António Costa ganhou as primárias do PS sem surpresas. A única novidade consistiu na dimensão da sua vitória, deixando Seguro a mais de 30 pontos percentuais de distância. Uma vitória arrebatadora que permite colocar um fim claro à disputa dos últimos meses. Quando foi anunciado o processo de primárias no PS, muitas vozes vieram a público sublinhar o quão contraproducente tal seria para o partido. O facto deste processo interno obrigar a divisões, a debate intenso e até a algumas tensões, poderia causar no PS um desgaste irrecuperável. E não haja dúvidas que feridas foram abertas e todo o aparato conseguiu gerar alguma mossa, uma vez que a opinião pública vê subitamente em troca de acusações quem ainda ontem andava de braço dado a descer o Chiado.
No entanto, as primárias permitem também que o partido ganhe muito espaço mediático, conquistando a atenção e o interesse da opinião pública. E terminando da forma como terminaram, com uma vitória clara e arrebatadora do candidato “challenger”, as primárias conseguem ser o primeiro passo de um processo em crescendo. No fundo, depois do candidato ganhar o partido, pode debruçar-se agora com força e legitimidade redobrada na conquista do país.
Neste contexto, a cerca de um ano das eleições, o percurso e o perfil de António Costa são uma clara mais-valia para o PS. Beneficando de uma invejável “boa imprensa” e capitalizando a notoriedade que a exposição mediática dos últimos anos lhe tem permitido, Costa fará com certeza mossa na atual maioria governamental. Por outro lado, sendo um político hábil e muito experimentado, o ainda presidente da Câmara de Lisboa não possui o desgaste que o seu antecessor detinha, muito menos que o seu oponente Passos Coelho possui. Chega aliás à arena política nacional com um significativo reconhecimento pela obra feita em Lisboa (independentemente de tal reconhecimento ser justo ou não).
Como se tudo acima não bastasse, Costa beneficia ainda do facto de estar associado à mudança, o que no contexto atual está longe de ser um detalhe. Depois de uma legislatura associada a um dos piores períodos da democracia portuguesa, onde a austeridade reinou e os Portugueses sentiram na pele e no bolso o mau ambiente económico atravessado pelo país, Costa surge como um virar de página. Enquanto recém-eleito líder do maior partido da oposição, representa a esperança de que o amanhã poderá ser melhor, sentimento que gera naturalmente grande empatia eleitoral.
António Costa tem toda uma conjuntura a seu favor para convencer progressivamente os Portugueses até às legislativas do próximo ano. Tem consigo o melhor do PS, não haja dúvidas a este respeito. Mas, como sempre acontece nestes momentos em que o cheiro a poder já se faz sentir, Costa tem também consigo o que o PS tem de pior. Basta pensar que todas as figuras do Socratismo estão com ele, nomeadamente aquelas que tantas dúvidas geraram. E mesmo fora do partido, Costa consegue ser consensual nos mais diversos setores, o que não é necessariamente uma coisa boa. Numa coisa Seguro tinha alguma razão: Costa tende a representar o sistema, uma vez que aquela classe de gente que tem a formidável capacidade de estar sempre ao lado de quem ganha, e que representa interesses diversos, é apoiante deste a primeira hora de António Costa.
Costa vai mobilizar muita gente ao centro e é o pior candidato que a atual maioria governamental poderia desejar. Uma boa notícia, portanto. Da minha parte, estou sobretudo interessado em ver como tentará mobilizar os setores à esquerda do PS. Sobretudo num cenário de fragmentação em que novos atores surgiram, preparando-se para reconfigurar já nas próximas legislativas o espaço da esquerda com representação parlamentar. Os próximos meses serão fundamentais para perceber a referida dinâmica.
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