Nos últimos anos, fomo-nos habituando a grandes processos judiciais, que originam rios de tinta na comunicação social. Fomo-nos habituando a um circo mediático em torno de questões dos tribunais que anteriormente parecia não existir. Do caso Casa Pia ao Bragaparques, da Licenciatura de Sócrates à Ongoing, tornou-se normal os cidadãos serem brindados com montanhas de informação que tornam cada caso numa autêntica novela. Jornalistas e comentadores parecem deliciar-se com tanta matéria-prima por explorar, os atores políticos digladiam-se no meio da intriga partidária e o Zé Povinho acaba o dia a chamar “Gatunos!” a tudo o que mexe. Um cenário deprimente, portanto.
O presente caso de Sócrates assume uma gravidade maior porque, independentemente de não ser a primeira vez que sobre ele recaem grandes suspeitas, desta vez atingiu-se um patamar um pouco diferente. Portugal possui neste momento um ex-primeiro-ministro preso. Um ex-primeiro-ministro na cadeia, atrás das grades, acusado de crimes de corrupção. Sócrates foi possivelmente o primeiro-ministro português mais emblemático desde António Guterres, marcando de forma determinante o cenário político nacional e com reconhecido impacto a nível internacional. Não se trata portanto de um ex-primeiro-ministro qualquer, tanto mais que continuou nestes últimos anos a ser um ator político de peso que teima em não abandonar a arena.
E é precisamente por Sócrates continuar a ser um ator bastante presente que a sua prisão possui um natural impacto na dinâmica política interna. Sobretudo a menos de um ano de eleições legislativas. Num momento em que o PS ganhava grande fôlego para vencer as legislativas de 2015, precisamente com uma nova liderança que exaltava os tempos de Sócrates, o ex-primeiro-ministro é preso.
Como é natural, por mais que se procure nesta fase inicial não contaminar o debate político com o caso Sócrates, a probabilidade de tal não acontecer é ínfima. Um ex-primeiro-ministro preso é um assunto dificilmente contornável nos tempos calorosos que aí vêm. As ramificações com o caso poderão rapidamente surgir, arrastando outro atores para a lama. Boatos e suspeitas poderão começar a ensombrar algumas caras mais próximas de Sócrates. Não tardará também que o PS comece a sentir-se perseguido politicamente (como aconteceu no caso de Paulo Pedroso) e comece a reagir politicamente a tal facto.
Por outro lado, tudo parece indicar que o caso Sócrates terá um de dois desfechos. A primeira hipótese é a manutenção do ex-primeiro-ministro na prisão, avolumando-se as suspeitas em seu redor, ao mesmo tempo que o sentimento de perseguição cresce no seio do PS. A segunda hipótese passa por Sócrates ser libertado a curto prazo, o que fará com que seja levado em ombros pelos seus camaradas e aumentará ainda mais o sentimento de perseguição.
Ou seja, independentemente de Sócrates ser qualificado de bestial ou besta (algo intermédio é difícil), esta sua prisão será sempre um caso político. E assim acontece porque é impossível que este episódio não tenha grande impacto nos desenvolvimentos políticos deste próximo ano. De uma maneira ou de outra, tal acontecerá.
E qual é o problema de tudo isto? Pois… É que mais uma vez uma questão lateral ao debate político se sobreporá ao mesmo, arrastando facilmente para o lamaçal qualquer discussão séria e que se pretenda ter em ano de eleições. Numa altura em que era absolutamente determinante que os portugueses se mantivessem focados no rumo que querem para o país e quais as opções determinantes para o efeito, o lamaçal parece ter surgido para ficar. E o pior é que já estamos habituados a que assim aconteça.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
1 comentário:
Gostei de ler.
E a conclusão é incisiva...
«Numa altura em que era absolutamente determinante que os portugueses se mantivessem focados no rumo que querem para o país e quais as opções determinantes para o efeito, o lamaçal parece ter surgido para ficar. E o pior é que já estamos habituados a que assim aconteça.»
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