Com o aproximar das legislativas, sente-se que a luta política está ao
rubro. A agenda mediática é tomada de assalto pelos protagonistas políticos.
Ora diagnosticam o estado presente do país e justificam porque é que farão
melhor no futuro, ora tentam desmontar o argumentário dos seus adversários
procurando mostrar que as suas soluções são melhores. Mas mais do que esta
saudável competição de ideias e propostas, grande parte do combate político por
estes dias faz-se com os pequenos casos, com as pequenas gaffes, com a oposição
fácil às declarações do seu adversário no dia anterior. No fundo, apanha-se o
assunto do momento como âncora (e.g. seja ele o bullying nas escolas, a
violência contra o adepto do Benfica ou a biografia do primeiro-ministro) e
prestam-se rapidamente declarações públicas que garantirão que a força política
terá o seu espaço no jornal da noite. E é mais ou menos nesta roda-viva que a
pré-campanha para as legislativas se processará até Outubro.
Simultaneamente a esta dinâmica, o cidadão é presenteado com a chuva
de comentário político nos canais generalistas e nos canais de informação.
Comentários estes protagonizados sobretudo por atores políticos interessados e
comprometidos com as forças políticas em competição. Seja a rúbrica do Marcelo,
do Marques Mendes ou do António Vitorino, a maioria do comentário que esmiuça a
actualidade é parte interessada na luta política. Contribui pouco, ou poderia
contribuir muito mais, para uma democracia de qualidade.
Sendo os atores políticos partes interessadas e estando os
comentadores comprometidos, compete à comunicação social, às redacções e aos
jornalistas individualmente, garantir que a agenda mediática não seja
totalmente sequestrada por temas que se perdem na espuma dos dias. E neste
aspecto, mesmo os órgãos de referência na informação a nível nacional raramente
têm conseguido ser imparciais na formulação da agenda mediática. Aliás, frequentemente
deixam-se levar em vagas de fundo, amaldiçoando quem ainda ontem era bestial e
beatificando quem ainda ontem era uma besta. No fundo, coroam os novos
vencedores e banem os perdedores, sendo sempre pouco claros neste processo.
Trocado por miúdos, a comunicação social que temos consegue ser um bom
“virador de discos”, mas importa que controle também melhor quem teima em “tocar
o mesmo”. Assumindo o seu papel de quarto poder e até de watch dog nos sistemas democráticos, a comunicação social terá de
ter a capacidade de destronar quem lá está, mas também de assegurar que quem aí
vem não faz o mesmo suportado num discurso ligeiramente diferente. Deverá ainda
possibilitar que a sociedade civil tenha memória, não esquecendo o que apenas
há seis meses ou há seis anos atrás sucedeu. Deverá ser a primeira promotora de
massa crítica sobre o que se passa, a primeira garante que o contraditório
existe e a primeira defensora de que abordagens alternativas são sempre
possíveis.
Como é evidente, todos sabemos os atuais constrangimentos sofridos nas
redacções de todos os órgãos de comunicação. Os orçamentos cada vez mais
curtos, a concentração da propriedade dos media, a pressão da digitalização e
da gratuitidade são apenas algumas das dimensões que colocam em causa o
trabalho jornalístico com maior profundidade. Não haja portanto a menor dúvida
que a profissão de jornalista atravessa, nos dias que correm, tempos
particularmente difíceis.
Mas, por isso mesmo, para além de sermos solidários com as inúmeras
reivindicações e alertas que têm vindo a público sobre os requisitos de um
jornalismo de qualidade, importa não deixarmos de ser exigentes com o trabalho
jornalístico que nos é apresentado. Importa demonstrar inconformismo com o mero
papel de “viradores do disco” atribuído à comunicação social. Precisamente
demonstrando todos os dias que contamos com ela como principal garante para que
não se “toque sempre o mesmo”.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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