O país ficou a saber na semana passada a impossibilidade de um entendimento entre o Bloco de Esquerda, o Manifesto 3D, o Partido Livre e a Renovação Comunista. Após algumas notícias desgarradas na comunicação social, temos já um facto consumado. O problema é que poucos são aqueles capazes de esclarecer cabalmente as razões desta falta de entendimento. Entre explicações personalistas (ex: o Bloco não gosta do Rui Tavares) e explicações mais estruturais (ex: o Bloco não podia apoiar a proposta do 3D de formação de um novo partido que desaparecia após as eleições), tudo não passam de motivos parciais e nebulosos. E, sobretudo, são explicações exotéricas para um eleitorado que não tem tempo a perder com detalhes da “vida privada” da esquerda portuguesa.
O tema da união de esforços à esquerda em Portugal não é novo. É pelo menos tão antigo quanto a nossa democracia. E as razões desta desunião são muito diversas, existindo variadas teorias a este respeito. Algumas consideram que a base leninista dos partidos à esquerda do PS, que determina que cada um deles se considere a única verdadeira vanguarda política, impossibilita entendimentos eleitorais ou programáticos mais profundos. Outras teorias sublinham que, desde o período de transição para a democracia (1974-1976), o conflito político-ideológico não se faz entre a esquerda e a direita, mas sim entre o CDS-PSD-PS e a restante esquerda. Ou seja, existe uma muito maior divergência ideológica entre o PS e a sua esquerda, do que entre o PS e a sua direita. A meu ver, esta é uma explicação muito mais consistente, existindo alguns estudos académicos que assim o demonstram.
De qualquer modo, seria de esperar que, passados quase 40 anos de democracia, as raízes de tal desunião passassem a ser coisa do passado. Que as velhas cicatrizes estivessem ultrapassadas, que os olhos estivessem postos no futuro com o necessário realismo que o presente exige. Mas não.
Neste sentido, também não é novo dizer-se que a esquerda tem muito a aprender com a direita política. Ao longo dos quase quarenta anos de democracia, sempre assistimos a uma grande capacidade de aproximação do PSD e do CDS. Mas não só. A criação de coligações eleitorais com pequenos partidos como o MPT ou o PPM também não são uma novidade.. A direita sempre teve uma relativa facilidade em colocar na gaveta as velhas divergências, encontrando pontes comuns que sustentem alianças eleitorais. E os resultados estão à vista, sendo o presente Governo um bom exemplo a este respeito. Na nossa democracia, não foram aliás raras as vezes em que, sendo a esquerda eleitoralmente maioritária, a impossibilidade de entendimento determinou que a direita fosse preponderante.
Como é evidente, acho que a esquerda apenas devia aprender com a direita no que ao pragmatismo diz respeito. O verdadeiro problema em diversos setores da esquerda é que cada pessoa pensa de mais pela sua cabeça. Pensa tanto pela sua cabeça, que as dificuldades de alinhamento são difíceis. A mínima discordância ideológica ou estratégica acaba por ser a razão que impossibilita qualquer alinhamento. O puritanismo mostra-se então em todo o seu esplendor.
No meio de tudo isto, o eleitorado olha para esta sempre ativa (mas confusa!) esquerda portuguesa com alguma apreensão. Como é possível que não se consiga entender? Nem sequer entre a esquerda à esquerda do PS? Não tenhamos dúvidas que esta esquerda à esquerda do PS acabou de dar um mau sinal a este eleitorado. Resta esperar que as reações negativas sobre tal falta de entendimento obriguem a um maior empenho em aproximações futuras. Não sendo possível uma frente eleitoral para as Europeias, comece-se pelo menos a trabalhar desde já em entendimentos capazes de crescer até às Legislativas de 2015.
Artigo ontem publicado no Açoriano Oriental
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