terça-feira, 1 de maio de 2012

O dia dos maios?



Quando era miúdo, no colégio e na primária foi-me ensinado que o 1º de Maio era o feriado dos maios nas janelas. Sim, os maios, aqueles bonecos de pano feitos com lençóis e almofadas e que supostamente simbolizavam as diversas profissões. Eram engraçados, sem dúvida, mas hoje digo que eram uma das formas de retirar sentido político a este feriado. Diga-se aliás que esta era uma característica dos Açores de Mota Amaral. Datas como o 25 de Abril ou o 1º de Maio eram acontecimentos algo nebulosos que nunca me lembro de serem comemorados com a mínima efusão na região. Eram datas demasiado políticas. No recato do Atlântico, o Governo da altura não perdia uma boa missa e uma boa procissão, mas tinha com certeza umas contas mal resolvidas com datas como o 25 de Abril ou o 1º Maio. Curiosamente, e corrijam-me se estiver enganado, passados muitos anos da saída de Mota Amaral, não consta que o actual Governo da região ou as inúmeras Câmaras da mesma cor comemorem com a mínima efusão estas datas. Continuam a ser algo estranhas para a vastíssima maioria dos responsáveis políticos regionais.

Numa altura em que, por más razões, se discute a manutenção dos feriados nacionais existentes, cumpre-nos questionar o sentido de cada um dos deles. E se os feriados religiosos se apresentam para os respectivos crentes como momentos de celebração, os feriados civis, tipicamente com uma base política que os sustentam, deviam também obrigatoriamente suscitar algum tipo de posicionamento político. Há pouco tempo, Daniel Oliveira recordava que, ao contrário do que muitos desejavam, o 25 de Abril ainda não era uma data vazia, sublinhando que estava associado a uma série de valores. E o mesmo se passa com o 1º de Maio.

Tenho a certeza que muita gente não se importaria que este dia fosse transformado no dia das profissões, tal como muitos nos Açores dos anos oitenta pareciam querer. Mas o 1º de Maio é de facto bastante mais do que isso. Tendo a sua origem nos Estados Unidos do século XIX, na sequência da luta dos trabalhadores de Chicago em defesa das 8 horas de trabalho diárias, é há muito internacionalmente celebrado como o dia dos direitos laborais. E se tivermos em conta que tais direitos foram sendo associados no decurso do século XX a uma série de direitos sociais, como a educação, a saúde ou a segurança social, facilmente percebemos que este é um feriado com uma carga política muito significativa. Percebe-se assim porque é tão mal-amado por alguns.

Não são necessárias grandes elaborações para sublinhar a actual pertinência dos valores do 1º de Maio. A crise económico-financeira tem sido o cenário perfeito para levar a cabo um recuo sem precedentes nos direitos do trabalho. Das limitações do subsídio de emprego à diminuição das compensações após despedimento, as medidas têm-se sucedido a um ritmo alucinante. Basta aliás recordar que as 8 horas de trabalho diário, pelas quais as pessoas se mobilizavam no século XIX, foram postas em causa pela recente proposta governamental de mais meia hora de trabalho por dia, lembram-se?

Tendo em conta todo o património que o 1º de Maio encerra, com um historial de conquista de direitos que atravessa todo o século XX, o pior que pode acontecer é que a sua passagem passe despercebida. Que se discuta a sua adequação, a sua actualidade e até a sua pertinência. Mas transformá-lo num bocejo garantido do tipo 5 de Outubro é a melhor maneira de acabar com ele e com os valores que encerra. Tenhamos consciência disso e vivamos o 1º de Maio, o dia do trabalhador!

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

1 comentário:

Unknown disse...

Se um feriado serve para alguma coisa, este é o mais importante de todos, e por essa razão quase ninguém sabe o que ele celebra. Não é por acaso, é apenas engenharia social bem sucedida.