O Governo anunciou esta semana um pacote generoso de medidas de apoio à natalidade. Assumindo a necessidade de apoio às famílias portuguesas nestes domínios como uma das suas prioridades, foi apresentado um leque diversificado de medidas. Desde incentivos no IRS, até vantagens e alargamento das licenças parentais, passando por incentivos às empresas que contratem mulheres grávidas e reduções no pagamento de água e luz. Uma mão cheia de medidas procurando tirar Portugal da cauda da Europa no que à taxa de natalidade diz respeito. Uma espécie de apelo à multiplicação dos Portugueses.
Como é evidente, se calhar hoje mais do que nunca, não basta querer ter um filho e avançar com tal vontade. Pelo contrário, com a diminuição das redes de suporte familiar, com a rede pública de ensino ou de saúde a cumprir cada vez menos o seu papel, entre diversos outros fatores, ter um filho assume-se como um ato de coragem cada vez maior. Precisamente porque a componente financeira assume uma centralidade crescente nesta decisão. Neste sentido, as políticas de incentivo à natalidade que consigam amortecer o impacto financeiro são naturalmente importantes.
Não haja portanto grandes dúvidas que, se excluirmos dimensões pessoais que não cumpre aqui profundar, a componente de estabilidade financeira é o primeiro dos fatores de decisão para se avançar com o projeto de ter um filho. Por assim o ser, não deixa de ser curioso e paradigmático que o Governo que mais conseguiu degradar a situação financeira dos Portugueses assuma agora como bandeira o impulso à natalidade. No fundo, o Governo que teve o “viver acima das possibilidades” e o “apertar o cinto” como um dos seus principais slogans. O Governo durante o qual a taxa de desemprego bateu recordes e que não se cansou promover medidas de precarização do mercado de trabalho, tudo em nome da flexibilização que necessitávamos para captar investimento externo. O Governo que avançou com cortes salariais nunca vistos e que elevou os impostos como não havia memória, diminuindo drasticamente o rendimento disponível dos Portugueses. O Governo que mais eliminou direitos e regalias dos trabalhadores, porque era importante por termo ao regabofe.
O Governo que mais desinvestiu na educação, na saúde e na segurança social públicas, em nome de objetivos de racionalização duvidosos. O Governo que chegou a aplaudir a imigração de uma nova geração qualificada, considerando que era importante a juventude sair da sua “zona de conforto”. E muitas outras bandeiras poderiam aqui ser recordadas. Algumas mais simbólicas, outras mais estruturais, mas cujos impactos os Portugueses conhecem bem no país e sobretudo no seu bolso. Toda uma conjuntura criada que, entre as suas diversas consequências, conseguiu aprofundar a quebra na natalidade, precisamente porque degradou de forma quase criminosa a situação financeira das famílias Portuguesas.
Perante este cenário bastante mais estrutural em que o país está mergulhado, o conjunto de medidas anunciadas surgem como meros salpicos de água perante um incêndio de grandes dimensões. Como se alguém decidisse ter um filho fazendo contas aos benefícios fiscais ou aos passes familiares para os transportes que agora consegue ter acesso. Como se qualquer uma destas tipo de medidas conseguisse mitigar de forma minimamente estruturante a triste realidade económica a que chegámos.
Dito de forma simples, o Governo que mais buracos criou na estrada da natalidade, prontifica-se agora a oferecer amortecedores e capacetes a quem queira percorrer a referida estrada. É bonito, sem dúvida.
Artigo publicado no Esquerda.net e no Açoriano Oriental
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