Sem que se percebesse muito bem como, subitamente começou a ser-nos dito que o país já está no caminho do crescimento. Que o pior já passou, que a economia está a acordar e que começamos a ter razões para sorrir. Mas há mais. Dizem-nos que a malvada troika está prestes a ir-se embora, expulsa pela gente responsável deste país que soube apertar o sinto. Dizem-nos ainda, com ar semi-radioso, que a austeridade foi dura, mas serviu para colocar as coisas nos eixos. Devemos portanto estar todos agradecidos aos bravos capitães da direita portuguesa que, mesmo nos momentos mais tumultuosos, onde maiores dúvidas surgiram, nunca hesitaram sobre o rumo a seguir para sair desta crise.
E subitamente, bem típico dos momentos atuais, todo este conjunto de mensagens começaram a disseminar-se nos média. Os sinais da retoma começaram a ser procurados em todo o lado, desde a emissão da dívida pública que correu bem nos mercados internacionais, até às típicas reportagens da empresa portuguesa bem-sucedida na sua estratégia de exportações.
Por mais martelado que pareça este discurso, alimenta-se sobretudo de um sentimento importante que as pessoas sentem neste momento: a vontade de acreditar. Acreditar que o pior já passou ou está prestes a passar. Acreditar que, após os anos terríveis em que temos vivido, algo (não interessa o quê) está ou irá fazer o país renascer das cinzas, vai tirar-nos deste pesadelo que temos vivido.
Frequentemente acusada de idealismos vários, a esquerda é insuspeita de querer atenuar a vontade de acreditar dos cidadãos. Mas importa que consiga no momento presente trazer um pouco à terra os permeáveis às ideias acima. Demonstrando, por exemplo, que os sinais de retoma apontados, mais do que provenientes da economia portuguesa, são sim uma consequência de sinais de viragem na economia mundial. Ou seja, são exógenos à política seguida a nível nacional. Assim sendo, achar que a retoma do país acontecerá como consequência da política de austeridade continua a ser um disparate. Por outro lado, importa continuar a não relativizar o cenário que temos atualmente: um país económica e socialmente em cacos, com níveis de desemprego inacreditáveis, com cortes assassinos nos salários e nas pensões sociais, com emigração e massa da sua juventude e dos seus quadros.
E o pior de tudo é que, após todos estes anos de austeridade, não existem sinais de que qualquer reforma profunda tenha sido levada a cabo para evitar este tipo de crise no futuro. As agências de rating continuam aí, a especulação financeira continua a ser uma ameaça a qualquer economia com vulnerabilidades, os bancos continuam a ter a certeza que o Estado cobrirá as suas aventuras “bolhistas”.
Como muitos têm vindo a sublinhar recentemente, uma das dificuldades atuais no discurso da esquerda é não conseguir fazer passar uma mensagem positiva aos cidadãos, uma mensagem inspiradora, de renovação, de criação de algo novo. Pelo contrário, a sua postura defensiva indica aos mais desatentos um estranho apego ao passado, aos direitos que anteriormente existiam. Contra aqueles que dizem que é sempre mais fácil o discurso negativista, diria que no momento atual o facilitismo está sim num discurso de crença, que procura encontrar motivos vários para fazer as pessoas acreditar. Não vai ser fácil desmontar este discurso. É sempre mais fácil convidar as pessoas para um brinde ou para virem lançar foguetes para a rua.
Artigo publicado sexta-feira no Esquerda.net
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