Dada a conotação negativa que a palavra “política” tende a colher junto da opinião pública, se calhar muitos apoiariam ingenuamente a sua extinção. No entanto, como é evidente, a política no seu sentido original não deve ser confundida com a “politiquice” que nos é diariamente apresentada. Entre outras dimensões, a política discute o rumo das sociedades, a forma como se devem organizar, a forma como se devem governar. Para o efeito, baseia-se na existência de perspectivas diversas, de alternativas variadas, de diferentes caminhos possíveis a seguir. Ou seja a política existe porque existem opções. Opções diversas e frequentemente antagónicas.
Surge este curto enquadramento a propósito da aprovação na última sexta-feira da proposta do Orçamento de Estado. Um orçamento que prevê medidas de austeridade sem precedentes para o país, enquadrado pela crise economico-financeira internacional e por uma pressão crescente dos mercados. Apesar da aprovação ter sido precedida de dois meses de intensa cobertura, o comentário mainstream sobre a proposta de orçamento circunscreveu-se a dois tipos de posicionamento: “são medidas duras, mas necessárias” e “precisamos de medidas ainda mais duras”. Trocado por miúdos, o discurso da inevitabilidade instalou-se totalmente, afastando qualquer possibilidade de alternativa ao tipo de políticas seguidas. Parece ter-se decretado subitamente a extinção da política, ou da economia política se preferirem.
E tal visão de ausência de alternativa toca diversas dimensões. Por um lado, assume-se sem hesitação que o actual funcionamento dos mercados financeiros internacionais é uma fatalidade. Como se de uma lei natural se tratasse e não de um modelo económico há muito prosseguido. Neste contexto, assume-se igualmente que o caminho a seguir num momento de retracção económica como o actual é o corte na despesa pública. O keynesiano modelo de aumento do investimento público como forma de impulsionar a retoma económica é agora totalmente posto de parte. Por último, e dando de barato a inevitabilidade da redução da despesa pública, subitamente parece que a mesma só pode ser conseguida com cortes nos salários, nas prestações sociais e aumentos no IVA. Como se não existissem outros caminhos para conter os gastos do Estado.
Tudo parece ter-se tornado inevitável, não existindo caminhos alternativos a seguir. Podemos fazer tudo mais a gosto ou mais a contra-gosto, mas não existe escapatória ao rumo definido. Aliás, a febre da inexistência de alternativa atingiu um dos seus pontos altos com as reacções da maioria dos opinion makers sobre a greve geral. Embora reconhecendo a fortissima adesão registada, os comentadores apontaram sobretudo a sua inutilidade e a quase ingenuidade dos que a ela aderiram. Afinal de contas, para quê dar-se ao trabalho e perder tempo a protestar contra inevitabilidades? Ou seja, até o exercício de um dos mais fundamentais direitos democráticos foi considerado desnecessário.
O discurso da inevitabilidade sempre foi massivamente utilizado para legitimar os rumos políticos. Não se trata, portanto, de uma novidade dos dias que correm. Mas o que surpreende é sobretudo o estranhissimo sentimento de caminho único a que parece ter-se chegado. Como se a defesa de caminhos alternativos, de políticas alternativas, fosse uma espécie devaneio excêntrico de alguns. A política sempre se baseou em dicotomias, oposições, alternativas. Acreditar na inexistência das mesmas equivale a acreditar na inexistência da política e, em última instância, na impossibilidade da própria democracia. É um bocadinho grave, portanto.
Surge este curto enquadramento a propósito da aprovação na última sexta-feira da proposta do Orçamento de Estado. Um orçamento que prevê medidas de austeridade sem precedentes para o país, enquadrado pela crise economico-financeira internacional e por uma pressão crescente dos mercados. Apesar da aprovação ter sido precedida de dois meses de intensa cobertura, o comentário mainstream sobre a proposta de orçamento circunscreveu-se a dois tipos de posicionamento: “são medidas duras, mas necessárias” e “precisamos de medidas ainda mais duras”. Trocado por miúdos, o discurso da inevitabilidade instalou-se totalmente, afastando qualquer possibilidade de alternativa ao tipo de políticas seguidas. Parece ter-se decretado subitamente a extinção da política, ou da economia política se preferirem.
E tal visão de ausência de alternativa toca diversas dimensões. Por um lado, assume-se sem hesitação que o actual funcionamento dos mercados financeiros internacionais é uma fatalidade. Como se de uma lei natural se tratasse e não de um modelo económico há muito prosseguido. Neste contexto, assume-se igualmente que o caminho a seguir num momento de retracção económica como o actual é o corte na despesa pública. O keynesiano modelo de aumento do investimento público como forma de impulsionar a retoma económica é agora totalmente posto de parte. Por último, e dando de barato a inevitabilidade da redução da despesa pública, subitamente parece que a mesma só pode ser conseguida com cortes nos salários, nas prestações sociais e aumentos no IVA. Como se não existissem outros caminhos para conter os gastos do Estado.
Tudo parece ter-se tornado inevitável, não existindo caminhos alternativos a seguir. Podemos fazer tudo mais a gosto ou mais a contra-gosto, mas não existe escapatória ao rumo definido. Aliás, a febre da inexistência de alternativa atingiu um dos seus pontos altos com as reacções da maioria dos opinion makers sobre a greve geral. Embora reconhecendo a fortissima adesão registada, os comentadores apontaram sobretudo a sua inutilidade e a quase ingenuidade dos que a ela aderiram. Afinal de contas, para quê dar-se ao trabalho e perder tempo a protestar contra inevitabilidades? Ou seja, até o exercício de um dos mais fundamentais direitos democráticos foi considerado desnecessário.
O discurso da inevitabilidade sempre foi massivamente utilizado para legitimar os rumos políticos. Não se trata, portanto, de uma novidade dos dias que correm. Mas o que surpreende é sobretudo o estranhissimo sentimento de caminho único a que parece ter-se chegado. Como se a defesa de caminhos alternativos, de políticas alternativas, fosse uma espécie devaneio excêntrico de alguns. A política sempre se baseou em dicotomias, oposições, alternativas. Acreditar na inexistência das mesmas equivale a acreditar na inexistência da política e, em última instância, na impossibilidade da própria democracia. É um bocadinho grave, portanto.
Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
(Imagem: Hellothere)
1 comentário:
O modelo keynesiano era um exemplo a seguir. Não no nosso caso. Isto porque temos um défice grande e a ideia é diminuir e não aumentar. Partindo desse pressuposto que não temos o dinheiro necessário a seguir um modelo keynesiano de aumento do investimento público. Simplesmente não temos. Não nas actuais condições. Já para não falar das dívidas publicas, privadas e externas. E das dificuldades de financiamento.
Portanto no fim de contas, qual é a alternativa?
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