Quando era miúdo, no colégio e na primária foi-me
ensinado que o 1º de Maio era o feriado dos maios nas janelas. Sim, os maios,
aqueles bonecos de pano feitos com lençóis e almofadas e que supostamente
simbolizavam as diversas profissões. Eram engraçados, sem dúvida, mas hoje digo
que eram uma das formas de retirar sentido político a este feriado. Diga-se
aliás que esta era uma característica dos Açores de Mota Amaral. Datas como o
25 de Abril ou o 1º de Maio eram acontecimentos algo nebulosos que nunca me
lembro de serem comemorados com a mínima efusão na região. Eram datas demasiado
políticas. No recato do Atlântico, o Governo da altura não perdia uma boa missa
e uma boa procissão, mas tinha com certeza umas contas mal resolvidas com datas
como o 25 de Abril ou o 1º Maio. Curiosamente, e corrijam-me se estiver
enganado, passados muitos anos da saída de Mota Amaral, não consta que o actual
Governo da região ou as inúmeras Câmaras da mesma cor comemorem com a mínima
efusão estas datas. Continuam a ser algo estranhas para a vastíssima maioria
dos responsáveis políticos regionais.
Numa altura em que, por más razões, se discute a
manutenção dos feriados nacionais existentes, cumpre-nos questionar o sentido
de cada um dos deles. E se os feriados religiosos se apresentam para os
respectivos crentes como momentos de celebração, os feriados civis, tipicamente
com uma base política que os sustentam, deviam também obrigatoriamente suscitar
algum tipo de posicionamento político. Há pouco tempo, Daniel Oliveira
recordava que, ao contrário do que muitos desejavam, o 25 de Abril ainda não
era uma data vazia, sublinhando que estava associado a uma série de valores. E
o mesmo se passa com o 1º de Maio.
Tenho a certeza que muita gente não se importaria
que este dia fosse transformado no dia das profissões, tal como muitos nos
Açores dos anos oitenta pareciam querer. Mas o 1º de Maio é de facto bastante
mais do que isso. Tendo a sua origem nos Estados Unidos do século XIX, na
sequência da luta dos trabalhadores de Chicago em defesa das 8 horas de
trabalho diárias, é há muito internacionalmente celebrado como o dia dos
direitos laborais. E se tivermos em conta que tais direitos foram sendo
associados no decurso do século XX a uma série de direitos sociais, como a
educação, a saúde ou a segurança social, facilmente percebemos que este é um
feriado com uma carga política muito significativa. Percebe-se assim porque é
tão mal-amado por alguns.
Não são necessárias grandes elaborações para sublinhar
a actual pertinência dos valores do 1º de Maio. A crise económico-financeira
tem sido o cenário perfeito para levar a cabo um recuo sem precedentes nos
direitos do trabalho. Das limitações do subsídio de emprego à diminuição das
compensações após despedimento, as medidas têm-se sucedido a um ritmo
alucinante. Basta aliás recordar que as 8 horas de trabalho diário, pelas quais
as pessoas se mobilizavam no século XIX, foram postas em causa pela recente
proposta governamental de mais meia hora de trabalho por dia, lembram-se?
Tendo em conta todo o património que o 1º de Maio
encerra, com um historial de conquista de direitos que atravessa todo o século
XX, o pior que pode acontecer é que a sua passagem passe despercebida. Que se
discuta a sua adequação, a sua actualidade e até a sua pertinência. Mas
transformá-lo num bocejo garantido do tipo 5 de Outubro é a melhor maneira de
acabar com ele e com os valores que encerra. Tenhamos consciência disso e vivamos
o 1º de Maio, o dia do trabalhador!
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
1 comentário:
Se um feriado serve para alguma coisa, este é o mais importante de todos, e por essa razão quase ninguém sabe o que ele celebra. Não é por acaso, é apenas engenharia social bem sucedida.
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