Falar mal do país sempre foi um desporto nacional. Não sendo um exclusivo Português, Sérgio Godinho relembra-nos aliás que «Só neste país é que se diz “só neste país”», o que é bastante sintomático da forma como os portugueses sentem Portugal. No entanto, dramatismos à parte, existem de facto momentos onde o amor ao país tem particulares razões para dar lugar a uma espécie de vergonha vexada sobre o estado a que chegámos. E, por mais paradoxal que possa ser, nem tudo é explicável pela crise, pela dívida e pelo resgate/sequestro a que o país está sujeito.
Portugal tem sido brindado com um conjunto de episódios dignos de um qualquer regime corrupto nas profundezas de África ou da América Latina (com todo o respeito por tais continentes e seus povos, como é óbvio). Para se perceber bem a gravidade do que falamos, nada como o seguinte exercício: explicar a um estrangeiro o que por cá se vai passando. Peguemos então no caso da licenciatura de Miguel Relvas. O braço direito do primeiro-ministro, o homem forte da atividade política do governo conseguiu obter uma licenciatura num ano, beneficiando de equivalências a 32 das 36 cadeiras numa das maiores e até agora mais prestigidas universidade privadas do país. Comentários para quê? Se acrescentarem ao vosso interlocutor estrangeiro que a licenciatura do anterior primeiro-ministro do país, embora com uma dimensão infinitamente menor, também levantou suspeitas, verificarão pelo seu ar abismado a gravidade do que estamos a falar.
Mas vamos a um outro episódio. Descrevam a um estrangeiro o caso secretas-Ongoing. Ou seja, um grupo empresarial com ambições em ramos como a energia, telecomunicações e média, e que foi integrando diversas figuras públicas, começa a recrutar para a sua estrutura quadros dos serviços secretos portugueses. E como Portugal é um país de brandos costumes, tais quadros não se inibem de continuar a usar informações do seu anterior trabalho, como conseguem mesmo que ex-colegas lhes dêem uma pequena ajuda aos negócios usando para o efeito os meios dos serviços secretos. No fundo, ficou o país a saber que algo tão sensível como os seus serviços de informações podem assim ser facilmente mobilizáveis por interesses privados. Coisa pouca, portanto.
Como terceiro exemplo, tentem explicar a um interlocutor estrangeiro o processo BPN: um banco liderado por um conjunto de personalidades ligadas a um dos principais partidos portugueses apresenta um buraco financeiro vertiginoso, fruto de falcatruas indiscritíveis. Tudo acabou por ser coberto pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes portugueses. Contem também que um dos principais responsáveis por tal Banco era até há pouco conselheiro de Estado e um homem do círculo restrito do atual Presidente da República. Acrescentem que o Presidente português está ligado ao presente caso não só por um leque alargado de amizades, como pelo facto de em tempos ter conseguido mais-valias bolsistas formidáveis com o referido banco. Possui também uma casa de férias numa herdade lado a lado com alguns dos principais suspeitos fruto de um negócio com a sociedade detentora do banco em questão.
E podíamos aqui continuar com os clássicos casos das Fátimas Felgueiras e dos Isaltinos deste país, assim como dos também batidos submarinos e Freeport. Portugal desenvolveu-se de forma tremenda nas últimas décadas, não haja dúvidas a este respeito. Mas os casos acima relembram-nos que o estatuto de país desenvolvido não passa de um rótulo. Continuam a passar-se coisas neste canto da Europa dignas de uma autêntica república das bananas, devidamente repleta de caciques, bimbos e chicos espertos. É o país que temos, não é com certeza o país que queremos.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Krónicas)
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