terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Mercadocracia

Em poucos dias, os primeiros-ministros grego e italiano saíram de cena. George Papandreou e o Silvio Berlusconi deram lugar a Lucas Papademos e a Mario Monti. Os seus governos cairam perante a ameaça de aprofundamento da crise nos seus países. E tal não aconteceu por expressão do voto popular. Não aconteceu também porque uma qualquer instituição política do seu país, como a Presidência da República, tenha condenado as suas políticas e os tenha considerado incapazes de continuar a governar os seus países. Papandreou e Belusconi caíram porque as taxas de juro da dívida dos seus países assim o determinaram. Cairam porque os mercados andavam nervosos e depressa foi-lhes indicada a porta da saída. Ainda tentaram resistir, mas o seu esforço adivinhava-se desde logo inglório.

Como é evidente, salientar tal facto está longe de ser um lamento pela queda destes dois políticos em concreto. Trata-se sim de sublinhar o ponto a que chegamos na actualidade: os mercados já conseguem fazer cair sem grande dificuldade governos democraticamente eleitos. Já conseguem derrubar maiorias parlamentares. No caso de Berlusconi, torna-se até particularmente curioso constatar que o político e empresário que sobreviveu a mil e um processos nos tribunais, a um sem número de lamentáveis escândalos e polémicas, acabou por ser derrotado por algo tão irracional e aleatório como os juros da dívida do seu país.

Mas tão ou mais grave do que este facto em si, é a passividade com que estas graves dinâmicas em curso são aceites pelos mais diversos actores. Veja-se o caso dos restantes Estados-membros europeus. Não só deram o seu consentimento mais ou menos explícito, como não esconderam o seu desejo de que a mudança de cadeiras se operasse rapidamente. Estas dinâmicas beneficiaram também de uma cobertura quase acrítica da comunicação social. Perante uma preocupante subtituição do voto pelos juros da dívida enquanto mecanismo de legitimidade política, grande parte da imprensa mais não fez do que selar a inevitabilidade de um processo em curso. Por último, a passividade com que as opiniões públicas em geral olham para todo este processo também não deixa de ser preocupante. Chegou-se a um ponto de tamanha apreensão e desorientação que a legitimidade eleitoral passou a ser um detalhe.

Como cereja em cima do bolo de todo este cenário algo dantesco, é sabido e reconhecido que as substituíções em curso não originarão mudanças políticas de fundo ao rumo seguido até aqui. A austeridade continuará a ser a palavra de ordem, em linha aliás com todos os que defendem que não existem alternativas a este tipo de caminho. A presente crise tem demonstrado que, mais do que favorecer genericamente a direita ou a esquerda políticas, impulsiona sim a alternância no poder. Não será por acaso que um pouco por toda a Europa os partidos no governo começaram a acumular derrotas eleitorais, abrindo caminho aos maiores partidos da oposição. A mudança de governo acaba então por ser pouco mais do que uma mudança de caras, já que as políticas são para manter ou aprofundar.

A supremacia da economia sobre a política, ou do capital sobre o povo, não é um tema novo. Pelo contrário, povoou grande parte das ideologias políticas dos séculos XIX e XX. Eis como, em pleno século XXI, temos um exemplo claríssimo deste tipo de fenómeno. Ninguém esperava que estas dinâmicas desaparecessem nos dias que correm. Quando muito, seria sim expectável que se mantivessem de forma mais dissimulada, menos evidente. Mas não, parece que afinal a tradição ainda é o que era.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

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