quinta-feira, 22 de março de 2012

A festa das Privatizações


Privatizar tornou-se um verbo bastante vulgar na agenda dos Governos Portugueses das últimas décadas. Todos, independentemente da sua cor política, avançaram com o seu leque de privatizações. Poder-se-á dizer que tal apenas revela que existiam demasiados sectores económicos nas mãos do Estado. Poder-se-á também contra-argumentar que tal sempre foi uma forma simples de arrecadar uns trocos no final do ano para contrabalançar défices crescentes. È uma discussão interessante, mas não é de facto na mesma que nos centraremos neste texto. Concentrar-nos-emos sim nas polémicas que normalmente envolvem estes processos.

As privatizações surgem sempre legitimadas por um discurso de redução de encargos para o Estado. Argumenta-se então que a gestão privada é mais eficiente que a pública, surgindo assim a privatização como solução para libertar os contribuintes de um honorário superfluo, ao mesmo tempo que dinamiza a economia com mais um actor livre das garras do Estado. O problema é que, como o caso português demonstra, acaba por não ser bem assim que as coisas acontecem. Por um lado, dificilmente se diminuem encargos para os contribuintes quando se privatizam empresas que dão lucro. Por outro lado, naquelas em que tal não acontece, a manutenção de contratos com o Estado para a prestação de serviço público acaba por ser tão ou mais honorosa do que o que acontecia anteriormente. Acrescente-se ainda o caso da privatização de empresas monopolistas, em que se acaba assim por colocar em mãos privadas uma mais valia anteriomente do domínio público.

O presente caso da EDP veio mais uma vez confirmar os efeitos perniciosos de inúmeros processos de privatização. Considerou-se de menor importância o valor estratégico que a referida empresa possui para o Estado Português. E pouco importou que grandes países europeus continuem a ter as suas empresas públicas de electricidade. Nós, Portugueses, não precisamos cá dessas coisas. Tudo acabou portanto com a entrega da EDP a uma empresa detida em 100% pelo Estado Chinês. Comentários para quê... Importa igualmente não esquecer que se privatizou uma empresa supostamente com óptima saúde. Ou seja, o argumento dos encargos para os contribuintes não se aplica. Privatizou-se também uma empresa praticamente monopolista. Não existem portanto efeitos positivos a curto prazo na dinamização do mercado da electricidade em Portugal. Pelo contráro, o que antes era um monopólio público, passou a ser agora um monopólio privado.

E quando se tentou reduzir o valor dos fantásticos contratos que ligam a empresa ao Estado, tudo acabou com a saída do Governo do Secretário de Estado da Energia. Nem pensar em fazer tal coisa uma vez que nos contratos firmados com o “parceiro” chinês, lá constava que as rendas com o Estado Português (vulgo, com os contribuintes Portugueses) deviam permanecer inalteradas. Um negócio da China, portanto. E para que tudo se torne ainda mais engraçado, importa não esquecer que o recém-nomeado chairman da referida empresa, com um salário astronómico, foi um dos grandes mentores do programa económico do Governo. Eis um bom exemplo do universo das privatizações em Portugal.

Podíamos aqui esmiuçar também a privatização do BPN para reforçar este ponto de vista, Mas mais do que preocupar-se com o que se passou ou está a passar, consegue ser ainda mais preocupante o que aí vem. Dos CTT à RTP, da ANA à TAP, esta promete ser uma legislatura bastante animada nestes domínios. Sim, preparemo-nos porque a festa só agora está a começar.

Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental

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