sexta-feira, 15 de março de 2013

Fomos Papados?



Com maiores ou menores expectativas, é difícil passar ao lado da eleição de um novo papa. A mudança do responsável máximo da Igreja Católica é demasiado relevante para poder passar despercebida. Não é necessário aprofundar o papel que a Igreja continua a ter na formação das mentes e da cultura dos povos, ou a influência que tem direta ou indiretamente no fenómeno político. Somos obrigados a concordar que a escolha sobre quem ocupará o cargo de papa não é um mero pormenor. Pelo contrário, com maior ou menor mão de deus, o peso estratégico desta escolha determina que tenhamos de estar atentos às suas consequências.

Como é evidente, mais do que saber se é do país A ou B, se anda de transportes públicos ou se é amante de futebol e de tango, importa saber se teremos um novo papa conservador ou reformista.Teremos alguém do status quoou alguém empenhado na mudança? O novo papa será capaz de inverter o endurecimento da Igreja que Bento XVI corporizou ou procurará marcar pela mudança? Será capaz de agarrar de frente os míticos tabus internos da organização – como o celibato dos padres e o acesso das mulheres ao sacerdócio – ou mantê-los-á intactos? Será capaz de gerar mudança em posicionamentos sociais quase primitivos – como a igualdade entre homens e mulheres, o sexo como algo separado do processo de procriação, a possibilidade dos casamentos terminarem ou a normalidade da homossexualidade?

Pelos vistos a escolha a que se chegou não traz grande animação a quem espera pela mudança na Igreja. Jorge Mario Bergoglio é conhecido por liderar a ala conservadora da Igreja argentina e por constar em processos judiciais pela sua cumplicidade com a ditaduraque o seu país viveu. As nebulosas quanto a esta última dimensão são mais do que muitas e o seu papel muito ativo contra a legalização da IVG em caso de violação ou de risco de vida da mãe e do bebépermitem-nos perceber com clareza o nível do seu conservadorismo. A Associação Novos Rumos, que representa os homossexuais católicos em Portugal, também já veio recordar que Bergoglio se referiu ao casamento entre pessoas do mesmo sexo como sendo "um plano de Satanás para enganar os filhos de Deus". Comentários para quê?

Estranho seria que o conclave que elegeu Bento XVI e que até foi reforçado por escolhas suas, tivesse agora escolhido um papa progressista, de mangas arregaçadas e com vontade de colocar mãos à obra de reformar a Igreja. Não foi isso que de facto aconteceu e é naturalmente exasperante pensar que teremos com certeza de esperar mais uma série de anos para que tal possibilidade exista novamente. A Igreja escolhe o seu destino, mas é naturalmente lamentável que uma instituição com a sua dimensão persista em viver literalmente no além.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net

terça-feira, 12 de março de 2013

Bullshit?


Bullshit ou não, a carta do PS abrindo as portas a coligações em concelhos onde PSD e CDS concorrem juntos é um passo interessante. Se for sincera, tanto melhor. Se for pura bullshit, servirá no mínimo para PCP e Bloco justificarem bem aos seus eleitorados o porquê de afastarem à partida este tipo de hipótese. Um exercício sempre interessante nos tempos que correm.

Depois do Adeus

E quando achávamos que o "Conta-me como foi" seria algo absolutamente único e irrepetível, eis que a RTP (aquele canal público que nem faz serviço público) brinda-nos com o "Depois do Adeus". Para os que ainda não viram, apenas digo que estarão certamente a perder mais uma das melhores séries portuguesas dos últimos anos.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Façamos o contrário do que eles dizem


É no mínimo caricato ver Passos Coelho a falar em barreiras para o emprego... E quanto a António Borges, nem falar. É um pouco como um ladrão vir falar de barreiras à segurança, ou como um corrupto vir falar de barreiras à integridade. Na dúvida, o melhor é fazer sempre o contrário do que eles dizem. 

terça-feira, 5 de março de 2013

Chávez


Foi um populista? Foi. Pisou demasiado os limites democráticos? Sim, e tal não deve ser esquecido. Do mesmo modo,  importa não esquecer que representou uma enorme esperança e fez muito pela generalidade do povo venezuelano e mudou o panorama político na América Latina. Justiça à sua memória, aos bons e aos maus momentos.

Estamos Contentes?



José Contente oficializou no passado Sábado a sua candidatura à presidência da Câmara de Ponta Delgada. Com o forte apoio dos presidentes do PS Açores, o ex-secretário regional apresentou a sua ambição para a cidade, governada há 20 anos pelos sociais-democratas. Tal como já tive oportunidade de sublinhar anteriormente, inclusive neste espaço, a permanência de um partido no poder por longos períodos acarreta inúmeros vícios. Neste sentido, uma mudança de cor política em Ponta Delgada poderia ser uma forma de arejar o executivo municipal, trazendo novas dinâmicas e abordagens, novas ideias, novas prioridades e até novas caras. 

No entanto, a candidatura com elevado potencial vencedor agora apresentada por José Contente acaba por apresentar um baixissimo “potencial de arejamento”. Ou seja, diversos fatores limitam à partida a sua capacidade para representar uma mudança de facto para a cidade. Comecemos pelo posicionamento do executivo da cidade relativamente ao Governo da região. Ponta Delgada é hoje um dos poucos concelhos açorianos que ainda não é dominado pelo PS. E o facto de Berta Cabral ter utilizado o concelho para competir com o poder regional está longe de ser necessariamente mau. Pelo contrário, este tipo de competição tipicamente beneficia os próprios municípes, que são assim particularmente “acarinhados” por um autarca que se quer diferenciar do quadro político circundante. Ganha também a democracia na região por ter na maior cidade do arquipélago um contrapeso ao partido dominante.

Mas o factor acima acaba por se revelar secundário quando temos em conta o perfil e currículo do actual candidato socialista à autarquia. Falar de renovação em Ponta Delgada e apresentar José Contente é no mínimo paradoxal. José Contente é um dos mais antigos rostos do Governo PS na Região. Foi Secretário Regional nos últimos 16 anos, período durante o qual foi quase sempre considerado o braço direito de Carlos César. Complicado seria encontrar alguém com tanta rodagem como José Contente. Aliás, será particularmente interessante acompanhar o debate eleitoral em Ponta Delgada. Contente colocar-se-á naturalmente como challenger, questionando a obra do PSD na cidade e o que teria feito melhor. Acontece que Contente foi ele mesmo o super-Secretário Regional das Obras Públicas, sendo pouca a obra do Governo Regional que não tenha passado pela sua mão, nomeadamente em Ponta Delgada. 

Se a isto somarmos o facto deste desafio de Ponta Delgada surgir na sequência de um delicado processo de sucessão PS, ficamos com a série impressão de que se trata de uma candidatura que resulta de uma espécie de negociação palaciana que a todos os delfins procurou agradar. Vasco Cordeiro ficou com a Presidência do Governo, Sérgio Ávila ficou como super-secretário, José Contente ficou com Ponta Delgada e Carlos César conseguiu o magnífico feito de continuar a ser presidente do PS Açores. Um bonito quadro, apoiado mais uma vez por um unanimismo que reflete bem o nível de debate interno que deve existir no PS Açores.

Num momento em que tanto se discute a limitação dos mandatos dos autarcas, e a legitimidade destes se candidatarem ou não ao concelho ao lado, temos aqui o exemplo do “velho” governante que aspira agora a ser autarca. E que quase de certeza ganhará, tendo em conta a fraquíssima notoriedade do seu adversário. Estamos contentes com a candidatura do PS a Ponta Delgada? Na minha humilde opinião, o PS tem nas suas fileiras quadros bem mais novos e arejados do que José Contente. É pena que não os aproveite, procurando pelo contrário presentear quem neste momento ganharia em fazer uma saudável sabática no exercício de cargos públicos. 

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: PS Açores)

domingo, 3 de março de 2013

Júlio dos Reis Pereira no CAM


Vale mesmo a pena visitar a exposição de Júlio dos Reis Pereira na Gulbenkian. A sua obra relembra-nos que o surrealismo também se fez sentir bem neste país. A exposição está disponível até 7 de Abril.

Do Terreiro do Paço à cultura da Azeitona


"O Terreiro do Paço, onde não cabem 180 mil pessoas, não chegou a encher". Esta notícia do Público de hoje procura assim deitar por terra alguns números avançados pela organização das manifestações de ontem. E o mesmo raciocínio foi ontem seguido pelas televisões ao longo do dia. Só é pena que quem assuma este raciocínio perceba tanto de manifestações como eu percebo da cultura da azeitona.

Como é evidente, não me compete aqui defender os 700 ou 800 mil ontem anunciados pela organização só em Lisboa. Mas qualquer pessoa que tenha estado na manifestação em Lisboa sabe que o Terreiro do Paço não encheu porque a vasta maioria das pessoas não permaneceu ali quando o percurso terminou. E é bastante típico que assim aconteça neste tipo de manifestações.

Ou seja, ao mesmo tempo que desaguavam milhares de pessoas no Terreiro do Paço, outras tantas dispersavam. Relembro que quando a cabeça da manifestação chegou ao Terreiro do Paço, a sua cauda ainda se encontrava no cimo da Avenida da Liberdade. Só jornalistas da cultura da azeitona podem achar que as pessoas lá ficariam à espera até que a praça estivesse completa.

Mais do que discutir números...




... Que pouco ou nada interessam neste momento, importa constatar que afinal o país está vivo políticamente. As pessoas mobilizam-se, as pessoas sentem, as pessoas querem a mudança. Sem melo-dramatismos, é muito bom ver que as pessoas participam, que a democracia está viva.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Uma Ganda Manif


Estamos condenados a ter amanhã uma “ganda manif”. Ou melhor, gandas manifs. Com mais ou menos ajudas das grandoladas que sucedem um pouco por todo o país, com maior ou menor relevo dado pela comunicação social e com mais ou menos apoio dos comentadores da praça, o 2 e Março será um grande dia. Com toda a agitação que se sente nas redes sociais, com o desagrado que se sente nas ruas e com as correntes da saúde, da educação, feministas ou LGBT, está visto que será a confluência de diversas vontades. E, como dizem os manuais, as grandes manifestações são feitas destas confluências.

Como é evidente, a má notícia é que o sucesso da mobilização para o próximo sábado deve-se ao facto do país ter batido estrondosamente no fundo. Com um desemprego com níveis inacreditáveis, com uma economia estraçalhada, com a hipoteca de qualquer futuro digno, com uma fuga maciça de cérebros para o estrangeiro, com a redução de direitos como nunca se viu, com a destruição do Estado Social, este Governo tem conseguido de unir setores políticos bastante distantes.

Por seu turno, a boa notícia é que a tragédia em curso teve a capacidade de demonstrar mobilizações populares raras em democracia. O 15 de Setembro foi um exemplo paradigmático a este respeito, com números impressionantes e ocorrendo até em cidades com muito pouca tradição nestes domínios. As pessoas, e não apenas os suspeitos do costume, parecem ter-se recordado que a democracia também se faz nas ruas, mostrando indignação, mostrando que se é exigente e que a vontade de mudança é uma arma que pode e deve ser mostrada. Não tenhamos dúvidas que temos assistido nestes últimos tempos a uma saudável reativação da participação política, cumprindo-se assim o clássico enunciado de que a democracia não se esgota com a inserção do boletim na urna de quatro em quatro anos.

O 2 de março está condenado a ser um grande dia. Não será certamente o último deste Governo que já mostrou ter diversas vidas. Não será também um ponto de chegada, mas sim mais um passo importante na demonstração de que vale a pena indignar-se. Venha a alternativa!

Artigo hoje publicado no Esquerda.net