A moção do Bloco é, sem dúvida, uma surpresa e uma jogada de grande risco. O partido coloca-se a jeito de ser responsabilizado por abrir o caminho à direita, de ser considerado irresponsável e radical, indigno da governação, de incongruência face à convergência recente com o PS e de incoerência dada a critica também muito recente à possibilidade de uma moção de censura do PCP. Os riscos são inúmeros.
A meu ver, destacaria até como principal risco a possibilidade do Bloco alienar, com esta guinada à esquerda, uma fatia importante do eleitorado que tem vindo a ganhar ao centro. Um eleitorado tendencialmente jovem, urbano, instruído e tipicamente de centro esquerda, que gosta de causas fracturantes, mas não fala a linguagem da “luta contra o neopliberalismo, em defesa da classe trabalhadora”. Um eleitorado que vota no Bloco porque o PS está demasiado ao centro. Um eleitorado que, com um PS de rastos como se adivinha que esteja quando este Governo cair, com certeza votaria Bloco.
No entanto, como tem vindo a demonstrar-se com o baixar da poeira, a estratégia do Bloco não é tão lunática quanto à partida podia parecer. Aliás, não deixa de ser indicativo o nervosismo criado por uma moção que, afinal de contas, está condenada à partida. Para além de colocar o PSD numa situação bem complicada de gerir, exige clarificação ao PS. E, sobretudo, coloca o Bloco no centro da contestação às políticas governamentais pelo menos durante os próximos meses. No próximo mês, muito pode acontecer que faça com que a legitimidade da moção ganhe força. Por outro lado, nos meses seguintes, o Bloco ficará sempre como o partido que foi o primeiro a formalmente querer colocar fim a esta legislatura que todos reconhecem estar condenada.
Importa ainda acrescentar que, durante estes próximos tempos, o Bloco colocou-se em condições de ser a força política que mais poderá capitalizar o descontentamento social. O descontentamento que virá de forças à esquerda, como os sindicatos, que têm já intensa actividade para os próximos tempos. Mas também o descontentamento social que não está alinhado politicamente, mas que está a sentir o desemprego, a redução dos salários, os cortes nas prestações sociais e que tem grande vontade de punir os responsáveis por tal calamidade.
Em suma, e fazendo justiça ao título, a moção de censura é uma estratégia arriscada do Bloco. Poderá ser um tremendo tiro no pé, mas também poderá significar um importante salto. É precisamente esta incerteza que caracteriza o risco. Veremos o que nos reservam as próximas semanas.
(Imagem: Caroolzitcha)
2 comentários:
Não penso que a coerência possa ser oportuna ou inoportuna.
Derrotar coerentemente um governo de direita e abrir portas a um governo ainda mais à direita, não é intuito que possa ser assacado ao Bloco, mas a quem está saturado de um governo de direita e entende que a solução é mais direita ainda!
Um abraço.
Creio que o anúncio da moção, antes de mais, gerou uma enorme desconfiança nos eleitores. É que a partir desse anúncio, todos falam e ninguém faz nada, ou pouco faz. E aí, mais ou menos clarividente, o BE deu 1 passo claro, objectivo, e tem toda a legitimidade para o fazer.
O resto parece, nesta fase, a política no seu pior, oportunista, para assaltar o poder!
Quase apetece dizer, pouca política se faz centrada em valores. A que se faz depende das ocasiões.
Abraço, António Bento
Enviar um comentário