Ainda a novela do BES vai a meio e já estamos a ser bombardeados com o enredo de uma outra concorrente que passa igualmente em horário nobre. Temos agora a novela Portugal Telecom, a história de um grupo económico de referência, um gigante, um baluarte do esforço nacional que subitamente mostra ter pés de barro, ameaçando desmoronar-se perante um público ainda incrédulo. Esta podia ser muito bem ser uma história de entretenimento para vermos confortavelmente nos nossos ecrãs, no conforto dos nossos sofás, mas não é de facto este o cenário. Ver uma empresa com a dimensão da PT à deriva e a ameaçar tombar, com todo o custo que tal poderá ter na economia nacional e em muitos milhares de postos de trabalho, não é propriamente uma história de entretenimento.
E, como sempre tem acontecido nestes casos, a PT não cai porque as suas vendas baixaram, porque não está a conseguir penetrar em novos mercados ou porque deixou de inovar. A PT não cai por razões económicas, mas sim pelas jogadas financeiras de quem a geriu nos últimos anos. Uma gestão apenas centrada nos dividendos a curto prazo dos accionistas. Uma gestão de vistas curtas, que, como é evidente, está sobretudo preocupada nos ganhos ao final do dia ou no final do mês, sendo a área de negócio da empresa ou a sustentabilidade da estratégia seguida um pequeno detalhe.
Vamos agora sendo presenteados com episódios diários sobre a podridão que afinal existia no seio do gigante. À segunda-feira sabemos que Zeinal Bava isto, à quarta-feira sabemos que a distribuição de dividendos aquilo. Os batalhões de comentadores instalados indignam-se na televisão e nos jornais com a podridão encontrada. Começa-se aliás finalmente a perceber que é chato uma empresa como a PT não ter o seu centro de decisão em Portugal. Começa também a ser encarado como uma chatice o domínio estrangeiro no capital da empresa. No fundo, perante a ameaça de estrondo, algumas luzes começam a surgir em algumas cabecinhas.
Mas o pior que pode acontecer em toda esta história da Portugal Telecom, que nos últimos dias já vai sendo escamoteada pela euforia das propostas de aquisição e pelo sobe e desce das acções, é não tirarmos lições do sucedido. Sobretudo não percebermos os efeitos nefastos do Estado abrir mãos de empresas em setores estratégicos para o país. Porque quando tal acontece, temos nada mais nada menos do que o mercado a funcionar. E o mercado não está naturalmente preocupado com os interesses de um país ou da sua população. Não se rege por atuações estratégicas nem ambiciona ter quaisquer objectivos de política pública. O mercado não tem fronteiras, a sua lógica de capitalização e de lucro visa obter o máximo de benefícios com o mínimo esforço. Assim sendo, uma empresa, por maior e mais estratégica que possa ser, é um ativo como qualquer outro. Pode ser capitalizado, pode ser vendido, pode ser dividido, consoante os objectivos dos seus accionistas.
Que lições deviam ser tiradas já hoje de todo esta triste novela da PT? Mais do que nunca, a privatização de empresas em sectores estratégicos deve ser fortemente questionada e contestada. Privatização da TAP? Privatização dos CTT? Privatização da REN? Que as asneiras na PT nos ensinem pelo menos a melhor salvaguardar os interesses nacionais.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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