A espionagem é uma atividade que sempre esteve rodeada de
um certo charme. Na segunda metade do século XX, com a Guerra Fria em curso, os
espiões eram sinónimo de inteligência, sofisticação e, sobretudo, muita discrição. Do 007 à Missão Impossível,
todo um mundo de serviços secretos encheu o imaginário de miúdos e graudos. E
habituamo-nos a pensar que, com mais ou menos fantasia, tratam-se de
instituições com uma relativa seriedade. Ou seja, com atuações por vezes
dúvidosas e até criminosas, mas tudo em nome de uma realpolitik de defesa dos
interesses do seu país.
As secretas portuguesas sempre foram uma espécie de incógnita.
Sabíamos que eram pequenas, mas que existiam. Sabiamos que estavam a milhas de
um MI6 ou de uma CIA, mas até corriam boatos dizendo que tínhamos cartas dadas
nestes dominios. Sabíamos, por último, que Portugal tinha serviços de
espionagem como a maior parte dos países, embora esta ideia de termos uns James
Bonds tugas nunca deixou de causar alguma estranheza.
Eis que, no último ano, começam a surgir algumas
informações mais concretas sobre os nossos serviços secretos. Desde estranhas
fugas de informação à transferência de alguns dos seus altos quadros diretamente para o setor privado ,
uma série de manchetes comprometedoras começam a encher as primeiras páginas e
a abrir os telejornais. Ligações a lojas maçónicas, projetos pessoais de
ascenção profissional, começamos rapidamente a perceber que aquela ideia do agente
secreto inteligente, integro e sofisticado não se enquadra na realidade
portuguesa. Era bom demais para ser verdade. O nosso imaginário
sobre serviços secretos é assim obrigado a fazer uma aterragem forçada na
realidade deste burgo a que já nos fomos habituando.
E qual é o cenário que, com a devida presunção de
inocências, nos está a ser apresentado? Uma perigosa quadratura entre serviços
secretos, lojas maçónicas, estranhas empresas com grandes projetos de ascenção
e ligações políticas mais do que duvidosas. O Expresso deste fim-de-semana
retrata aliás muito bem todo o cenário. Desde quadros que sairam das secretas
diretamente para a empresa Ongoing, mas que continuaram em estreitos contatos
com a sua ex-casa. Ora pedindo informações sobre empresas estrangeiras a
ex-colegas, ora mandando propostas de reformulação da estrutura dos serviços
secretos a responsáveis políticos, ora reencaminhando para os amigos (muitos
deles políticos) os clipings de imprensa que continuavam a receber nas suas
contas de correio. Pelo meio, ficamos também a saber que os serviços secretos
tiveram acesso a contas telefónicas de um jornalista do Público através da
namorada de um dos seus funcionários que trabalhava numa empresa de
comunicações (?!). E assistimos, durante meses, à manutenção no lugar dos
diversos operacionais e dirigentes que meio país sabe estarem envolvidos nos
episódios lamentáveis que tem vindo a ser descobertos.
Sendo instituições com um âmbito de atividade secreto, é
natural que existam dificuldades acrescidas na sua fiscalização. Não podem ser propriamente
instituições que se pautem pela transparência. Mas as conclusões que tiramos
daqui são não só que as nossas secretas são um perigo para a democracia, pondo
em causa o Estado de Direito, como parecem estar entregues a uma dúzia de
bimbos que lidam com os serviços de informação a seu belo prazer e que não têm
problemas em colocá-los ao serviço de amigos e compadres. Tudo muito à
portuguesa, portanto. Não foi você que pediu James Bonds tugas? Eí-los em todo
o seu explendor.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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