Depois de uma fase em que não existia vida para lá da austeridade, em boa hora o cenário começou a mudar. Impulsionado por níveis de desemprego trágicos e por uma ausência total de resultados positivos para a economia na sequência das políticas aplicadas, o discurso na Europa começou subitamente centrar-se no crescimento e no emprego, sobretudo na sequência das presidenciais francesas e das legislativas gregas. Começa finalmente a ficar claro para muitos que uma política assente exclusivamente no rigor orçamental e no combate ao défice tem o pequeno problema de matar a economia.
E em Portugal, esta viragem no discurso verificou-se numa série de conhecidos opinion makers da nossa praça, mas tornou-se ainda mais evidente no maior partido da oposição. Impulsionado com certeza pela vitória de Hollande, António José Seguro intensificou subitamente a sua oposição ao presente rumo político, criticando a postura do Governo e apontando para uma resposta Europeia como a chave da solução para a crise económico-financeira. Todo o PS começou então a despertar e já não há telejornal das oito sem que o líder socialista não critique abertamente as opções políticas do presente Executivo.
É bom ver que o partido do centro-esquerda em Portugal começa a ocupar o espaço que lhe é reservado no nosso espetro partidário. Começa-se a sentir abertamente no seu discurso uma visão diferente do rumo que tem vindo a ser seguido. Só é pena que esta visão tenha chegado um ano depois deste mesmo partido ter assinado o memorando com a troika. Memorando este que, como se se sabe, prevê salvo ligeiras nuances, a política que tem vindo a ser aplicada pelo presente Executivo. “Sei o que fizeste no Verão passado”. É este tipo de guinadas incoerentes, este tipo de flutuações ao sabor das circunstâncias, que depois determina que os cidadãos levem pouco a sério os partidos políticos, sobretudo os que ocupam o grande centro.
E tudo isto revela mesmo uma boa dose esquizofrenia política. Basta lembrar que as soluções agora advogadas por Seguro há muito eram defendidas por outros setores da esquerda. Desde a evidência de que a austeridade mata a economia à impossibilidade de saldar a dívida num tão curto espaço de tempo, passando pela necessidade de uma reestruturação da dívida, pela urgência de uma resposta europeia ou pela constituição de eurobonds. No entanto, quando o faziam há um ano atrás, estes mesmos setores da esquerda, que incluíam mas que estavam muito longe de se esgotar no Bloco de Esquerda, eram acusados de populismo e extremismo. Infelizmente a história da esquerda portuguesa é feita deste tipo de desentendimentos.
No entanto, mais do que encarar esta mudança de rumo do PS como uma demonstração da sua inconsistência, importa sim olhar em frente e procurar soluções que possam responder rapidamente à tragédia em curso. E, neste sentido, para lá de trocas de acusações sobre posicionamentos passados, a esquerda portuguesa e europeia precisa sim de convergir urgentemente na defesa do estado social e na apresentação de uma alternativa ao neoliberalismo cujos resultados estão à vista. Algumas movimentações a nível nacional demonstram a viabilidade deste tipo de convergências: do Manifesto para uma Esquerda Livre à Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, são diversos os sinais de que estes são tempos de convergência. Por maior desconforto que tal possa causar para alguns, é hora de colocar os verões passados para trás. A situação assim o exige.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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