Passos Coelho brindou-nos no Domingo com mais um discurso do tipo “ou eu, ou o caos”. Pedro explicou na Universidade de Verão da JSD que a decisão do Tribunal Constitucional contra o sistema de requalificação dos funcionários públicos roçou a irresponsabilidade. Sem os 900 milhões de euros que o Governo previa daí arrecadar, onde irá agora o país buscar tal verba? Uma coisa parece certa para o primeiro-ministro: a medida justa, iluminada e bem-intencionada do Governo foi travada pelos chatos juízes do constitucional. O bando de malandros da função pública conseguiu mais uma vez levar a melhor e tal sairá certamente caro ao país. Quase ouvimos o Pedro suspirar: “Caramba, logo agora que tudo parecia estar a ir ao sítio, e vem-nos o Tribunal constitucional estragar a festa.” E o pior é que, com este chumbo, o Pedro não terá alternativa a não ser ir buscar a outro lado que será ainda mais doloroso para os contribuintes. Ele não queria, mas o Constitucional não lhe deixa alternativa.
Bem… Comecemos pelo fim. Tem sido interessante ver a mudança de discurso operada pelo Governo nestas últimas semanas. Pedro e Paulo assumem (agora) que o país bateu no fundo, mas que a recuperação está já a acontecer. Se calhar não reparámos mas a economia está já a recuperar. O único problema desta mensagem é que ela não condiz com o que vem a seguir. Por um lado, continuamos a ouvir que é preciso intensificar a austeridade. Ou seja, continuar o caminho que nos levou a bater no fundo… Por outro lado, ouvimos também que caso não intensifiquemos a austeridade, haverá com certeza um segundo resgate. E aí ficamos mesmo sem perceber. Segundo resgate? Mas há pouco não nos tinham dito que a economia estava já a recuperar?
Sendo uma jogada bem conhecida em política, Pedro e Paulo bem podiam esforçar-se por variar um pouco nesta estratégia de bluff seguida de vingançazinha. Ou seja, primeiro tentam sempre convencer-nos que não existe alternativa à medida proposta. Ela é dura, mas tem de ser. Foi assim com a Taxa Social Única, foi assim com os cortes dos dois subsídios da Função Pública e muitos outros exemplos poderiam aqui ser citados
Depois, quando bloqueada pelo Constitucional ou oposição, ficamos a perceber que a medida não só era dura, mas era também justa. Visava portanto repor uma qualquer disfuncionalidade do nosso sistema. Entrámos então na fase moralista. Veja-se o exemplo dos despedimentos na função pública. No início o Governo nem queria aplicá-los, mas depois lá vem dizer-nos que a sua aplicação é uma questão de justiça, de igualdade e até de moral. Tenta portanto convencer-nos que se está a perder uma boa oportunidade para colocar ordem na casa, moralizando a distribuição dos sacrifícios por todos.
Por fim, depois da fase do bluff e da fase moralista, surge a fase da vingançazinha. Isto é, o Governo não queria ir além do que propôs fazer. Mas não lhe deixam alternativa a não ser avançar com medidas ainda mais duras, ainda mais inimagináveis há pouco tempo atrás. O que se seguirá a este chumbo aos despedimentos na Função Pública? Mais encerramentos de serviços públicos? Acabar com a ADSE, RTP e outras bestas negras da direita portuguesa?
Passos Coelho faz bem em recordar que os tribunais não governam. Não é esse de facto o seu papel e a separação de poderes é boa e nós gostamos. E os tribunais também fazem bem em lembrar-lhe que nenhum Governo pode suspender a lei fundamental. A Constituição e, consequentemente, o Tribunal Constitucional, são daquelas coisas que, vá-se lá saber porquê, têm de ser respeitadas. Pedro e Paulo, temos pena, é uma chatice, é uma seca, mas a democracia tem destas coisitas.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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