terça-feira, 7 de agosto de 2012

O nosso Messias, o nosso Salvador



“Se tiver de perder as eleições para salvar o país, que se lixem as eleições. O que interessa é Portugal”. Esta frase do primeiro-ministro foi já alvo de uma ampla discussão explorada em prismas diversos. Pessoalmente, parece-me particularmente interessante a expressão “salvar o país”, por considerar que a mesma corresponde a uma parte central de todo o racional político da atual equipa governamental. No fundo, o Executivo considera que o país precisa de ser salvo. E como muito bem sublinhou Ricardo Araújo Pereira numa crónica recente, mesmo que o país não queira ser salvo e mesmo que comece a estar profundamente em desacordo com o modelo de salvamento proposto, os portugueses não se livrarão facilmente deste Primeiro-Ministro salvador. Como uma vez disse Medeiros Ferreira a propósito de outra personalidade pública, tudo parece indicar que Passos Coelho tem uma imagem messiânica de si próprio. 

É natural que um político assuma que possui um papel especial a desempenhar perante a causa pública, por mais lato que este termo possa parecer. É algo inerente a quem segue uma carreira política. Ou seja, o simples facto de um individuo se candidatar a um cargo político, de se envolver politicamente, de se mover e de lutar por algo em que acredita implica que considere que pode fazer a diferença, que possui uma espécie de missão a desempenhar. Nada de extraordinário, portanto. O problema sucede quando o ator político assume, contra tudo e contra todos, que possui um papel único a desempenhar. No fundo, considera-se o grande escolhido (pelo povo, por Deus, pela História…) para levar a cabo uma missão. E nada o vai demover deste seu caminho, nem mesmo aqueles que o escolheram para o efeito. Existem inúmeros traços na imagem pública que Passos Coelho construiu de si próprio que ajudam a alimentar o perfil messiânico que atrás sublinhámos. A obstinação com que persegue os seus objetivos, aliada a uma aparente simplicidade na forma de ser é possivelmente uma das suas características mais vincadas publicamente. 

Curiosamente, é também no aparente desapego aos bens materiais que a imagem messiânica de Passos Coelho ganha particular vigor. A figura do homem simples de Trás-os-Montes vivendo atualmente em Massamá e que procura manter sempre os mesmos hábitos modestos e discretos tem sido uma das suas imagens de marca. Sócrates fazia com os filhos safaris no Quénia e férias na neve da Suíça. Passos, por seu turno, vai para uma casa alugada na Manta Rota, desce a pé para a praia de sempre e faz até questão de ir para férias na sua carrinha Renault Clio, uma espécie de reencarnação do famoso Citroen BX de Cavaco Silva. O messias tem de ser um homem de hábitos simples, aparentemente semelhante ao comum dos mortais, mas de uma profundidade espiritual só ao alcance de um ente divino.

Como é evidente, Passos tem naturalmente direito de gerir a sua imagem pública como entender e a comunicação social fará também o que quiser com este tipo de perfil. De qualquer modo, não deixa de ser particularmente indesejável na política esta espécie de ego-messianismo. Primeiro porque um messias dificilmente pode ser chamado à razão. Ele é a própria razão. Por outro lado, porque a sua aparente simplicidade facilmente não alcança a complexidade do meio que o rodeia. Por exemplo, a receita do homem simples até pode ter colocado o mundo em chamas, mas ele acreditará sempre que tal acontece porque a receita não foi aplicada com a intensidade devida ou que o mundo não tem procurado ajustar-se à sua receita. Coisas de homem simples, portanto.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

3 comentários:

Diogo disse...

Este post é de uma ingenuidade impressionante...


Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007:

[...] "Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais." [...]


Paulo Morais, professor universitário - Correio da Manhã – 19/6/2012

[...] "Estas situações de favorecimento ao sector financeiro só são possíveis porque os banqueiros dominam a vida política em Portugal. É da banca privada que saem muitos dos destacados políticos, ministros e deputados. E é também nos bancos que se asilam muitos ex--políticos." [...]

[...] "Com estas artimanhas, os banqueiros dominam a vida política, garantem cumplicidade de governos, neutralizam a regulação. Têm o caminho livre para sugar os parcos recursos que restam. Já não são banqueiros, parecem gangsters, ou seja, banksters."

João Ricardo Vasconcelos disse...

Cada qual com as suas ingenuidades, meu caro.

menvp disse...

-> os políticos não são, nem podem ser, uns ‘paizinhos’!
-> os cidadãos não podem ver os políticos como uns ‘paizinhos… devem, isso sim, é exigir uma maior fiscalização e controlo sobre a actividade política!
-> toca a abrir a pestana: DIREITO AO VETO de quem paga (vulgo contribuinte) – veja-se o blog «fim-da-cidadania-infantil».
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Nota: A 'coisa' não pode ser vista como «trigo limpo, farinha Amparo»... isto é, ou seja, no meio de de políticos não-corruptos poderão sempre existir políticos corruptos - e vice-versa -,... consequentemente, como é óbvio, é MUITO MUITO importante que os políticos não-corruptos se sintam apoiados pelos contribuintes... e, como é óbvio, o Direito ao veto do contribuinte... será uma forma de os contribuintes apoiarem os políticos não-corruptos.
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Anexo:
PESSOAL QUE "VENDE TUDO E MAIS ALGUMA COISA":
- pessoal que andou a promover endividamento... agora anda por aí a argumentar que - por forma a evitar que a Europa caia num caos financeiro/económico - é absolutamente necessário um salto quântico federal: EUROBONDS... e... «implosão das soberanias» - uma unificação financeira e fiscal da Europa.
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P.S.
- A superclasse (alta finança internacional - capital global, e suas corporações) não só pretende conduzir os países à IMPLOSÃO da sua Identidade (dividir/dissolver identidades para reinar)... como também... pretende conduzir os países à IMPLOSÃO económica/financeira.
- Só não vê quem não quer: está na forja um caos organizado por alguns - a superclasse: uma nova ordem a seguir ao caos... a superclasse ambiciona um neo-feudalismo.