1 - O Governo tornou-se simpático. Depois de anos a fio com o discurso da austeridade, do viver acima das possibilidades, o Governo pretende agora mostrar a sua face humana. Suaviza algumas dimensões da austeridade que ele próprio iniciou, baseando-se numa suposta retoma que ainda ninguém viu, ouviu ou sentiu. Mas que diz ser uma realidade clara e que devemos acreditar nela. Realinha assim o discurso no sentido do crescimento económico e começa até a colocar as pessoas no centro do seu discurso. É maravilhoso. Subitamente percebemos que os maus tratos a que somos sujeitos são apenas para o nosso bem, uma espécie de correctivo duro mas necessário, sendo por isso tempo de virar a página. E, sobretudo, insiste-se na tecla para que não deitemos tudo a perder, para que não estraguemos esta suposta retoma que tanto se insiste estar a acontecer.
2 – Há que garantir o futuro dos boys. Se o início de um ciclo é o momento privilegiado dos jobs for the boys, o fim de um ciclo é também intenso a este respeito. Quem até agora dependia de cargos de nomeação política, seja de primeira linha ou nos gabinetes ministeriais, e que não possui uma solução de backup, encontra-se agora intensamente à espreita de um poiso seguro. Seja um lugar numa Direcção Geral, numa empresa pública ou numa fundação, estes últimos meses são o último cartucho para garantir o futuro. As entidades públicas começam assim a ser subitamente tomadas por súbitas reformulações e supostas mudanças estratégicas. Novas caras começam a aparecer, sem que ninguém tenha percebido de facto porquê. Boys ao ataque, portanto.
3 - O principal partido da oposição radicaliza-se. Apesar ter sido um dos signatários do memorando com a troika, há que gritar mais alto do que nunca que as medidas aplicadas não tinham nada a ver com o que foi acordado. Aliás, é tempo de dizer de forma mais afincada do que nunca que se é contra a austeridade, contra as políticas atuais, contra os seus protagonistas. E que um novo ciclo se aproxima, embandeirando expressões como “mudança”, “esperança” e outras semelhantes. Importa não ser claro quanto à revogação das medidas atuais e importa também não se comprometer muito. Mais do que ser, este é o momento de se parecer mais radical do que nunca.
4 – Os tachos futuros estão já a ser discutidos. E isso agita as águas no principal partido da oposição. Quem é amigo de quem, quem fica em que lugar na lista do distrito, quem faz esta ou aquela parte do programa eleitoral são aspectos que neste momento levam a tremendas cargas de ombro entre os correligionários do novo ciclo. É a estrutura e composição do novo Governo que está em causa. Assim sendo, o espaço, o palco, o protagonismo que hoje se conseguir interna ou externamente ao partido determinará o papel a assumir na próxima legislatura. Por isso, este é o momento para se colocar em bicos de pés nos mais diversos domínios, ao mesmo tempo que se elogia publicamente o grande líder do partido. Bajular hoje para colher amanhã.
5 – São todos iguais e a alternativa não existe. Seja pelos casos que vão surgindo e vão enchendo as notícias diariamente, seja pelas amnesias que tipicamente atacam os grandes partidos nestas fases, reforça-se em toda a linha a ideia que todos têm telhados de vidro. Todos têm as mãos sujas, todos têm os seus podres, competindo ao eleitor apenas escolher entre os menos maus. Convida-se assim à alternância, sem que a alternativa possa ser minimamente considerada. Porque experimentar novas soluções, isso sim seria perigoso. Nem pensar neste tipo de soluções.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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