terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Deolindemos um pouco sobre o assunto

Confesso que não tenho dedicado grandes palavras ao mais recente sucesso dos Deolinda – Parva que sou - por considerar, numa primeira fase, que se tratava de algo absolutamente consensual. Ou seja, assumia que a precariedade era um drama tão evidente, afectando tão desastrosamente todo uma geração que procura entrar no mercado de trabalho, que a música dos Deolinda não precisava de grandes comentários. Apenas aplausos de reconhecimento. O grupo que já se ensaiava nas lides da música de intervenção com o seu “Movimento Perpétuo Associativo”, tinha agora a canção certa no momento certo.

E de facto o fenómeno espalhou-se de forma impressionante pelas redes sociais e chegou pouco depois à comunicação social e até ao parlamento. Em poucos dias foi entendido como o grito de uma geração que, sobretudo num momento de crise como o actual, vê ainda mais dificultada a sua entrada no mundo do trabalho com direitos. A obtenção de um situação minimamente estável que lhe permita entrar definitivamente na vida adulta, emancipando-se da casa dos pais, contituindo família, tornou-se uma missão possível cada vez mais tarde. Daí o natural desespero tão bem expresso pelos Deolinda. O desespero da geração mais qualificada que o país alguma vez teve, mas que encontra inúmeros obstáculos para construir o seu futuro.

Mas tão ou mais curioso que a rápida disseminação da mensagem e o natural destaque que mereceu por parte das forças políticas à esquerda que tipicamente denunciam a precariedade, tem sido a arrojada tentativa de apropriação por algumas forças mais à direita. Num lápice começaram a ouvir-se vozes de apoio vindos do referido quadrante, assumindo que tal apenas acontece porque a actual lei laboral é demasiado inflexivel, impossibilitando assim que o mercado absorva com facilidade novos trabalhadores. Neste sentido, defende-se que a precariedade apenas existe nesta geração porque a geração dos seus pais beneficia de uma estabilidade fora do normal.

O segundo tipo de reacção à direita, que se calhar até seria de esperar, é a crítica ao queixume desta nova geração. Uma geração que, segundo alguns, é constituida por meninas e meninos privilegiados que queixam-se muito, mas que sabem pouco o que custa a vida. A música dos Deolinda é assim vista como um drama manifestamente exagerado de uma geração de super-protegidos que sonha muito e trabalha pouco.

Tudo isto sucede num momento de profunda crise económica em que os dados que vão saindo sobre a situação socio-económica do país são deveras preocupantes. O desemprego atinge valores nunca vistos: 11,1%, cerca de 620 mil pessoas. Entre os jovens até aos 25 anos, o desemprego situa-se nos 22,4%, ou seja, cerca de 95 mil cidadãos sem trabalho.

Pode parecer quase sarcástico dizê-lo, mas os momentos de crise são óptimos laboratórios de observação de posicionamentos ideológicos. Na esquerda, a reacção tem sido relativamente normal, apoiando sem hesitações o movimento em curso. À direita, a resposta tem variado entre uma postura liberal, que considera que o desemprego e a precariedade existem porque há demasiados constrangimentos para o mercado funcionar, e um posicionamento conservador que acha que se tratam de lamechices. Uma vez que a música dos Deolinda termina garantindo que a “geração parva” não é parva nenhuma, resta-nos esperar que a mesma tenha o discernimento de perceber se é na esquerda ou na direita que melhor encontrará quem se bate de facto pelos seus direitos. Aqui fica uma pista naturalmente parcial, claro: gosta de tonalidades vermelhas e é canhota…
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Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

8 comentários:

AMCD disse...

A juventude hoje tem dois caminhos: ou geme ou emigra.

A canção dos Deolinda é um gemido. Um gemido de gente que só agora vê as suas garantias de sempre serem questionadas. A crise só agora chegou à classe média alta.

Os jovens das famílias mais carenciadas, esses, já há muito se fizeram à estrada, incluindo os licenciados, que labutam no duro. Não acreditam?

Visitem a Andorra, a Suíça, o Luxemburgo, etc. Procurem-nos e facilmente os encontrarão, entre os empregados dos hotéis, na construção civil, aos balcões das lojas, nas caixas dos supermercados, etc.

Foi lá que os encontrei, quando visitei a Andorra no Verão de 2009, e digo-vos: só faltou encontrar jovens portugueses debaixo das pedras.

Curiosamente nesse ano,depois do Verão, um túnel em construção desabou e adivinhem quem foram as vítimas. Isso mesmo: jovens trabalhadores portugueses.

Por isso não venham agora com gemidos meninos.

E é melhor estudarem para saber, que a universidade não é nenhuma escola de formação profissional. É um lugar onde se deveria aprender a ser um Homem integral (não fosse ela uma universidade). Ou pelo menos devê-lo-ia ser.

mfc disse...

... decididamente à esquerda!

Rogério G.V. Pereira disse...

Mas esta juventude não votou?
Por onde andou?
Será que não se revêem em nenhum partido do chamado expetro partidário?
Serão o quê?
Pretendem, exactamente, o quê?
É luta ou desabafo?
As questões postas não me impedem de qualificar o texto como excelente

João Ricardo Vasconcelos disse...

AMCD: Pois... Portanto o que defende é que os jovens chorem menos e vão mas é fazer pela vida na Suiça, no Luxemburgo, na construção civil ou como empregados de hotel.

Olhando para o que digo no artigo, o seu posicionamento insere-se na forma como a direita conservadora olha para este tipo de fenómeno.

MFC: Bingo!

Rogério Pereira: Como certamente concordará, estranho seria que um movimento espontâneo tivesse posições programáticas tão organizadas. Diria que cada pessoa que nele participa terá certamente as suas posições. Em comum, um enorme desabafo contra o modelo de empregabilidade actual que tanto afecta os jovens adultos. A meu ver, tal está longe de ser pouco.

Fusível Ativo disse...

As gerações falam muito mais do que realmente fazem. Também passa por cada um de nós agir e não ficar à espera, mais uma catrefada de anos, que alguém faça uma música com as nossas lamentações.

http://fusivelativo.blogspot.com/

AMCD disse...

Caro João Vasconcelos.

Na verdade a juventude tem mais do que dois caminhos. Tem três: ou geme, ou grita, ou faz pela vida cá dentro.

Defendo, como refere, que "os jovens chorem menos e vão mas é fazer pela vida" (e é aqui que colocaria o ponto final, pois tal não passa necessariamente pela emigração, que o façam cá dentro).

Fazer pela vida cá dentro pode passar pela rebelião...(e só não digo uma revolução porque não vivemos em ditadura).

Que lutem caramba! Que votem bem e não se fiquem pela cançoneta lamurienta.

Micael Sousa disse...

Concordando com muito do que dizem os Deolinda, porque isto começa a ser a manifestação de uma geração que notou que precisa de intervir civicamente e politicamente. Não posso de criticar uma mensagem que também passou: que só se estuda para ganhar muito dinheiro. Infelizmente os portugueses ainda pensam assim, achar que o valor do estudo e do saber é convertível em capital e se não o for é porque já não interessa. Este princípio parece-me demasiado pobre para a nossa cultura e evolução social.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Caro AMCD

"Fazer pela vida cá dentro pode passar pela rebelião...(e só não digo uma revolução porque não vivemos em ditadura)."

Está convocada uma manifestação da "geração à rasca" para o próximo dia 12 de Março. Não acha que tal é um sinal salutar de protesto? É simplesmente lamuriento?