Na semana da morte de Nelson Mandela, vimos subitamente todo o mundo reclinar-se perante um das figuras mais marcantes da 2ª metade do Século XX. Mandela tornou-se uma figura consensual, símbolo da resistência, mas também da paz e da capacidade de perdoar. Subitamente os elogios a Madiba vêm dos mais diversos quadrantes, tornando o pai da Africa do Sul como uma figura quase acima da política. O problema é que os grandes consensos assentam também, bem ou mal, em grandes esquecimentos. E no caso de Mandela, a situação tornou-se evidente de mais. Cavaco Silva, por exemplo, que mandou desde logo condolências aos familiares, esqueceu-se que o seu Governo, em 1987, votou vergonhosamente nas Nações Unidas contra a libertação de Mandela. Eis as faltas de memória que tanto jeito dão.
Mas, passando a domínios bastante mais terrenos, esta foi também a semana em que se avançou com a privatização dos CTT. Com pompa e circunstância, uma empresa pública que não era deficitária foi privatizada com vista a amortizar-se a dívida. Curiosamente, tal privatização foi criticada não apenas pelo Bloco e PCP, mas também pelo PS, que considera que a alienação em curso é lesiva dos interesses do Estado. Curiosamente, o indignado PS dos dias de hoje é o mesmo que há três anos e meio atrás desmultiplicava-se em explicações sobre a viabilidade de privatizar-se os CTT. Do Sócrates ao Passos, descubra as diferenças.
E o mesmo se passa com os estaleiros de Viana do Castelo. No sábado passado, houve direito a uma sessão de solidariedade com os trabalhadores dos estaleiros. A iniciativa reuniu diversas figuras públicas da esquerda, destacando-se também alguns notáveis socialistas: de Mário Soares a Miguel Laranjeiro, passando por Ana Gomes. E ainda bem que assim é. Só é pena que
tais posicionamentos parecem esquecer-se da política do anterior Governo a este respeito, onde se destacava precisamente a vontade de privatização dos estaleiros. Os resistentes de hoje são os mesmos que há pouco tempo atrás tinham uma visão um pouco diferente do problema.
Esta tão grande mudança de posicionamento nestas ou noutras dimensões semelhantes pode ser considerada estranha, ou talvez não. É naturalmente muito conveniente para o PS mostrar-se indignado com diversas opções do governo PSD/CDS. Mas o certo é que o Memorando de Entendimento com a troika continua a enquadrar grande parte das ações do atual Executivo: das privatizações à diminuição dos quadros do Estado, das limitações nas prestações sociais à racionalização da rede de escolas e hospitais públicos. E adivinhem quem foi o grande autor do referido memorando de entendimento? O Governo PS, como é evidente. Este tipo de acordos internacionais não nos são apresentados prontos a assinar por parte dos credores internacionais. Pelo contrário, este foi construído internamente pelo Governo em funções, pré-aprovado externamente pelos credores e posteriormente assinado pelas conhecidas forças políticas: PS, PSD e CDS.
Estas tão grandes mudanças de posicionamento apostam fortemente na falta de memória da sociedade civil. Eis um comportamento que não enobrece a política e leva depois os cidadãos a considerarem “os políticos” como um bando de mentirosos. Mas se podemos atribuir responsabilidades aos próprios políticos, importa também esperar mais das instituições da sociedade civil, que assumem o importante papel de fiscalizar e contrabalançar a atividade politica. Destaque natural para a comunicação social, mas também para a academia, para as organizações não-governamentais. São estes sectores sociais e profissionais que têm de garantir que estas jogadas de “falta de memória” não passam incólumes. Uma democracia forte exige uma sociedade civil atenta, funcionando como um bom fiscalizador da atividade política. A qualidade da democracia assim o exige.
Arrtigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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