terça-feira, 26 de maio de 2015

Os Viradores do Disco e os Tocadores do Mesmo

Com o aproximar das legislativas, sente-se que a luta política está ao rubro. A agenda mediática é tomada de assalto pelos protagonistas políticos. Ora diagnosticam o estado presente do país e justificam porque é que farão melhor no futuro, ora tentam desmontar o argumentário dos seus adversários procurando mostrar que as suas soluções são melhores. Mas mais do que esta saudável competição de ideias e propostas, grande parte do combate político por estes dias faz-se com os pequenos casos, com as pequenas gaffes, com a oposição fácil às declarações do seu adversário no dia anterior. No fundo, apanha-se o assunto do momento como âncora (e.g. seja ele o bullying nas escolas, a violência contra o adepto do Benfica ou a biografia do primeiro-ministro) e prestam-se rapidamente declarações públicas que garantirão que a força política terá o seu espaço no jornal da noite. E é mais ou menos nesta roda-viva que a pré-campanha para as legislativas se processará até Outubro.

Simultaneamente a esta dinâmica, o cidadão é presenteado com a chuva de comentário político nos canais generalistas e nos canais de informação. Comentários estes protagonizados sobretudo por atores políticos interessados e comprometidos com as forças políticas em competição. Seja a rúbrica do Marcelo, do Marques Mendes ou do António Vitorino, a maioria do comentário que esmiuça a actualidade é parte interessada na luta política. Contribui pouco, ou poderia contribuir muito mais, para uma democracia de qualidade.

Sendo os atores políticos partes interessadas e estando os comentadores comprometidos, compete à comunicação social, às redacções e aos jornalistas individualmente, garantir que a agenda mediática não seja totalmente sequestrada por temas que se perdem na espuma dos dias. E neste aspecto, mesmo os órgãos de referência na informação a nível nacional raramente têm conseguido ser imparciais na formulação da agenda mediática. Aliás, frequentemente deixam-se levar em vagas de fundo, amaldiçoando quem ainda ontem era bestial e beatificando quem ainda ontem era uma besta. No fundo, coroam os novos vencedores e banem os perdedores, sendo sempre pouco claros neste processo.

Trocado por miúdos, a comunicação social que temos consegue ser um bom “virador de discos”, mas importa que controle também melhor quem teima em “tocar o mesmo”. Assumindo o seu papel de quarto poder e até de watch dog nos sistemas democráticos, a comunicação social terá de ter a capacidade de destronar quem lá está, mas também de assegurar que quem aí vem não faz o mesmo suportado num discurso ligeiramente diferente. Deverá ainda possibilitar que a sociedade civil tenha memória, não esquecendo o que apenas há seis meses ou há seis anos atrás sucedeu. Deverá ser a primeira promotora de massa crítica sobre o que se passa, a primeira garante que o contraditório existe e a primeira defensora de que abordagens alternativas são sempre possíveis.

Como é evidente, todos sabemos os atuais constrangimentos sofridos nas redacções de todos os órgãos de comunicação. Os orçamentos cada vez mais curtos, a concentração da propriedade dos media, a pressão da digitalização e da gratuitidade são apenas algumas das dimensões que colocam em causa o trabalho jornalístico com maior profundidade. Não haja portanto a menor dúvida que a profissão de jornalista atravessa, nos dias que correm, tempos particularmente difíceis.


Mas, por isso mesmo, para além de sermos solidários com as inúmeras reivindicações e alertas que têm vindo a público sobre os requisitos de um jornalismo de qualidade, importa não deixarmos de ser exigentes com o trabalho jornalístico que nos é apresentado. Importa demonstrar inconformismo com o mero papel de “viradores do disco” atribuído à comunicação social. Precisamente demonstrando todos os dias que contamos com ela como principal garante para que não se “toque sempre o mesmo”.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

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