Ficámos este fim-de-semana a saber mais concretamente como será o ano de 2011 em Portugal. A proposta de Orçamento de Estado apresentada veio materizalizar muito do que já vinha sendo anunciado. O corte na despesa afirma-se como principal prioridade e a palavra austeridade passou de facto a ser omnipresente. Trata-se do maior corte na despesa pública efectuado no país desde a transição para a democracia. Elucidativo, não?
Como facilmente se conclui, não sendo necessário pensar mais do que um minuto para o efeito, as medidas enunciadas são altamente recessivas. É que cortando cegamente na despesa e no investimento, haverá menos consumo, logo vender-se-á menos, logo haverá menos capacidade de empregar e aí voltamos ao princípio da roda (menos consumo, menores vendas, and so on, and so on...) Eis o círculo recessivo em que o país se prepara para mergulhar. Tudo, ao que parece, porque os mercados assim o exigem. Embora não se possa isentar o actual governo de fortes e graves responsabilidades pelo panorama actual, importa reconhecer que um governo de um país periférico como o nosso não consegue isoladamente contrariar um sistema económico internacional tão volátil, assente em mercados que acabam por tudo ditar.
Mas vamos lá recordar o que se passou de há dois anos a esta parte. Em Setembro de 2008, o mundo aterrorizou-se com a falência do Lehman Brothers e com a crise do Subprime. Uma vaga de instabilidade varreu os mercados internacionais, colocando à vista de todos a irresponsabilidade de banqueiros e gestores, as aplicações duvidosas e o casino financeiro em que assentava a economia internacional. Diversos bancos faliram e as bolsas de valores caíram a pique. Os Estados foram chamados a intervir não só salvando inúmeras instituições financeiras, mas sobretudo aumentando o investimento público para manter as economias em funcionamento. À custa de tal investimento e operações de salvamento, os défices públicos dispararam para valores como há muito não se via.
Rogaram-se então pragas em uníssono contra o sistema financeiro internacional vigente, os perigos dos mercados desregulados e a ditadura da especulação sem fronteiras. Os líderes mais improváveis juraram reformar as leis do sistema vigente, apostando na regulação e tentando assim devolver alguma segurança (e um pouco de racionalidade, já agora) às lógicas dos mercados internacionais. Mas eis que, pouco tempo depois, tudo parece ter sido esquecido. Uma onda de amnésia varreu com certeza as mentes dos líderes mundiais. O sistema continua a funcionar em todo o seu esplendor e Portugal foi apanhado bem no meio de um novo furacão. Os mesmos mercados que exigiram investimento público como condição para se acalmarem apontam agora o dedo aos défices públicos, exigindo que sejam reduzidos. De outro modo, serão implacáveis.
No meio de tudo o que se está a passar, podemos naturalmente censurar os mercados, o sistema e a lógica vigente que impôem. No entanto, e com um pouco de ironia (confesso), julgo que quase lhes devemos uma salva de palmas. É que mesmo encontrando-se totalmente desacreditados, de ser evidente a irracionalidade em que assentam e a injustiça tremenda que provocam, a ditadura dos mercados continua a ser questionada por uma minoria. Mesmo sendo evidentes as suas contradições e até os pontos onde se encontram a falhar, uma vasta maioria continua a assumir que não existe alternativa ao sistema económico vigente. Este mantém-se quase intocado depois de tudo o que se tem vindo a passar. Uma verdadeira e quase inacreditável façanha, sem dúvida...
Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
Como facilmente se conclui, não sendo necessário pensar mais do que um minuto para o efeito, as medidas enunciadas são altamente recessivas. É que cortando cegamente na despesa e no investimento, haverá menos consumo, logo vender-se-á menos, logo haverá menos capacidade de empregar e aí voltamos ao princípio da roda (menos consumo, menores vendas, and so on, and so on...) Eis o círculo recessivo em que o país se prepara para mergulhar. Tudo, ao que parece, porque os mercados assim o exigem. Embora não se possa isentar o actual governo de fortes e graves responsabilidades pelo panorama actual, importa reconhecer que um governo de um país periférico como o nosso não consegue isoladamente contrariar um sistema económico internacional tão volátil, assente em mercados que acabam por tudo ditar.
Mas vamos lá recordar o que se passou de há dois anos a esta parte. Em Setembro de 2008, o mundo aterrorizou-se com a falência do Lehman Brothers e com a crise do Subprime. Uma vaga de instabilidade varreu os mercados internacionais, colocando à vista de todos a irresponsabilidade de banqueiros e gestores, as aplicações duvidosas e o casino financeiro em que assentava a economia internacional. Diversos bancos faliram e as bolsas de valores caíram a pique. Os Estados foram chamados a intervir não só salvando inúmeras instituições financeiras, mas sobretudo aumentando o investimento público para manter as economias em funcionamento. À custa de tal investimento e operações de salvamento, os défices públicos dispararam para valores como há muito não se via.
Rogaram-se então pragas em uníssono contra o sistema financeiro internacional vigente, os perigos dos mercados desregulados e a ditadura da especulação sem fronteiras. Os líderes mais improváveis juraram reformar as leis do sistema vigente, apostando na regulação e tentando assim devolver alguma segurança (e um pouco de racionalidade, já agora) às lógicas dos mercados internacionais. Mas eis que, pouco tempo depois, tudo parece ter sido esquecido. Uma onda de amnésia varreu com certeza as mentes dos líderes mundiais. O sistema continua a funcionar em todo o seu esplendor e Portugal foi apanhado bem no meio de um novo furacão. Os mesmos mercados que exigiram investimento público como condição para se acalmarem apontam agora o dedo aos défices públicos, exigindo que sejam reduzidos. De outro modo, serão implacáveis.
No meio de tudo o que se está a passar, podemos naturalmente censurar os mercados, o sistema e a lógica vigente que impôem. No entanto, e com um pouco de ironia (confesso), julgo que quase lhes devemos uma salva de palmas. É que mesmo encontrando-se totalmente desacreditados, de ser evidente a irracionalidade em que assentam e a injustiça tremenda que provocam, a ditadura dos mercados continua a ser questionada por uma minoria. Mesmo sendo evidentes as suas contradições e até os pontos onde se encontram a falhar, uma vasta maioria continua a assumir que não existe alternativa ao sistema económico vigente. Este mantém-se quase intocado depois de tudo o que se tem vindo a passar. Uma verdadeira e quase inacreditável façanha, sem dúvida...
Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
(Imagem: Engage Selling)
4 comentários:
Uns economistas, que se dizem horrorizados,
não se deixam sequer fazer ouvir...
Coitados!
(são dez as mentiras que de tão repetidas
por verdadeiras hoje são tidas)
O remédio que nos venderam revelou-se um veneno. A que mercado é que podemos reclamar? Ainda temos os dois anos de garantia?
Ironias e brincadeiras à parte, gostava de deixar aqui um texto que aborda um artigo que saiu há uns meses no «Le monde diplomatique» referente a toda esta situação económica que aqui também é tratada:http://abuscapelasabedoria.blogspot.com/2010/10/uma-retrospectiva-sintese-e-opiniao.html
Acho que já é altura de abandonarmos o escapismo habitual.
- Os "mercados que acabam por tudo ditar" são os tipos que nos emprestaram dinheiro, vulgo os credores.
-Não nos iludamos "Os Estados foram chamados a intervir não só salvando inúmeras instituições financeiras, mas sobretudo aumentando o investimento público para manter as economias em funcionamento" mas fizeram-no pedindo mais empréstimos a outras instituições financeiras, ou seja, ao "mercado".
Enquanto não sairmos desta narrativa delirante que atribui ao Estado todas as virtudes e poderes não estamos preparados para viver no mundo real. Continuaremos a falir, colocando-nos totalmente à mercê do que dizemos odiar.
Fernando, não nos coloque a todos pf como uns delirantes. Como sabe, estou muito longe de atribuir ao Estado todas as virtudes. De qualquer modo, foi o Estado (vulgo "nós") que atenuou toda a situação e que agora está a sofrer as consequências da sua actuação.
De qualquer modo, já agora, desenvolva um pouco sobre o que deve ser a alternativa ao escapismo habitual.
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