Os festejos têm-se multiplicado e hoje não faltarão eventos por todo o país a celebrar o centenário da implantação da República. Curiosamente, quando olhamos para trás, estão longe de ser anos gloriosos para o país. E mesmo em termos políticos, os períodos que prefazem estes 100 anos não são famosos. Porquê então tanto festejo?
A I República ficou conhecida como um período turbulento onde o voto estava longe de ser para todos, em que os governos caiam todos os meses, em que as melhorias das condições de vida da maioria da população foram pouco significativas e onde Portugal embarcou na Grande Guerra. Seguiu-se o Estado Novo, submergindo o país em quase 50 anos de ditadura, de atraso ruralizante e que culminou na Guerra do Ultramar. Nestes últimos 36 anos, tivemos finalmente a democracia. Mas o país continua com inúmeros problemas políticos, económicos, sociais e até culturais. Aliás, o centenário da República comemora-se num momento em que os portugueses têm razões para se encontrarem particularmente pouco festivos. Posto isto, porquê comemorar este centenário? Existirão assim tantos sucessos para comemorar?
Importa então descodificar o que é isso da República. Vulgarmente conhecido como o regime político que se opõe à Monarquia, o conceito de República representa mais do que essa simples oposição. Com origens na antiguidade clássica, o termo exalta a coisa pública, o povo, o bem comum, a comunidade. Cícero, um dos seus primeiros teóricos, destacava a importância do direito comum enquanto acordo emanado da comunidade. Kant também exaltava a prevalência da lei e Montesquieu e Rousseau sublinhavam a importância das dimensões de igualdade entre as pessoas. No fundo, e por oposição aos modelos monárquicos, na República a ordem política nasce de baixo, nasce do povo. E com os teóricos da Revolução Americana como John Adams e Alexander Hamilton, os conceitos de democracia representativa e de separação de poderes passaram a integrar fortemente o paradigma republicano.
Deste modo, hoje comemora-se também todo um ideário que por vezes parece esquecido. Um ideário que, se calhar por ser tão repetido ou por ser dado por garantido, parece merecer cada vez menor consideração. Como é evidente, um sistema político não se justifica ou legitima apenas pelo seu ideário. È preciso bastante mais do que isso. Mas tal não impede que os valores que o rodeiam lhe possam garantir uma legitimidade acrescida.
Assim sendo, importa ter em conta que a República representa valores tão determinantes como a liberdade e a igualdade. E embora a democracia não se limite às repúblicas, é nestas que o ideal de igualdade entre todos os homens e mulheres melhor se consegue reflectir. Neste sentido, o que hoje se comemora é também a tentativa de um Portugal de todos, mais justo e mais democrático levada a cabo há 100 anos atrás.
Embora os aniversários acabem por ser simples pretextos para comemorarmos algo com regularidade, se calhar importa aproveitar este centenário para pensarmos bem sobre o modelo de sociedade que pretendemos. Que liberdade, que igualdade, que justiça? O que está bem, o que necessita de ficar melhor e qual o caminho para o conseguir. Porque isso é pensar a coisa pública, sendo um dos mais genuínos gestos políticos que se pode ter. E, por último mas não menos importante, importa pensarmos também o que estamos a fazer por isso, como nos estamos a dedicar para levar a cabo tais objectivos. Eis uma boa dica republicana para um dia que se quer de celebração. Que venham mais 100 anos!
Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
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