São conhecidas as noites eleitorais em que, subitamente, parece que ninguém perdeu. Como se fosse possível todos terem ganho ou, pelo menos, não existirem derrotados assumidos. Não foi isso que exatamente aconteceu com esta campanha, mas existiram alguns contornos curiosos a este respeito.
A existir um grande derrotado, o PSD assume-se claro como o principal candidato ao referido título. Para além da humilhante derrota em Lisboa, a perda do Porto e de Gaia é o reflexo do mau período eleitoral em que o partido se encontra. Tal deve-se, sem dúvida, ao desgaste do Governo, mas também às péssimas opções na escolha dos candidatos a municípios importantes como os acima referidos. As candidaturas de Seara, Menezes e Carlos Abreu Amorim foram pura e simplesmente desastrosas.
O PS, por seu turno, teve grandes vitórias, não haja dúvidas a este respeito. Mas teve também alguns percalços sintomáticos. Conseguiu que o Porto lhe fugisse e conseguiu perder o seu conhecido Matosinhos. Perdeu Loures e perdeu Évora. A vitória de António Costa foi sem dúvida retumbante, embora não tenha constituído uma grande surpresa nesta noite eleitoral. Destaque sim para a recuperação de Sintra que, embora à tangente, é um concelho que alia a dimensão com um simbolismo não menosprezável.
O PCP mostrou, por seu turno, que consegue ser uma força autárquica poderosa. Obteve bons resultados em Lisboa e Porto, ganhou Loures e Évora, dominou quase por completo o distrito de Setúbal e conseguiu assim demonstrar que uma boa estrutura militante faz toda a diferença. Demonstrou mais uma vez a todos os céticos ser um partido que, à sua maneira, tem saúde e recomenda-se. Possui grandes calcanhares de Aquiles, mas… Quem não os tem?
No que a Bloco diz respeito, demonstrou mais uma vez as suas dificuldades no que à implantação local diz respeito. Os restantes partidos com assento parlamentar levam-lhe 25 anos de avanço, mas ficou mais uma vez demonstrado que a fraca estrutura militante do partido obriga-o a pagar um preço pesado neste tipo de eleições. Sobretudo numa campanha com uma limitada cobertura dos órgãos de comunicação social. O Bloco deve naturalmente refletir para, no mínimo, tentar ser um partido menos exposto a este tipo de vicissitudes.
Nos Açores, confesso que fiquei surpreendido com alguns resultados. Em primeiro lugar, não contava com a derrota do PS em Ponta Delgada. Mesmo com toda a máquina do partido do poder a funcionar, mesmo com a notoriedade de 16 anos como Secretário Regional, José Contente conseguiu perder para José Manuel Bolieiro. Muito estranho. Curiosa foi também a vitória de Ricardo Rodrigues em Vila Franca do Campo. Eis uma candidatura estranhamente bem-sucedida, apesar de todas as polémicas que o seu líder esteve envolvido nos últimos anos.
No que aos municípios eleitoralmente insólitos diz respeito, destaque para as derrotas do PSD na Madeira, nomeadamente no Funchal. Temos razões para celebrar. Destaque também para o facto de, apesar do seu líder estar atrás das grades, o movimento Isaltino ter ganho novamente Oeiras, um dos concelhos modelo do país nos mais diversos indicadores socio-economicos. Ou seja, a mentalidade do “rouba, mas faz” não é coisa da “província”.
Podem ser feitas leituras nacionais dos resultados autárquicos? Sendo intelectualmente honesto, perante os milhares de candidaturas de todo o país, cada uma com a sua especificidade, diria que é muito difícil. Mas acaba também por ser inevitável fazê-lo, dado o simbolismo que algumas candidaturas assumem. O rescaldo das autárquicas promete.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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