

É neste novo quadro que as diversas forças políticas se movimentarão, importando não ignorar o forte papel que o Presidente da República poderá ter no mesmo. Cavaco já demonstrou inúmeras vezes ser pouco amigo de cenários de instabilidade governativa. Por outro lado, grande parte das medidas de austeridade a aplicar contam com o seu consentimento político-ideológico. Resta portanto saber como será o relacionamento com Passos e Portas. Sabemos que não nutriu até hoje particulares simpatias pelos actuais líderes do PSD e CDS. Veremos como tal se reflectirá no futuro.


Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental

(Imagem: The Betadine)

sábado, 11 de junho de 2011

Na forma




Pensar que António Costa se aventuraria no momento presente a liderar o PS apenas poderia partir do pressuposto da sua ingenuidade. Costa é, como toda a gente já percebeu, o líder que o PS deverá manter na forma até que o cenário político comece a dar sinais de mudança. Até lá, o actual presidente da CML continuará a aplaudir todos os que se disponibilizem a conduzir o PS na travessia do deserto mais ou menos longa que presentemente se vislumbra.

Paradoxos Eleitorais





Compreender o comportamento eleitoral dos cidadãos no acto de votação nunca foi uma tarefa fácil. E sobretudo em sociedades onde o individualismo se afirma como valor e realidade dificilmente contornável (o que está longe de ser necessariamente mau), é impressionante a multiplicidade de explicações que orientam o voto do universo de eleitores. Inúmeros paradoxos podem ser encontrados a este respeito. Peguemos então num que assume particular relevo dados os resultados eleitorais do último domingo: como é possível que, num momento de austeridade ímpar, o povo tenha confiado maioritariamente em quem defende nada mais, nada menos, do que ainda mais austeridade? No fundo, como é possível que em tempos de crise, a direita suba?

Embora impulsione oposição e resistência em alguns sectores, o medo perante o cenário de aumento da austeridade que se avizinha origina igualmente uma forte vontade de cedência na esperança que tudo volte rapidamente à normalidade conhecida. Assume-se assim que os sacrifícios virão, que serão injustos, que farão mal a muita gente, mas que serão o preço a pagar para que se regresse logo que possível à preciosa normalidade que tanta segurança nos inspira.

Uma segunda explicação que merece igualmente algum crédito, e que é complementar à que descrevemos acima, diz respeito ao clima de inevitabilidade. Ou seja, em linha com o discurso de que não há alternativa, de que não há outra solução, de que não há outro caminho possível, surge o sentimento de inevitabilidade. Ou seja, assume-se que as soluções austeras preconizadas são as únicas possíveis, como se a política económica deixasse subitamente de ser constituída por abordagens diferenciadas.

Em terceiro lugar, como importante contributo para o referido paradoxo, surge o contagiante desejo de que alguém “ponha ordem na casa”. Ou seja, no meio da confusão instalada, do caos que se adivinha e da contestação social quase certa, o desejo de ordem e até de algum “sossego social” ganham novos adeptos. Deste modo, sai naturalmente reforçado quem defende tais abordagens colaborativas por oposição a rupturas.

Como é evidente, o paradoxo acima está longe de esgotar as explicações sobre o que se passou no Domingo. Aliás, o presente texto começa precisamente por sublinhar a multiplicidade de razões que motivam o comportamento eleitoral. De qualquer modo, ajuda a demonstrar que, para além do caso a, da situação b ou do episódio c, conseguem existir explicações estruturais, de cariz quase psicológico, que ajudam a descodificar uma realidade muito pouco linear.

Artigo ontem publicado no Esquerda.net

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre a derrota do Bloco

Embora com atraso, deixo aqui algumas notas avulsas sobre a derrota do Bloco nestas últimas eleições. Mas, antes de mais, um ponto prévio: acredito que os quase 5% que o Bloco perdeu nas nestas eleições devem ser maioritariamente encarados como o seu eleitorado flutuante. No fundo, um eleitorado que flutua sobretudo entre o centro-esquerda e a esquerda, entre as soluções moderadas e as soluções radicais, que hesita entre a faceta mais à esquerda do PS e a faceta menos à esquerda do Bloco. Tal como o disse anteriormente, da conquista deste eleitorado dependia (não exclusiva mas fortemente) um bom resultado.

Terminado este ponto prévio, centremo-nos agora em alguns factores que merecem, a meu ver, particular relevo para a explicação da derrota do passado Domingo. Divido-os em problemas estruturais/contextuais e erros tácticos. Quanto aos primeiros, destacaria os seguintes:

1) Por mais paradoxal que tal possa parecer, em contextos de forte austeridade, o medo, a sensação de inevitabilidade e a vontade de regresso à normalidade/sossego social levam a que o eleitorado tenda a não confiar em soluções de resistência ou de ruptura. Tal tendência prejudica sobretudo os partidos à esquerda.

2) A pressão do voto útil (tema mais do que badalado nesta eleição) em muito contribuiu para que muito do eleitorado que confiou no Bloco em 2009 regressasse agora ao PS;

3) Como alguns inquéritos já o demonstraram, grande parte do eleitorado que votou Bloco em 2009 não o fez pelo seu programa económico, mas sim por encontrar em tal partido uma esquerda moderna, urbana, de ideias arejadas e possuidora de grande verticalidade (por oposição a um PS que então se encontrava já submerso em casos). Assim sendo, numa campanha onde tudo foi economia, a mensagem do Bloco não convenceu o referido eleitorado que aprecia o Bloco sobretudo por outros motivos.

Quanto a erros tácticos do Bloco que expliquem o resultado obtido, estes têm sido já mais do que identificados nestes últimos dias:

a) O apoio a Manuel Alegre em tal contexto não correu bem ao Bloco. Apesar de ser a única solução possível para travar Cavaco, a proximidade ao PS deixou descontente algum eleitorado mais à esquerda e mesmo algum eleitorado que, sendo próximo do PS, não gostou de ver o Bloco a apoiar alguém com problemas de verticalidade.

b)A moção de censura foi uma jogada arriscada. Podia ter corrido bem, garantindo apoios na onda de contestação que então se adivinhava (e que culminou no 12 de Março). Mas acabou por resultar em 1 mês de violentas críticas na comunicação social. Por outro lado, o tal eleitorado que flutua entre o Bloco e o PS não gostou de ver o primeiro a assumir o papel de carrasco do segundo. Tal eleitorado preferia que tal papel ficasse reservado para a direita parlamentar.

c) A não comparência ao encontro da troika foi a cereja em cima deste bolo de erros tácticos. Porque embora não estivesse em causa qualquer negociação (e o Bloco fez bem em sublinhá-lo), abdicou-se do simbolismo de lá ir, de manifestar discordância e denunciar a farsa negocial. Deu-se assim o pretexto para que os adversários pudessem cavalgar a mensagem non sense mas contagiosa de que “o Bloco nem sequer se deu ao trabalho de negociar”.

Posto isto, não havendo possibilidade de voltar atrás na derrota sofrida, importa ver na mesma uma oportunidade (bem sei que é um lugar comum dizê-lo, mas não deixa de ter o seu fundamento). O Bloco terá de discutir quem quer ser e quem pretende convencer. Terá de definir muito bem que lugar pretenderá ocupar no panorama político e em que eleitorado centrará o seu discurso. Esta discussão não será naturalmente pacífica, e possui naturais riscos num partido com as suas características. Mas é a solução evidente a aplicar no panorama actual.


(Imagem: 3th Eso Maths)

domingo, 5 de junho de 2011

Às vezes perdemos




Como o meu filho ficava sempre muito chateado quando perdia um jogo na Wii, ensinei-lhe que "às vezes perdemos". Agora, sempre que perde um jogo, repete esta frase duas ou três vezes para se tentar convencer que é uma chatice, mas que acontece... Hoje foi ele que me veio relembrar esta frase, ao que eu correspondi, mostrando-me crescido e dizendo: "sim, sim, filho, às vezes perdemos..." :)


sexta-feira, 3 de junho de 2011

O mundo é um local estranho

Num momento em que toda a gente se queixa da austeridade despoletada pela crise internacional, dizem as sonsagens que o país se prepara para eleger a direita que acha que mais austeridade é o caminho e que considera que há muito pouco de anormal no sistema económico-financeiro que despoletou a crise. Eis um dos (quase) mistérios do comportamento eleitoral: em momentos de crise, a direita sobe.


(Imagem: Owengreaves)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Sobre as Inevitabilidades

Acho fabuloso assistir-se tanto ao discurso do "não há nada a fazer", do "não há remédio", do "não há alternativa" perante o compromisso assumido com a troika. Será que também foi acordado suspender a democracia durante a vigência dos memorandos?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Partidos à medida é que era, não?


Respeito naturalmente quem opte por abster-se ou, num patamar diferente, opte por votar em branco. Mas não consigo deixar de fazer alguns juízos de valor a este respeito. É que não deixa de ser interessante ver tanta gente a dizer que nenhum partido os convence quando, importa não esquecer, existem nestas eleições alternativas partidárias para todos os gostos. Dos conhecidos partidos com assento parlamentar, ao Partido dos Animais e da Natureza, ao MEP, ao Partido Humanista, ao Partido Pró-vida...

No distrito do Porto, concorrem 17 forças políticas. Repito: 17! Em Lisboa e Braga concorrem 16, em Setúbal concorrem 15 e arriscaria dizer que não existe nenhum distrito do país com menos de 10 forças políticas concorrentes. Bem... Se tanta alternativa continua sem convencer tanta gente, perdoem-me o desabafo (particularmente estranho vindo de quem estuda estas coisas), mas se calhar muita gente só ficaria satisfeita se pudesse ter um partido feito à sua medida...

A direita que quer ser de esquerda

Eis apenas alguns exemplos: José Manuel Coelho, vindo da Nova Democracia de Manuel Monteiro, não se cansa de dizer que é um homem de Abril; o PPM diz ser o único representante da social-democracia; Paulo Portas sente-se à esquerda do PSD e; last but not least, PSD vai encerrar a sua campanha no simbólico Largo do Carmo. As campanhas são de facto um mar de insólitos.
(Imagem: Lipe´s Blog)

Alguém viu por aí as forças ocultas?

Esta notícia do i fez-me recordar que as "campanhas negras" e as "forças ocultas" que tanto atormentaram os mandatos do actual primeiro-ministro têm-se mantido ausentes desta campanha. Nem Freeports, nem Tagusparks, nem licenciaturas, nem casas na Covilhã. Tudo tem andado estranhamente calmo. Que fique claro que não estou a sugerir que estes casos surjam agora para "enriquecer" a campanha. Pelo contrário, não fiquem dúvidas a este respeito. Mas estou sinceramente surpreendido por não terem surgido... Tal ausência poderia sugerir que a campanha está a decorrer com alguma elevação. Mas não... A elevação as usual, mas sem tais forças ocultas. (Imagem: Graphic Hunt)