quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Até já, Camaradas


Como o post anterior demonstra, hoje (dia 10) formalizei a minha saída do Bloco de Esquerda. Uma daquelas decisões que, embora resultando de um longo processo de reflexão pessoal, acaba por ser de uma grande violência, inclusive emocional.

Desvinculei-me do Bloco de Esquerda após muitos anos de esforço colectivo, de activismos diversos, de entrega às mais variadas causas. No momento presente, a desvinculação significou interromper o mandato em regime de substituição na Assembleia Municipal de Lisboa, assim como o trabalho desenvolvido na Assembleia de Freguesiade Santo António em LisboaRepresentou abandonar também a coordenadora Concelhia de Lisboa, significou terminar a colaboração de mais de cinco anos com o Esquerda.net, determinou não mais colaborar com o grupo de pessoas da Plataforma 2014 que corporizou nos últimos anos a Moção B às Convenções e a Lista B em Lisboa.

Mas se o envolvimento era tanto e a entrega tão grande, o que me fez abandonar o Bloco? O post

Quando ingressei no Bloco de Esquerda, fi-lo por ter a certeza absoluta que este era o projecto que o país precisava e que mais se adequava ao que defendo ideologicamente. Uma esquerda moderna, arejada, inteligente, corajosa. Uma esquerda que soube romper com os discursos do passado e agarrar novas causas, falar para um eleitorado de esquerda e centro esquerda que ansiava por uma lufada de ar fresco. O Bloco esteve sempre no centro do que melhor a Esquerda fez nos últimos anos em Portugal. E esteve sem nunca vergar, convicto do que defendia, incorruptível, sem papas na língua, sem telhados de vidro. Como diria o Miguel Portas, esteve “sempre com os de baixo”.

O Bloco teve também uma extraordinária capacidade de agregar em seu torno um conjunto de visões de esquerda bastante diversas, que conseguiram fazer da diversidade a sua maior força. Num espírito de abertura, sem tabus, procurando pontes e denominadores comuns. Aliás, esta última dimensão será talvez para mim a mais importante: o Bloco surgiu para quebrar o impasse político da falta de unidade da esquerda em Portugal. Foi constantemente desafiando o PS dos ziguezagues, dos interesses instalados, o PS que de esquerda por vezes parecem apenas restar as proclamações vazias e o cravo ao peito no 25 de Abril.

Internamente, sempre defendi que o Bloco não se podia alhear desta sua missão de fazer pontes, de assumir a diversidade da esquerda, procurando sempre os denominadores comuns. Internamente sempre defendi que o Bloco deveria ser o principal desbloqueador do sectarismo que é tão típico da Esquerda. E de facto, não tenho dúvidas que as maiores iniciativas de aproximação da Esquerda em Portugal nos últimos quinze anos tiveram o apoio/participação do Bloco. Seja na luta pela descriminalização da IVG, na aprovação dos casamentos das pessoas do mesmo sexo, ou iniciativas mais abrangentes como o Congresso Democrático das Alternativas. O Bloco esteve lá e contribuiu ativamente para o sucesso das mesmas.

O problema é que, na minha análise, por razões diversas, o Bloco tem nos últimos anos deixado de assumir esta sua missão de quebrar o impasse à esquerda. A sua recusa de analisar seriamente uma política de alianças nas eleições legislativas, europeias ou autárquicas são exemplo disso. A sua dificuldade em perceber que, por maior risco que tal constitua, a mudança faz-se sobretudo indo para o poder e implementando políticas. E, por último, algumas decisões recentes manifestamente erradas de rejeitar qualquer possibilidade de alianças com o Livre o ou Manifesto 3D, criaram um fosso grande com o que eu acho que deve ser o caminho para a construção de Esquerda Grande ou de alternativa de Esquerda para Portugal.

A meu ver, tendo perdido o seu "encanto" junto da comunicação social e passando a ter uma forte concorrência no seu campo político (Livre, PS de António Costa, etc), o Bloco precisava rapidamente de um golpe de asa que lhe permitisse refundar-se e voltar a sintonizar-se com o seu eleitorado. Um eleitorado de esquerda e centro-esquerda que, não percebendo nem tendo paciência para as quezílias, deseja há muito um governo de esquerda para Portugal.

E esta não é uma reflexão que tenha feito com os meus botões. Disse-o sempre nos mais diversos espaços de discussão. Disse-o nas últimas duas convenções, em debates de listas, em plenários concelhios e distritais. Escrevi também sobre isso: por exemplo aqui, aqui e aqui

Não tem sido essa a orientação seguida nos últimos anos. Pelo contrário, considero que o rumo seguido pelo partido, que tem levado ao abandono de tantas e tantos, e cujos resultados eleitorais estão à vista, parece ter sobretudo como objetivo ocupar o espaço da Esquerda de protesto do que da Esquerda da alternativa. E assim sendo, julgo que Portugal já possui um partido que é uma caso de estudo internacional a este respeito – chamado PCP – não necessitando por isso de mais uma força política no referido espaço.

Assim sendo, deixo o Bloco de Esquerda por divergências políticas e estratégicas. Deixo o partido porque nunca o vi como um fim, mas sim como um meio para atingir algo. Não deixo o Bloco pelo episódio A ou B, pela situação X, Y ou Z. Deixo por divergência política, por discordância com o rumo seguido. Gostava que não existissem dúvidas a este respeito.

Julgo que, apesar deste ser um momento difícil, este é também o momento para sublinhar que sempre encontrei nas pessoas do Bloco uma integridade férrea, um ativismo convicto e desinteressado que todos os dias nos ensina que andamos cá para tornar as coisas melhores, para promover a mudança que é tão precisa. Sempre encontrei também no Bloco uma liberdade de discussão e um respeito pela diferença que não permite ao partido receber lições a este respeito de qualquer outra força política. E, não menos importante, encontrei no Bloco cabeças que pensam por si, que dificilmente vão em carneiradas. Espíritos livres. É verdade que não encontrei santos ou virgens, mas julgo que esses fazem pouca falta.

Resta-me sublinhar que deixo no Bloco muitos amigos e camaradas, pessoas pelas quais tenho uma enorme estima e respeito. Muitos companheiros de luta. Mas porque há muito a fazer e porque espaços para trabalho conjunto na esquerda não faltarão com certeza (lutarei sempre por isso mesmo), despeço-me com um sincero e amigo “Até já, Camaradas”.

7 comentários:

Aníbal C. Pires disse...

fiquei surpreendido

Aníbal C. Pires disse...

fiquei surpreendido

Aníbal C. Pires disse...

fiquei surpreendido

Aníbal C. Pires disse...

Porque será que não fiquei surpreendido.
Abraço

Aníbal C. Pires disse...

Porque será que não fiquei surpreendido.
Abraço

João Ricardo Vasconcelos disse...

Saio do Bloco, mas continuarei na Esquerda, a fazer tudo para que a sua unidade seja possível. abraço

Anónimo disse...

Li atentamente. E revi um testemunho de honestidade pessoal e seriedade política que admiro e aprecio.

«É verdade que não encontrei [no Bloco] santos ou virgens, mas julgo que esses fazem pouca falta.»

Servindo-me igualmente da ironia, digo ainda bem, pois há uma certa "santidade" e uma pretensa "virgindade" que não interessa nem sequer ao menino Jesus!

Abraço.