terça-feira, 11 de junho de 2013

Fibra Democrática


Multiplicam-se os episódios que nos convidam a pensar que a democracia foi suspensa. Vemos isso nas ruas, com pessoas a serem detidas por se manifestarem com um papel, como aconteceu na semana passada em Leiria. Constatamos também tal facto quando temos um Governo que, sem qualquer base de apoio e em claro incumprimento do que prometeu eleitoralmente, viciou-se em inconstitucionalidades. Salta-nos também à vista o facto de estarmos a ser governados por representantes da troika, que se estão nas tintas para os reais impactos do que exigem, tão focados que estão nas suas folhas de cálculo. E, last but not least, temos um Presidente da República que não existe, que se auto-exclui de qualquer papel na situação atual. Contenta-se a fazer dois tipos de comentários: ou redondos, ou disparatados. Ou seja, olhamos para todo o lado e não vemos soluções à vista. Pelo contrário, a degradação parece continuar a avançar a passos largos

Momentos como os atuais são naturalmente desafiantes para as instituições democráticas. Greves, manifestações, repressões policiais, atentados contra a liberdade de imprensa, membros do governo vaiados, classe política desacreditada, entre muitos outros episódios que colocam à prova a maturidade do nosso sistema democrático. São momentos que testam ao limite a robustez democrática das instituições e a sua capacidade de funcionarem apesar da elevada pressão a que estão sujeitas.

Mas, acima de tudo, são momentos em que se pode verificar com particular clareza a fibra democrática dos atores que se movem no nosso sistema político. É nestas fases que podemos perceber quem assume de facto todo edifício democrático em que assenta o nosso regime. E a este respeito tem sido tristemente interessante verificar os inúmeros sectores que consideram que as circunstâncias extraordinárias determinam que possamos abdicar de uma série de pilares do nosso sistema político-económico-social. É preciso cortar salários na função pública? Corte-se, mesmo sendo quase certo que será considerado inconstitucional. Temos de abdicar da nossa soberania na formulação de políticas internas nos mais diversos setores? Seja. Temos de ser sujeitos a humilhantes avaliações regulares, ouvindo de jovens engravatados europeus que temos de ir mais a fundo na austeridade e que os prazos são mesmo para cumprir? Se tem de ser, tem de ser…

A aceitação passiva desta espécie de suspensão da democracia acaba por revelar duas dimensões. Por um lado, e se calhar menos grave, são muitos os que não se sentem minimamente vinculados aos princípios e espírito da Constituição. A direita política aproveita deste modo o momento para poder contornar a lei fundamental, justificando-se simultaneamente com a sua inadequação e com caracter extraordinário do momento. Por outro lado, e isto sim mais grave, o momento atual está a revelar a escassa maturidade democrática de uma série de setores da população e dos seus representantes. Não assumindo uma série de direitos como fundamentais e inalienáveis (e.g. direito à manifestação, direito à informação, etc), demonstram bem que não assumem a democracia como algo indiscutível.

Nos bons momentos, todos conseguimos ser democratas. Mas é nos maus momentos que se consegue perceber bem a fibra democrática de cada um. Há muito sabemos que a democracia não pode ser entendida como algo irreversível, necessitando sempre de ser trabalhada e  melhorada. Infelizmente, a situação atual veio demonstrar que o nível de consolidação da democracia entre nós ainda está muito aquém do que seria espetável.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

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