40 anos depois, será que somos livres? Será que a liberdade continua a brilhar? Eis o tipo de pergunta que mais tem surgido em espaços diversos de discussão. E a resposta frequente é que o espírito de Abril tem sido bastante mal tratado nos últimos anos. Direitos suprimidos, Estado Social reduzido e desvirtuado e, novidade das novidades, Abril vai sendo aos poucos remetido para os anais da história. Mas nestes 40 anos de liberdade, mais do que analisar de que forma os diversos Governos têm tratado do legado de Abril, prefiro centrar-me na forma como as pessoas, os cidadãos, têm cuidado do que foi conquistado há 40 anos.
Do ponto de vista formal e estritamente político, não existem grandes dúvidas quanto à maturidade da democracia Portuguesa. Se tivermos em conta uma perspectiva minimalista sobre o funcionamento das instituições, a democracia Portuguesa não está aparentemente em risco. Temos problemas críticos como o funcionamento da Justiça, a corrupção ou as desigualdades sociais, mas não se adivinha um colapso do sistema político ao virar da esquina.
Mas quando recordamos como foi conquistada a democracia em Portugal, quando temos em conta os valores e aspirações que deram forma ao 25 de Abril, dificilmente ficamos contentes com uma simples democracia política. Queremos mais do que isso. Muito mais, aliás. Queremos uma democracia económica, social e cultural, queremos uma democracia em todas as suas vertentes . Uma democracia ambiciosa e que não se fique pelos mínimos. Uma democracia que não desista dos valores que a tornaram realidade.
E se depende dos Governos e das restantes instituições políticas a construção da referida democracia, não deve ser menosprezado o papel que cada cidadão deve ter igualmente na sua consolidação. Porque mais do que um direito adquirido, a liberdade conquista-se todos os dias. Conquista -se quando não nos conformamos, quando não nos submetemos, quando não abdicamos do nosso sentido de justiça e da nossa permanente vontade de mudança e de progresso. Ninguém disse que a liberdade era algo simples, que não exigia escolhas, que não exigia esforço e dedicação de cada um de nós.
A liberdade exerce-se, mesmo quando está longe de ser o caminho mais fácil. Exerce-se em casa, no trabalho, na escola ou na comunidade. Exerce-se mesmo quando é pouco inconveniente, mesmo quando implica chocar de frente com a normalidade, com a convenção ou tradição. Exerce-se mesmo quando por vezes temos a sensação de que nos vai sair cara, de que nos vai arranjar alguns problemas em qualquer um dos meios em que estamos inseridos. Muito mais fácil seria ficarmos calados de vez em quando, fingir que não vimos ou não nos apercebemos de determinada injustiça, de determinado atropelo . Contornar é sempre mais fácil. Mas quem nos disse que o certo é algo simples e fácil?
Nestes 40 anos do 25 de Abril, o maior favor que fazemos à democracia é questionarmo-nos diariamente sobre se nos sentimos livres . Porque Abril exerce-se todos os dias.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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