Para além dos valores alarmantes da abstenção, as últimas eleições foram também marcadas por uma significativa fragmentação das tendências de voto. Destaque natural para o MPT, que devido ao estilo “Beppe Grilo” do seu candidato, atingiu os 7%, conseguindo assim ir buscar votos sobretudo ao centro-direita. Mas foi à esquerda que a fragmentação assumiu proporções maiores. O Livre de Rui Tavares ultrapassou os 2%, com uma estreia invejável nas urnas. O PAN, embora seja mais do que questionável se se trata de uma força de esquerda ou não, também ficou próximo dos 2%. Na esquerda, esta fragmentação não se refletiu na votação obtida pelo PCP. Pelo contrário, a pouca flexibilidade programática dos comunistas foi desta vez recompensada com um resultado histórico, à beira dos 13%. O Bloco, por seu turno, obteve mais uma pesada derrota, sendo notoriamente a força política mais afetada pela fluidez do eleitorado.
Os problemas do Bloco têm sido bastante debatidos nos últimos tempos. Sendo o mais recente partido com representação parlamentar, possui uma estrutura orgânica frágil, com fraca implantação local e uma baixíssima taxa de militância, ficando portanto mais sujeito a flutuações eleitorais. Por outro lado, enquanto partido recente, os seus bons resultados ficaram tipicamente a dever-se ao carisma da liderança e a uma boa capacidade de posicionamento na agenda política, ganhando protagonismo em temas que marcam sempre o eleitorado: desde a oposição de primeira linha às intervenções militares no Iraque e no Afeganistão, passando pela temática dos direitos dos homossexuais, dos imigrantes ou a legalização da canábis. Para além deste domínios, posicionamentos fortes na defesa da educação pública ou do sistema nacional de saúde valeram-lhe grande reconhecimento e simpatia externa. O Bloco conseguiu assim encontrar um bom espaço entre o centrismo do PS e a ortodoxia do PCP, ganhando um eleitorado de centro-esquerda e da esquerda radical que até então encontrava dificuldade em posicionar-se nos partidos existentes.
Mas do mesmo modo que beneficiou de uma flutuação rápida de determinado eleitorado para as suas hostes, mantê-lo e fazê-lo crescer revelou-se sempre como o grande desafio. Sobretudo quando este eleitorado é conhecido por ser tipicamente jovem, tipicamente qualificado e tipicamente urbano. No fundo, a fatia do eleitorado mais exigente, mais informada, que não perdoa pequenos deslizes. Por outro lado, se antes beneficiava de boa imprensa, que em muito o fez crescer comparativamente com um PCP por exemplo, os referidos tempos áureos terminaram. As suas fragilidades internas e externas passaram a ser melhor exploradas pela comunicação social, o que naturalmente criou mossa. Opções arriscadas nos últimos anos, como a famosa recusa em dialogar com a Troika, o apoio imediato a Manuel Alegre ou passagem para uma direção bicéfala, pagaram-se caro. A saída de alguns militantes emblemáticos também teve grande impacto.
Mas mais do que explorar opções erradas ou pouco compreendidas, assim como personalizar problemas, o momento atual no Bloco deve ser analisado através da sua capacidade ou não de se reposicionar, de reagir à onda negativa em curso. A sua capacidade de procurar rapidamente adaptar-se à mudança em curso e não perder um espaço político entre o PS e o PCP que, continuando a ter enorme potencial, é também bastante volátil. Que caminhos podem, a meu ver, ser melhor explorados? O Bloco deverá reforçar a sua base militante e estruturas locais, aproximando-se de um modelo de partido de massas, ou continuar a ser um partido que faz sobretudo uma exploração inteligente da agenda em curso? Deverá endurecer a sua linha política ou deverá procurar convergências e denominadores comuns à esquerda? Abordarei estes necessários desafios no próximo artigo.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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