“Se tiver de perder as eleições para salvar o país, que se lixem as eleições. O que interessa é Portugal”. Esta frase do primeiro-ministro foi já alvo de uma ampla discussão explorada em prismas diversos. Pessoalmente, parece-me particularmente interessante a expressão “salvar o país”, por considerar que a mesma corresponde a uma parte central de todo o racional político da atual equipa governamental. No fundo, o Executivo considera que o país precisa de ser salvo. E como muito bem sublinhou Ricardo Araújo Pereira numa crónica recente, mesmo que o país não queira ser salvo e mesmo que comece a estar profundamente em desacordo com o modelo de salvamento proposto, os portugueses não se livrarão facilmente deste Primeiro-Ministro salvador. Como uma vez disse Medeiros Ferreira a propósito de outra personalidade pública, tudo parece indicar que Passos Coelho tem uma imagem messiânica de si próprio.
É natural que um político assuma que possui um papel especial a desempenhar perante a causa pública, por mais lato que este termo possa parecer. É algo inerente a quem segue uma carreira política. Ou seja, o simples facto de um individuo se candidatar a um cargo político, de se envolver politicamente, de se mover e de lutar por algo em que acredita implica que considere que pode fazer a diferença, que possui uma espécie de missão a desempenhar. Nada de extraordinário, portanto. O problema sucede quando o ator político assume, contra tudo e contra todos, que possui um papel único a desempenhar. No fundo, considera-se o grande escolhido (pelo povo, por Deus, pela História…) para levar a cabo uma missão. E nada o vai demover deste seu caminho, nem mesmo aqueles que o escolheram para o efeito. Existem inúmeros traços na imagem pública que Passos Coelho construiu de si próprio que ajudam a alimentar o perfil messiânico que atrás sublinhámos. A obstinação com que persegue os seus objetivos, aliada a uma aparente simplicidade na forma de ser é possivelmente uma das suas características mais vincadas publicamente.
Curiosamente, é também no aparente desapego aos bens materiais que a imagem messiânica de Passos Coelho ganha particular vigor. A figura do homem simples de Trás-os-Montes vivendo atualmente em Massamá e que procura manter sempre os mesmos hábitos modestos e discretos tem sido uma das suas imagens de marca. Sócrates fazia com os filhos safaris no Quénia e férias na neve da Suíça. Passos, por seu turno, vai para uma casa alugada na Manta Rota, desce a pé para a praia de sempre e faz até questão de ir para férias na sua carrinha Renault Clio, uma espécie de reencarnação do famoso Citroen BX de Cavaco Silva. O messias tem de ser um homem de hábitos simples, aparentemente semelhante ao comum dos mortais, mas de uma profundidade espiritual só ao alcance de um ente divino.
Como é evidente, Passos tem naturalmente direito de gerir a sua imagem pública como entender e a comunicação social fará também o que quiser com este tipo de perfil. De qualquer modo, não deixa de ser particularmente indesejável na política esta espécie de ego-messianismo. Primeiro porque um messias dificilmente pode ser chamado à razão. Ele é a própria razão. Por outro lado, porque a sua aparente simplicidade facilmente não alcança a complexidade do meio que o rodeia. Por exemplo, a receita do homem simples até pode ter colocado o mundo em chamas, mas ele acreditará sempre que tal acontece porque a receita não foi aplicada com a intensidade devida ou que o mundo não tem procurado ajustar-se à sua receita. Coisas de homem simples, portanto.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
Imagem: Foto Antes e Depois
3 comentários:
Este post é de uma ingenuidade impressionante...
Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007:
[...] "Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais." [...]
Paulo Morais, professor universitário - Correio da Manhã – 19/6/2012
[...] "Estas situações de favorecimento ao sector financeiro só são possíveis porque os banqueiros dominam a vida política em Portugal. É da banca privada que saem muitos dos destacados políticos, ministros e deputados. E é também nos bancos que se asilam muitos ex--políticos." [...]
[...] "Com estas artimanhas, os banqueiros dominam a vida política, garantem cumplicidade de governos, neutralizam a regulação. Têm o caminho livre para sugar os parcos recursos que restam. Já não são banqueiros, parecem gangsters, ou seja, banksters."
Cada qual com as suas ingenuidades, meu caro.
-> os políticos não são, nem podem ser, uns ‘paizinhos’!
-> os cidadãos não podem ver os políticos como uns ‘paizinhos… devem, isso sim, é exigir uma maior fiscalização e controlo sobre a actividade política!
-> toca a abrir a pestana: DIREITO AO VETO de quem paga (vulgo contribuinte) – veja-se o blog «fim-da-cidadania-infantil».
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Nota: A 'coisa' não pode ser vista como «trigo limpo, farinha Amparo»... isto é, ou seja, no meio de de políticos não-corruptos poderão sempre existir políticos corruptos - e vice-versa -,... consequentemente, como é óbvio, é MUITO MUITO importante que os políticos não-corruptos se sintam apoiados pelos contribuintes... e, como é óbvio, o Direito ao veto do contribuinte... será uma forma de os contribuintes apoiarem os políticos não-corruptos.
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Anexo:
PESSOAL QUE "VENDE TUDO E MAIS ALGUMA COISA":
- pessoal que andou a promover endividamento... agora anda por aí a argumentar que - por forma a evitar que a Europa caia num caos financeiro/económico - é absolutamente necessário um salto quântico federal: EUROBONDS... e... «implosão das soberanias» - uma unificação financeira e fiscal da Europa.
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P.S.
- A superclasse (alta finança internacional - capital global, e suas corporações) não só pretende conduzir os países à IMPLOSÃO da sua Identidade (dividir/dissolver identidades para reinar)... como também... pretende conduzir os países à IMPLOSÃO económica/financeira.
- Só não vê quem não quer: está na forja um caos organizado por alguns - a superclasse: uma nova ordem a seguir ao caos... a superclasse ambiciona um neo-feudalismo.
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