Está escolhido o bobo do atual elenco governamental. Rui Machete tem sido de facto um ótimo entertainer do país. Com um espetáculo deprimente, daqueles que chega a embaraçar os que a ele assistem, cada vez que o ex-ministro de Cavaco Silva abre a boca, chega-nos uma pérola. E por mais que Passos Coelho o tente minimizar ou escamotear, não estamos a falar de ligeiras gafes, daquelas que acontecem aos melhores. Pelo contrário. Curiosamente, esta queda dos anjos cavaquistas, aqueles que eram saudosamente lembrados como grandes homens, tem-se revelado um espetáculo recorrente.
Mas vale a pena recordar o conjunto de pequenas revelações que têm aos poucos posto abaixo o grandioso Rui Machete. A sua nomeação para o Governo levantou logo uma série de dúvidas. O experiente ex-ministro de Cavaco, cuja contratação tanto orgulhou Passos Coelho, tinha proximidades um poucos estranhas ao triste mundo do BPN. Machete foi durante muitos anos presidente do Conselho Superior da SLN, que reunia os principais acionistas do Grupo SLN/BPN. Um detalhe, portanto. Seguiu-se, como se sabe, o seu esquecimento sobre as ações que afinal detinha na SLN. Um pormenor que permitiu que não fosse auscultado nas Comissões de Inquérito ao maior crime financeiro que a democracia portuguesa já assistiu. Coisa pouca, portanto.
Mas é o pedido de desculpas diplomático a Angola que atira definitivamente Machete para a ribalta. Num rasgo de entusiasmo fraternal na Rádio Nacional de Angola, o Ministro dos Negócios Estrangeiros pede desculpas diplomáticas pelos processos judiciais que correm em Portugal envolvendo altas figuras do Estado Angolano. Gesto que levanta imediatamente duas grandes questões: por um lado, o ridículo que é um responsável político desculpabilizar-se perante um país terceiro por processos judiciais em curso no seu país. Só por si, esta questão é já mais do que suficiente para a demissão. Não se trata de um detalhe. Trata-se de uma menorização externa da justiça portuguesa por parte do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
E as declarações de Machete tornam-se ainda mais graves quando deixam instalar a dúvida sobre o conhecimento indevido que o mesmo podia ter sobre os processos em curso. E os seus esclarecimentos na Assembleia da República a este respeito foram simplesmente lamentáveis. Se a isto acrescentarmos que o grande escritório de advogados onde Machete foi consultor nos últimos anos representa muitos dos responsáveis angolanos em causa, o grave transforma-se rapidamente em gravíssimo ou intolerável.
E em todos estes processos, como reage o ex-ministro Cavaquista? Indignado, claro. Estávamos à espera de quê? Indignado com as consecutivas e humilhantes tentativas de assassinato político de que a sua pessoa tem sido alvo. Algo ultrajante, portanto. Sente-se verdadeiramente perseguido pelo sistema.
Machete junta-se assim a uma série de vultos do Cavaquismo que, quando melhor escrutinados, acabam por revelar demasiados pés de barro, demasiadas linhas no currículo menos bem explicadas. São grandes referências até ao momento em que alguém tentou perceber um bocadinho melhor a seu respeito. Podemos tirar duas lições destes episódios: a primeira é que o melhor que alguns senadores podem fazer é ficar por casa sem levantar grandes ondas, pois está visto que a queda deste tipo de anjos é uma calamidade nacional. A segunda lição é que flagrantes tão grandes como os de Rui Machete não são suficientes para uma demissão. Eis uma demonstração clara de que batemos mesmo no fundo. Perdeu-se totalmente a vergonha.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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