domingo, 27 de outubro de 2013

Uma questão de fé


Agora ficámos a saber que, afinal, o segundo resgate não está assim tão eminente. Se o país se portar bem, e não tivermos juízes do Tribunal Constitucional armados em ativistas, deverá sim existir um “Programa Cautelar” (?) a partir do segundo semestre de 2014. Em linhas genéricas, continuaremos a ir aos ditos mercados com o apoio exterior e, como tal, teremos de cumprir um conjunto de condições ditadas por (adivinhem?): Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Mas o Governo garante-nos a pés juntos que tal se trata do fim efetivo desta forte dependência externa.

Há duas semanas atrás, ficámos também a saber que, apesar de mais uma leva de cortes brutais nos salários, nas pensões, nos direitos, tal não representava mais uma vaga de austeridade. Pelo contrário, tal como sobretudo o CDS colocou, tratava-se de um último esforço antes de Portugal se libertar do protetorado externo. Não era austeridade, portanto, mas sim uma espécie de sprint final. E depois deste orçamento, tudo começaria a voltar ao lugar.

Simultaneamente, apesar da nova austeridade que não o é e da continuação da dependência externa que só as más línguas identificam, o discurso governamental é agora insistentemente salpicado pelos “sinais de recuperação”. Ou seja, apesar dos cidadãos sentirem na pele que a país piora de dia para dia, dizem-nos existirem sinais de que isto está a ir ao sítio. Ninguém sabe exatamente do que se trata, onde se refletem, de onde vêm, pero que los hay, los hay.

E a suprema ilusão do cidadão é achar que a política governamental está a falhar redondamente. Desemprego em níveis históricos? Cortes como nunca vistos? Níveis de consumo miseráveis? Metas orçamentais constantemente falhadas? Tudo pura ilusão do cidadão. Aliás, não é bem ilusão, porque o Governo até reconhece que a situação está difícil. A nossa perspetiva não deve ser a melhor, porque se este Governo nos garante que estamos a melhorar, nós acreditamos, claro.

Artigo publicado sexta-feira no Esquerda.net

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