segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Crise da Esquerda Europeia



É difícil ou quase impossível ler um livro sem ter em conta quem o escreveu. E quando o mesmo versa sobre temas políticos, diria mesmo que a leitura se torna num desperdício de tempo se não se tiver em conta quem é o autor e qual o seu posicionamento político. Não que o argumentário não possa valer por si só, mas o facto de conhecermos quem escreve acaba por nos permitir perceber o pensamento do autor muito para além das palavras agora usadas. “A Crise da Esquerda Europeia”, de Alfredo Barroso, deve ser lido tendo em conta que o seu autor foi membro fundador do Partido Socialista e chefe da Casa Civil da Presidência da República nos dois mandatos de Mário Soares. Ou seja, possui um percurso feito lado a lado com o socialismo democrático em Portugal e é indissociável do mesmo.

No seu prefácio, Manuel Alegre qualifica o ensaio de Alfredo Barroso como “um livro de combate”. E de facto não é fácil encontrar uma expressão que qualifique sinteticamente melhor as cerca de 100 páginas publicadas pela D. Quixote, cruzando com a frontalidade que se exige um conjunto de temáticas que atormentam nos dias que correm qualquer espírito de esquerda. Alfredo Barroso começa desde logo por apontar o maior dos paradoxos políticos atuais: perante uma crise tão profunda, como é possível que a esquerda como um todo, e a social-democracia em particular, não consigam colocar verdadeiramente em causa e assumir-se como real alternativa à hegemonia neoliberal que originou a referida crise. E é enquadrado por esta problemática global que o autor avança para temas como a crise da social-democracia e as dinâmicas dos últimos anos em busca de alternativas ao pensamento hegemónico neoliberal, o crescente fosso entre ricos e pobres e as dinâmicas económicas e sobretudo financeiras que sustentam tal realidade a nível internacional. 

Não podemos dizer que Alfredo Barroso aprofunda teórica e empiricamente cada um destes temas, dissecando-os de forma exaustiva com vista a elaborar mais um novo tratado do pensamento à esquerda. Não é com certeza isso que o leitor encontrará neste ensaio, mas sim uma linha de análise e de argumentação que reflete sem complexos uma visão de esquerda sobre os tempos que correm. Neste sentido, acaba por ser mobilizador ver um homem intrinsecamente ligado ao centro-esquerda em Portugal afirmar que terminou o tempo das contemporizações, dos relativismos e da busca das terceiras vias. Chegou sim o momento de, com base nos sólidos valores que deram corpo ao socialismo democrático do pós-guerra, encontrar respostas urgentes aos múltiplos desafios que hoje se colocam.

E é na análise da realidade portuguesa que o trabalho ensaístico de Alfredo Barroso ganha particular relevo. Quer desmontando com pouca misericórdia o cavaquismo e a herança que continua a deixar ao país, quer denunciando as incoerências, os malefícios e os efeitos desastrosos da aplicação do receituário ultraliberal do presente Governo. Em linha com a frontalidade que assume ao longo de todo o texto, o autor também não se imiscui de apontar as responsabilidades do panorama político à esquerda. Destaque natural para a perigosa evolução seguida pelo seu partido nos últimos anos, rumo ao “centro do centro”, e à constelação de boys que povoam o aparelho socialista, impedindo real renovação e uma maior democracia no seio da organização partidária. 

Apesar de contar com um reportório de citações que vão de Gramshi a Tony Judt, de Michels a Duverger, “A Crise da Esquerda Europeia” não é um livro científico. Nem foi com certeza esse o espírito de Alfredo Barroso ao redigi-lo. Surge sim como um diagnóstico frontal da realidade por parte de um histórico militante do socialismo democrático, de alguém com convicções claras e que se recusa a baixar os braços perante a calamidade em curso. O livro assume-se deste modo como um importante contributo para ajudar-nos a pensar os tempos atuais e consequentemente traçarmos o que queremos para os tempos futuros. Será em torno desse futuro de caminhos incertos, mas com soluções e alternativas claras, que se estruturará uma continuação desta obra agora publicada? Fica feito o desafio ao inquieto Alfredo Barroso.

Recensão publicada na edição deste mês do Le Monde Diplomarique

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