terça-feira, 30 de novembro de 2010

O fim da política?

Dada a conotação negativa que a palavra “política” tende a colher junto da opinião pública, se calhar muitos apoiariam ingenuamente a sua extinção. No entanto, como é evidente, a política no seu sentido original não deve ser confundida com a “politiquice” que nos é diariamente apresentada. Entre outras dimensões, a política discute o rumo das sociedades, a forma como se devem organizar, a forma como se devem governar. Para o efeito, baseia-se na existência de perspectivas diversas, de alternativas variadas, de diferentes caminhos possíveis a seguir. Ou seja a política existe porque existem opções. Opções diversas e frequentemente antagónicas.

Surge este curto enquadramento a propósito da aprovação na última sexta-feira da proposta do Orçamento de Estado. Um orçamento que prevê medidas de austeridade sem precedentes para o país, enquadrado pela crise economico-financeira internacional e por uma pressão crescente dos mercados. Apesar da aprovação ter sido precedida de dois meses de intensa cobertura, o comentário mainstream sobre a proposta de orçamento circunscreveu-se a dois tipos de posicionamento: “são medidas duras, mas necessárias” e “precisamos de medidas ainda mais duras”. Trocado por miúdos, o discurso da inevitabilidade instalou-se totalmente, afastando qualquer possibilidade de alternativa ao tipo de políticas seguidas. Parece ter-se decretado subitamente a extinção da política, ou da economia política se preferirem.

E tal visão de ausência de alternativa toca diversas dimensões. Por um lado, assume-se sem hesitação que o actual funcionamento dos mercados financeiros internacionais é uma fatalidade. Como se de uma lei natural se tratasse e não de um modelo económico há muito prosseguido. Neste contexto, assume-se igualmente que o caminho a seguir num momento de retracção económica como o actual é o corte na despesa pública. O keynesiano modelo de aumento do investimento público como forma de impulsionar a retoma económica é agora totalmente posto de parte. Por último, e dando de barato a inevitabilidade da redução da despesa pública, subitamente parece que a mesma só pode ser conseguida com cortes nos salários, nas prestações sociais e aumentos no IVA. Como se não existissem outros caminhos para conter os gastos do Estado.

Tudo parece ter-se tornado inevitável, não existindo caminhos alternativos a seguir. Podemos fazer tudo mais a gosto ou mais a contra-gosto, mas não existe escapatória ao rumo definido. Aliás, a febre da inexistência de alternativa atingiu um dos seus pontos altos com as reacções da maioria dos opinion makers sobre a greve geral. Embora reconhecendo a fortissima adesão registada, os comentadores apontaram sobretudo a sua inutilidade e a quase ingenuidade dos que a ela aderiram. Afinal de contas, para quê dar-se ao trabalho e perder tempo a protestar contra inevitabilidades? Ou seja, até o exercício de um dos mais fundamentais direitos democráticos foi considerado desnecessário.

O discurso da inevitabilidade sempre foi massivamente utilizado para legitimar os rumos políticos. Não se trata, portanto, de uma novidade dos dias que correm. Mas o que surpreende é sobretudo o estranhissimo sentimento de caminho único a que parece ter-se chegado. Como se a defesa de caminhos alternativos, de políticas alternativas, fosse uma espécie devaneio excêntrico de alguns. A política sempre se baseou em dicotomias, oposições, alternativas. Acreditar na inexistência das mesmas equivale a acreditar na inexistência da política e, em última instância, na impossibilidade da própria democracia. É um bocadinho grave, portanto.

Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental
(Imagem: Hellothere)

I have the power!

É verdade, já tenho um IPad. Fiz parte dos cromos que deram um saltinho hoje de manhã à Worten (Colombo) e compraram o brinquedo mais desejado deste Natal. Depois da euforia de ter finalmente "o brinquedo" (yeah!!), estou agora na fase dos remorsos por ter gasto tanto dinheiro com um brinquedo (fuck!!!). Esta coisa do consumismo compulsivo de gadgets é terrível...
(Imagem: Venture Beat)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre a nova fuga do Wikileaks

Aprecio particularmente o conceito do Wikileaks e a sua utilidade tem-se revelado manifesta na denúnica de crimes de guerra no Iraque e Afeganistão, por exemplo. Mas a divulgação pura e simples de um enorme manancial de documentação diplomática é diferente. Por mais que choque o comum dos mortais, a diplomacia é assim e todos os Estados fazem-na de moldes semelhantes: observando, tirando ilacções e até conspirando.

A forma como o Wikileaks o fez pode informar, mas possui também um potencial de desinformação tremendo. Neste sentido, posso vir a mudar de opinião mas à primeira vista julgo ter sido uma acção mal conseguida por uma organização que tem demonstrado ter muito a dar.
(Imagem: Beehivecity)

sábado, 27 de novembro de 2010

No mundo das sondagens

A sondagem ontem divulgada da Marktest para o Diário Económico e TSF dá 78,3% para Cavaco Silva e 15 % para Manuel Alegre. Já a sondagem da Eurosondagem hoje divulgada no Expresso dá 57% para Cavaco e 32% para Alegre. A tendência geral é a mesma - Cavaco bem à frente de Alegre – mas a discrepância dos números entre as duas sondagens consegue chegar aos 20 pontos percentuais (?!?) Comentários para quê?
(Imagem: Guilherme Pereira)

RIP Contra-Informação

Depois de 15 anos no ar, o Contra-Informação chega agora ao fim. É um programa que marcou o humor em Portugal e criou figuras difíceis de esquecer (Acabado Silva, Coelhone, José Trocas-te, Bimbo da Costa, entre tantos outros). Chegou a assumir um papel importante na descodificação da actualidade política junto de sectores da população à partida menos interessados na mesma. É certo que o tempo do Contra-Informação pode já ter passado, mas é com certeza um programa que vai deixar saudades.
(Imagem: Por Outro Olhar)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Não é fácil fazer greve

A greve geral foi um sucesso, julgo não existirem dúvidas a este respeito. Por resultar da junção de forças da CGTP e da UGT e, sobretudo, por ter contado com uma tão grande adesão. A democracia mostra estar viva quando tantos decidem lutar pelos seus direitos. Por direitos comuns, sublinhe-se, numa perspectiva fraterna e solidária. A democracia não rima de facto com resignação.

Mas mesmo nestes momentos de grande adesão, é difícil não se interrogar porque não se conseguem adesões ainda maiores. Tendo em conta o ataque sem precedentes em curso, com cortes nos salários e nas prestações sociais, perdas de direitos, aumento do IVA, não seria de esperar uma paralização total e um grito de indignação ensurdecedor? Trocado por miúdos, está-se a ir ao bolso das pessoas de uma forma sem precedentes e mesmo assim continuam a parecer tantos os resignados com tal facto.

A verdade, há muito conhecida por sinal, é que não é fácil fazer-se greve nos dias que correm. É certo que nos tempos em que não existia liberdade os riscos eram imensamente maiores. Mas a opressão de outros tempos foi hoje substituída pela incrível força do individualismo, pela falta de sentimento de bem colectivo. Se noutros tempos havia o risco até da integridade física por se fazer greve, hoje expressões como solidariedade, fraternidade e defesa de direitos laborais são totalmente estranhas em inúmeros meios. Hoje, em diversos sectores, ser-se sindicalizado é uma extravagância.

E tal clima de escasso sentimento colectivo não deve ser desprezado. É ele que determina que muitos dos que aderiram à greve geral tenham sido considerados autênticos excêntricos e líricos, inclusive por colegas. É ele que determina que quem adere a este tipo de protestos, usufruindo de um direito basilar em democracia, possa ser olhado com desconfiança pelas suas chefias como se de um perigoso insubordinado se tratasse.

Por tudo isto, são naturalmente de saudar os muitos milhares de trabalhadores que abdicaram nesta quarta-feira de um dia de salário. Que tiveram a coragem de abdicar das boas graças dos seus superiores ou que se colocaram mesmo em situação de fragilidade num mercado de trabalho cada vez mais instável. Fizeram-no em defesa de direitos colectivos, de melhores condições de vida para todos. Muito mais simples seria não aderir a coisa nenhuma, não se chatear, assobiar para o lado, esperar que outros assumissem a linha da frente na defesa dos nossos direitos, prosseguindo assim calmamente com a nossa vidinha.

Por isso é que o que se passou nesta quarta-feira assumiu contornos tão especiais. Resta aproveitar o balanço e continuar a combater esta tendência alastrante que encara a defesa de direitos laborais comuns como algo quase exótico. A democracia agradece.

Artigo publicado hoje no Esquerda.net
(Imagens: PCP)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

4 anos de Activismo de Sofá


O primeiro aniversário é uma grande festa. O segundo é uma prova de seriedade. O terceiro já passa por nós sem grande alarido. E no quarto até nos esquecermos... É verdade, meus caros, este espaço fez quatro anos no passado dia 18 de Novembro e o seu autor só ontem se lembrou... Uma vergonha.

Têm sido quatro anos às vezes mais intensos, outras vezes nem tanto. Mas uma coisa parece certa: 1886 posts depois, o espírito blogger está-nos mesmo entranhado. Resta-me agradecer aos milhões e milhões (e milhões!) de visitantes que por aqui passam diariamente. Isto só faz sentido convosco! Sirvam-se de bolo à vontade, vá. :)

Democracia não rima com Resignação

A democracia mostra estar viva quando tantos milhares abdicam de um dia de salário e abdicam do sorriso dos seus superiores em defesa de direitos. Direitos comuns, sublinhe-se. A democracia não rima de facto com resignação.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

E se medíssemos a felicidade dos cidadãos?

É conhecida a visão distorcida que o PIB dá do desenvolvimento de um país. Aliás, porque é que o desenvolvimento (vulgo sucesso) de um país tem de ser medido com base em indicadores puramente económicos? Porque tem o sucesso de uma governação ou de um rumo político ter de ser simplesmente avaliado com base na económia?

Não são interrogações novas e as alternativas há muito que vão sendo identificadas. Avaliar a felicidade dos cidadãos é uma delas e agora será tentada no Reino Unido. O Canadá já tem igualmente alguns passos dados neste sentido. Trata-se de um indicador ultra-abrangente e 100% centrado no que os cidadãos têm de mais precioso. Assim sendo, estamos à espera de quê para seguir este caminho?
(Imagem: ShanghaiIST)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Greve Geral - Espectáculo

Os Highs and Lows de Obama em Portugal

O presidente americano já confidenciou aos seus círculos mais próximos os highs and lows da sua visita ao nosso país. Como ponto High, Obama destacou os maravilhosos Pastéis de Belém. Quanto ao ponto Low, o facto de ter de ver Cavaco Silva a comê-los... (consta ter sido um cenário ainda pior do que o episódio do bolo rei)
(Imagem: Casa Calado)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Portugal, a NATO e os "marcos históricos"

A Cimeira em Lisboa será um "marco histórico para a NATO", diz José Socrates. Hum... Marco histórico... Faz-me lembrar quando Durão Barroso sublinhou que devíamos estar orgulhosos de receber aquela que viria a ficar para História como a cimeira da guerra, nas Lajes.
(Imagem: Enciclopédia)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A crise e a forma como a vemos

Após o tão difícil consenso para a aprovação de um Orçamento de Estado que impôe sacrifícios impares, o nervosismo dos mercados continua a fazer-se sentir. Os juros da dívida pública portuguesa atingiram níveis insuportáveis. E tal fragilidade perante os mercados não se faz sentir apenas em terras lusas, mas também na Irlanda, Espanha e Grécia, países que implementaram igualmente duríssimos planos de austeridade. Nem mesmo as receitas mais ortodoxas de tipo FMI parecem estar a acalmar os mercados. A sua duvidosa racionalidade é cada vez mais evidente, por mais que tal incomode quem acredita na sua quase infalibilidade .

Neste contexto, começa a ser consensual para uma série de sectores que, por mais que tal possa esmorecer a luta política nacional, a solução de algo com os presentes contornos apenas pode ser encontrada a nível europeu. Ou seja, sem dúvida que podem (e devem) ser apuradas responsabilidades a nível nacional pelo cenário em que nos encontramos. Mas tal não deve escamotear o facto da presente crise económico-financeira ser estrutural, com razões que extravasam largamente as realidades nacionais. Num contexto de moeda única, com uma tão manifesta ausência de um governo político europeu, as economias europeias mais frágeis estarão sempre à mercê deste tipo de nervosismos dos mercados. O modelo económico-financeiro internacional e a forma como a Europa o apropria assim o permitem.

Parece assim claro que, tratando-se de um problema do modelo económico-financeiro internacional, a capacidade de um Estado nacional isoladamente mudar as regras do jogo é manifestamente reduzida. O mesmo não aconteceria, por exemplo, caso existisse vontade para o efeito num bloco regional com a dimensão, peso político e económico como a União Europeia. Tal não tem acontecido, a que não será alheio o facto das forças políticas que se encontram presentemente no poder nos maiores Estados-membros – centro-direita – não estarem particularmente interessadas na reforma do sistema economico-financeiro internacional. E para além da clara demonstração de fragilidade institucional por parte da Europa nos últimos tempos, destacou-se também a manifesta fraqueza identitária. Não foi necessário muito para alguns Estados-membros se apressarem a entregar os seus congéneres com economias mais fragilizadas ao sacrifício dos mercado.

Mas a mossa maior desta crise está a acontecer no modelo de Estado Social europeu, agora tão posto em causa. É certo que depois do período áureo dos Estado Providências europeus durante algumas décadas da segunda metade do século XX, as reformas e recúos êm sido significativos. Mas o que se passa agora é a quase total capitulação deste modelo económico-social perante as forças políticas que nunca o apreciaram particularmente. O papel social do Estado é agora cada vez mais mitigado em benefício de um discurso de teor liberal que defende abertamente um recúo dos direitos sociais. O “andámos a viver acima das nossas possibilidades” não se faz sentir apenas em Portugal, mas em toda a Europa.

Posto isto, com a presente crise podemos naturalmente embarcar na perspectiva de que tudo o que se está a passar é normal dada a irresponsabilidade despesista deste Governo e dos que o antecederam, não sendo a Europa para aqui chamada. Podemos igualmente assumir que a única coisa a fazer é reduzir o Estado Social, apostando na disciplina das finanças públicas. Cada cidadão é livre de o aceitar, mas deverá ter a noção de pelo menos uma coisa: esta perspectiva está longe de ser imparcial, resultando sim de uma concepção política liberal do que se está a passar.

Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Andamos um pouco cansados, não?

Num curtíssimo espaço de tempo ocorreram três graves calinadas ministeriais: tivemos um Ministro dos Negócios Estrangeiros a expressar um estado de alma a favor de um governo de coligação e tivemos um Ministro das Obras Públicas a garantir que o TGV é para avançar no mesmo dia em que o Ministro das Finanças deixa escapar a grande possibilidade de Portugal recorrer a ajuda financeira externa. Não é de agora, mas os sinais de cansaço na cúpula governamental começam a ser por demais evidentes...

domingo, 14 de novembro de 2010

O único outdoor de Cavaco...


...custou-nos 4 mil milhões.

O conteúdo acima chegou-me ao e-mail de forma viral. Confesso que não resisti a aqui publicar. Shame on me...

Política Emocional

É sempre a mesma coisa: chego a Bruxelas e sinto-me invadido por uma espécie de espírito europeu. O meu europeísmo atinge então níveis bem acima do normal. Eis apenas um exemplo perfeito de como as nossas ideias políticas são limadas por empatias perfeitamente irracionais que conseguimos ter por lugares, culturas, etc.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Discurso da Democraticidade

O actor político encontra sempre na legitimação pública dos seus actos ou propostas um dos seus principais desafios. Trocado por miúdos, e tal como é sobejamente conhecido, uma coisa são os fundamentos ou intenções anunciadas de uma política e outra coisa são os verdadeiros motivos que a norteiam ou justificam. Daí o tão grande esforço empreendido por quem as implementa ou defende, procurando legitimações que possam ser bem acolhidas pela opinião pública.

E é em medidas com efeitos sociais duvidosos que parece existir um maior esforço de criatividade legitimadora por parte dos actores políticos. Marisa Matias chamava a atenção neste espaço há uns dias atrás para o discurso dos abusos, tão frequentemente usado para reduzir prestações sociais, por exemplo. Na mesma linha, acrescentaríamos o discurso da democraticidade, utilizado para fazer recuar o Estado em determinados domínios sociais.

A possibilidade agora anunciada dos funcionários públicos poderem rescindir livremente da ADSE é um bom exemplo de como, através da capa da democraticidade, se procura nitidamente um recuo neste sub-sistema de saúde. Se a medida procura legitimar-se com o discurso de “deixar as pessoas escolher”, é certo que serão os funcionários públicos melhor remunerados que ponderarão a saída. Ou seja, está-se a abrir mão dos escalões mais preciosos para o financiamento do subsistema ao mesmo tempo que se anunciam novos cortes nas comparticipações. Um nítido convite ao abandono colectivo da ADSE, preparando caminho para a insustentabilidade e inutilidade que facilitarão no futuro a sua extinção.

Mas o discurso da democraticidade é também bastante usado noutros sectores. Veja-se o que acontece a nível da educação quando se defende a complementaridade dos sistemas público e privado de ensino, procurando uma comparticipação pública deste último. O argumento utilizado é sempre o da “liberdade de escolha do cidadão”, não sendo necessário ser-se grande adivinho para se perceber que as consequências últimas rondam sempre o recuo da rede estatal. Veja-se igualmente a possibilidade entreaberta dos sistemas privados de segurança social. Sob a capa da democraticidade, possibilita-se que o sistema público perca os cidadãos com escalões de rendimento mais elevados. Por último, atente-se ao que se passa com a defesa de comparticipações públicas e benefícios fiscais para a utilização dos sistemas privados de saúde, retirando-se assim precioso financiamento da rede pública.

Não deixa de ser curioso constatar que a democraticidade destas políticas públicas de base liberal é inversamente proporcional à componente de solidariedade e redistributiva das mesmas. Fomenta-se a utilização de sistemas privados, prescindindo-se quase sem pestanejar dos mecanismos de solidariedade e de redistribuição proporcionados pelos sistemas públicos. A meu ver, e sendo ideologicamente parcial, que limitada democracia esta em que em nome da liberdade se procura a toda a força que o Estado abdique de instrumentos centrais de promoção da igualdade social.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net
(Imagem: Squido)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre o “Corrupção - Denuncie aqui”

A criação no site da Procuradoria-Geral da República de uma área para os cidadãos denunciarem casos de corrupção não deixa de ser interessante, levantando um série de questões. Por exemplo, facilitar os mecanismos para os cidadãos fazerem estas denúncias é positivo. Mas o busílis da questão reside sobretudo no tratamento que as denuncias terão. Criar um plataforma destas é muito simples. Gerí-la é que é mais complicado. Vamos todos esperar que seja um projecto bem pensado e não penas a criação de um poço sem fundo virtual onde os cidadãos podem lá ir desabafar de vez em quando sem que daí ocorram quaisquer consequências.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tiros ao lado

Às vezes ficamos com a nítida sensação de tiros ao lado ao ler algumas notícias. Em vez de se tentar desbravar o terreno das irregularidades contratuais, dos concursos feitos, das prestações de serviços mal explicadas, hoje faz notícia o facto de um Secretário de Estado fazer nomeações para empresas públicas com critérios duvidosos... Uma vez que este tipo de nomeações não são sujeitas a concurso, obedecendo em última instância a critérios de confiança política, é preciso andar-se um pouco desnorteado para procurarem-se aí irregularidades. Penso eu de que...
(Imagem: © David Arky/Corbis)

A capa da democraticidade

A possibilidade dos funcionários públicos poderem renunciar à ADSE é um bom exemplo de como, através da capa da democraticidade, se consegue uma importante machadada neste sub-sistema de saúde. Com esta medida, serão os funcionários públicos melhor remunerados que ponderarão a saída da ADSE. Ou seja, está-se a abrir mão dos 1,5% dos escalões mais preciosos em termos de financiamento do sistema.

Curiosamente, tal é feito com o argumento da democraticidade e, mais insólito ainda, é feito num momento de crise onde todas as receitas são verdadeiras preciosidades. Enfim… Mas estamos admirados porquê?Como todos sabemos, em política nunca ninguém assumiria que o seu objectivo é acabar progressivamente com a ADSE, pois não?

sábado, 6 de novembro de 2010

Agora Escolha


A afirmação de Passos Coelho de que os governantes que promovam o endividamento devem ser responsabilizados civil e criminalmente é bonita, mas "inovadora" na medida em que não consta que exista em qualquer sistema democrático. Neste sentido, podemos dar a Passos a formidável possibilidade de escolher como prefere que sejam encaradas as suas declarações: uma demonstração de ignorância ou um rasgo de populismo?

Como é que ninguém se lembrou da Expo?

Bem sei que alguns defendem que a responsabilidade de Estado exige que recebamos o presidente chinês sem levantar ondas. Pessoalmente fico contente por existirem partidos e movimentos com coluna vertebral para recusar tais lógicas. A democracia agradece.

E é lamentável que, sendo as cerimónias no Palácio de Belém, a concentração de protesto da Amnistia Internacional tenha sido atirada para a Torre de Belém (?!?). Ou seja, para mais de dois quilómetros de distância. Já agora podiam ter mandado a Amnistia manifestar-se para Paço de Arcos ou Carcavelos... Ou para a Expo, como é que ninguém se lembrou da Expo, hein?
(Imagem: Amnisty)


Sobre a Manifestação da Função Pública

Apesar da mobilização não ter sido das melhores, com uma divulgação altamente deficitária, a manifestação nacional da função pública que hoje ocorreu reflectiu bem o descontentamento generalizado no sector. Foi um pronúncio elucidativo da greve geral que se avizinha.
(Imagem: Aventar)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Os políticos, esses bandidos...

A classe política nunca gozou de grande popularidade junto da opinião pública. Mas é nestes momentos de crise, agravados por acordos que abafam distinções políticas, que a sua impopularidade atinge níveis deveras preocupantes. Da vizinha do 2º andar ao taxista, ao senhor do café e à senhora da frutaria, a ideia de que "são todos uns malandros e inúteis" intensifica-se fortemente.

Ontem, ao passar por um carrinho de castanhas na Baixa, ouvi um cliente a dizer ao vendedor: "E veja só aquela escumalha que temos na Assembleia da República?! Era queimá-los todos, esses filhos da p....!" Não é evidentemente representativo, mas julgo que vivemos daqueles momentos em que se sente os pilares da democracia a estremecerem...
(Imagem: Vote 08)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Ping- Pong da Irresponsabilidade

O panorama político chegou a uma fase em que o binómio responsabilidade/irresponsabilidade parece tudo determinar. O PSD está inquieto para governar, mas não apresenta uma moção de censura ou não chumba o Orçamento para não ser considerado “irresponsável” pelo eleitorado. Por seu turno, a cúpula do actual governo apresenta um desgaste tal que parece estar inquieta para bater com a porta. Apenas não o faz pois tal seria considerado irresponsável e o eleitorado puniria severamente o PS em próximas eleições.

Assim sendo, assiste-se a uma espécie de Ping Pong da Irresponsabilidade onde o PS desafia o PSD a demití-lo e o PSD responde mandando a bola para o outro lado e desafiando subliminarmente o PS a demitir-se. Ninguém quer ser responsável por uma crise política. Ficaria assim como o ónus da irresponsabilidade. Até quando prolongar-se-á este impasse? Tal como no Ping Pong, sairá derrotado aquele que perder a concentração nesta jogada que já dura há algum tempo...
(Imagem: Coast Christian Fellowship)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Provincianismo Político

Numa altura em que tanto se fala de gastos supérfluos e em que o combate ao despesismo estatal é a prioridade política n.º 1, se calhar vale a pena descorrer um pouco sobre a recorrente desadequação das políticas públicas em Portugal. Os casos são inúmeros e todos conhecemos alguns. Mas destaquemos um tipo particular: aqueles que são apresentados como exemplos de liderança do país no panorama internacional, apesar dos fortes sinais de desajustamento das necessidades do mesmo. Os projectos são bons, mas têm apenas o “ligeiro problema” de serem desadequados da realidade à qual pretendem aplicar-se. Vejamos então alguns exemplos.

A rede portuguesa de auto-estradas pode eventualmente ser um motivo de orgulho para o país. Começam a ser poucas as zonas em Portugal continental onde tal rede viária de luxo não chega. Aliás, olhando para alguns índices especializados sobre estes domínios, verifica-se que Portugal é o 6ª país da UE com mais quilómetros de auto-estrada por milhão de habitantes (à frente da Alemanha, p. ex.). Ou seja, existe aqui uma manifesta distorção. Importa sublinhar que, quando tais investimentos são feitos, fundamentam-se sempre no retorno que trarão a nível de dinamização económica das zonas envolventes. No entanto, como é evidente, a grande questão diz respeito ao custo/benefício associado aos mesmos. Trocado por miúdos, caso fossem aplicados noutros domínios, tais milhões não conseguiriam um maior retorno? Visto deste prisma, se calhar o melhor é nem tentar aplicar tal cálculo ao investimento português em auto-estradas, sob pena do país ficar ainda mais deprimido...

Da rede de auto-estradas podemos passar rapidamente ao tão recentemente discutido projecto do TGV. Sem dúvida que uma ligação a Madrid em alta velocidade constituiria uma mais valia tremenda para o país. Sem dúvida que Portugal estar ligado à rede europeia de alta velocidade constituiria um importante estímulo para a economia nacional. E naturalmente que o forte investimento público requerido teria um efeito vitamínico em inúmeros sectores económicos, levando inclusive à precisosa criação de emprego num contexto de crise como o actual. Mas será que o custo/benefício seria razoável?

Peguemos agora num exemplo um pouco menos evidente. Portugal tem vindo a ser crescentemente considerado um exemplo a nível internacional devido ao investimento feito em energias renováveis. Algo verdadeiramente surpreendente devido à nossa dimensão e à velocidade a que se tem processado. Para além do valor ecológico de tal investimento, esta política é elogiada pela redução da dependência energética do exterior que proporciona. Mas mesmo neste caso onde valores tão importantes como a ecologia se colocam, será que o custo/beneficio do investimento está a ser de facto ponderado? Em última instância, é legítimo perguntar-se porque razão outros países desenvolvidos e não comprometidos com a economia do petróleo parecem tão desinteressados em disputar a liderança nestes domínios?

O desajustamento ou desproporcionalidade das políticas públicas são traços característicos de estilos de governação pouco amadurecidos. Demonstram sobretudo vistas curtas por parte dos seus responsáveis, muitas vezes levados por modas e estados de espírito, mais preocupados com a capitalização política da obra feita do que com os seus reais impactos. O que importa é fazer algo em grande, algo que impressione, algo com gráficos a subir. Depois logo se verá da sua utilidade de facto. Eis o provincianismo político que os mais diversos indicadores infelizmente ainda demonstram estar muito enraizado entre nós.

Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental)
(Imagem: Non è un paese per Vecchi)