quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Uma Justiça e um pastel de nata, sff

As duas últimas semanas foram férteis na confirmação da degradação da Justiça Portuguesa junto da opinião pública. E se o adiamento da sentença do caso Casa Pia foi recebido com um “outra coisa seria de estranhar”, as novidades do processo Freeport assumiram contornos bem mais bizarros. Como se a gestão do caso já não representasse uma profunda nódoa, os desenvolvimentos recentes vieram descredibilizar ainda mais o sistema de justiça que nos rege.

Num dia ficámos a saber que José Sócrates não era constituído arguido. Após 6 anos de suspeitas, de fugas de informação e de manchetes de má memória, afinal nada havia a apontar ao primeiro-ministro. Neste mesmo dia, como seria de esperar, foram muitos os que vieram a público aplaudir a decisão e exigir pedidos de desculpas ao primeiro-ministro pelo sucedido, incluindo o próprio e uma série de opinion makers. Como se uma decisão da justiça portuguesa pudesse servir de tira-teimas para o que quer que seja… E, claro, os desenvolvimentos não se fizeram esperar. No dia seguinte, o país ficou a saber que Sócrates e Silva Pereira não foram ouvidos por falta de tempo (?!?). A Justiça Portuguesa conseguiu assim a enorme proeza não só de assumir a sua profunda incompetência (em anos de processo, não houve tempo), como fez questão de deixar no ar as suspeitas do costume. Parece triste demais para ser verdade.

Mas quem achava que as coisas não podiam piorar, enganou-se redondamente. Quando todo o país clamava por uma reacção de Pinto Monteiro, o Procurador-Geral da República veio sacudir a água do capote, sublinhando ter os poderes da Rainha de Inglaterra. Recusou-se a assumir qualquer responsabilidade com o argumento de que lhe faltam poderes para controlar um Ministério Público dominado por um lobby de magistrados mascarado de sindicado. As reacções negativas às suas afirmações não se fizeram esperar. Apenas surpreenderam os aplausos vindos do PS. As afirmações de Pinto Monteiro pareceram-lhes convenientes à primeira vista, mas apoiar-se abertamente numa figura descredibilizada e que já demonstrou inúmeras vezes a sua tendência para a trapalhada revelou-se, em última análise, um erro primário e até infantil.

Seguiu-se então uma semana de manchetes diárias sobre um caso que era suposto começar a ganhar finalmente alguma paz. Entre o anúncio de um inquérito ao porquê dos procuradores não terem ouvido o primeiro-ministro à revelação da autorização que não chegou para que Sócrates fosse ouvido, passando pela intrigante troca de arquitectos que projectaram o Outlet. O fim do segredo de justiça permitiu que a comunicação social pudesse agora alimentar-se diariamente do caso, sendo múltiplas as novas suspeitas levantadas. Numa altura em que o país já se encontra a banhos e em que toda a gente esperava por uma saborosa silly season as usual, o caso Freeport voltou ao rubro. E voltou deixando a céu aberto todas as fragilidades de um processo encharcado de influências, de interesses políticos, de corrupção pura e dura.

No meio de todo este lamaçal, quem se tramou mais uma vez foi a Justiça Portuguesa e, por consequência, todo o edifício democrático. Frases como “se queres justiça, não te metas com a justiça” ganham força junto de qualquer cidadão minimamente informado. E isso é preocupante. Todo o sistema está profundamente desacreditado e necessita de ser remodelado, reconstruído até. Precisamos com urgência de uma Justiça nova. Quanto ao pastel de nata… Ok, confesso que foi o toque silly deste artigo para contrabalançar com todo o resto que é demasiado sério.
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Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental

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