sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cavaco é fixe?!?

Na véspera de uma greve geral, o Presidente da República resolveu enviar para o Tribunal Constitucional a lei dos regimes de carreira da função pública. Tratou-se claramente de um recado ao Governo, que até já foi aplaudido pelos sindicatos. Mas quais as suas reais intenções de Cavaco?

O acto foi também entendido como mais um sinal de Cavaco no sentido de manter um saudável distanciamento das políticas governamentais. Regularmente são enviados alguns diplomas para o TC, mostrando que a figura do presidente existe e evitando-se assim um consenso excessivo em torno das políticas do governo socialista. A actuação de Cavaco a este nível tem sido astuta e politicamente inteligente.

Com o presente acto de pedir a análise de constitucionalidade de um diploma sobre leis laborais nas vésperas de uma greve geral, Cavaco tenta conceder um “presente” ao eleitorado mais à esquerda. No entanto, se calhar convém recordar que o actual Presidente da República é a mesma pessoa que liderou os governos entre 1985 e 1995. É a mesma pessoa cujas políticas enfrentaram recorrentemente os direitos laborais. É a mesma pessoa do “deixem-nos trabalhar”… Neste contexto, o “presente” concedido por Cavaco representa também um teste à curta memória que normalmente envolve a luta política.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Portela + 1 e o (Quase) Silêncio em seu Torno

Finalmente saiu um estudo defendendo a solução Portela + 1. Paradoxalmente, e perante um vazio inexplicável na ponderação desta hipótese, parece que a Associação Comercial do Porto é das únicas interessadas em que o aeroporto permaneça em Lisboa. Curioso, não?

O estudo patrocinado pela Ass. Comercial do Porto e realizado pela Universidade Católica aponta o modelo Portela + 1 como bastante mais económico que a solução OTA. Poupam-se uns meros 2 mil milhões de trocos… É de estranhar que não tenha existido uma mobilização significativa para que Lisboa continue a ter um aeroporto, apoiado por um segundo eventualmente direccionado para as low costs. Um modelo semelhante a Paris, Londres ou Nova Iorque, mas que pelos vistos não merecia muita atenção…

O Governo abandonou esta solução sem explicar bem o porquê… António Costa permanece mudo, vinculado à fidelidade para com o Executivo Socialista… A oposição também só agora começou a acordar seriamente para esta possibilidade… Ou seja, perante o panorama de a capital do país perder um aeroporto, só muitos meses (ou alguns anos) depois é que uma solução de manutenção do mesmo começa a merecer algum crédito. Para tornar a questão ainda mais curiosa, foi preciso que a Associação Comercial da segunda cidade do país pagasse um estudo para que a hipótese comece a ser verdadeiramente tida em conta. Há coisas fantásticas, não há?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

PCP, Saneamentos e Cirurgia Política

A expulsão de militantes é uma prática que se repete regularmente no PCP. Os militantes que assumem desvios e entram em linha de colisão com o partido, as suas normas de funcionamento ou a sua doutrina, acabam por ser expulsos. Foi este o caso de Luisa Mesquita que, uma vez colocada no corredor do saneamento, dele dificilmente poderia sair.

Este tipo de prática comunista acaba por chocar tendo em conta a declarada abertura no debate interno dos restantes partidos. No entanto, o recurso à expulsão afirma-se como um mecanismo com vista a salvaguardar a vital unidade comunista. Logo, e sem querer dramatizar, a prática de expulsão é também uma prática de sobrevivência para o PCP, uma espécie de cirurgia política para eliminar os quistos que, de vez em quando, infectam o corpo partidário.

Como é evidente, e apesar da sua sobrevivência depender menos da coesão interna, os restantes partidos também têm os seus mecanismos próprios para assegurar a unidade. O PCP, dadas as suas especificidades e necessidades, diferencia-se destes pela “determinação” dos seus métodos. A bem dizer, limita-se a actuar de acordo com os ensinamentos leninistas sobre a organização partidária. Posto isto, e sem querer ser provocatório, será que a expulsão de Luisa Mesquita merece assim tanto espanto?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Confrontos em Paris: Puras Delinquências?

Os subúrbios de Paris mostram-se mais uma vez explosivos socialmente. O julgamento público do caso, pela comunicação social e pelos opinion makers, apelida crescentemente o fenómeno como pura delinquência juvenil. Mas será possível ser-se assim tão simplista?

Ora vejamos: tudo parece ter (re)começado no Domingo com o abalroamento de uma moto com dois jovens por um carro de patrulha. Embora a mota tenha sido roubada, a policia confirmou que o incidente não ocorreu na sequência de uma qualquer perseguição. Perante este cenário, centenas de jovens manifestaram-se violentamente causando dezenas de feridos nas forças policiais.

Os mais cépticos dirão que se trata de uma reacção claramente delinquente de bandos de jovens que encontraram um pretexto para desafiar a polícia, tentando assim retomar a vaga de confrontos de 2005. Mas se calhar era bom colocar a questão de outra forma: o que leva centenas de jovens a manifestar-se tão violentamente devido a um atropelamento involuntário da polícia? Uma delinquência simplesmente “porque sim”? O facto destas manifestações parecerem quase injustificadas demonstra ainda mais o quanto estes fenómenos não devem ser rotulados com base em fórmulas simplistas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Democracia, mas pouco?

O pior cenário parece estar a vigorar na Rússia. Entre repressão a manifestantes e propaganda declarada numa comunicação social quase monocolor, Putin revela mais uma vez não ter grandes pruridos quanto à manutenção de um sistema de democracia musculada no seu país.

Tudo isto acontece apenas um mês depois do encontro em Mafra com José Sócrates em que Putin fez questão de mostrar a sua face democrata. Comprometeu-se com a questão dos observadores que cedo se desvaneceu. Comprometeu-se também com a criação de um instituto russo-europeu dedicado aos direitos humanos, mostrando então o seu apego aos mais básicos valores democratas.

Perante este cenário, a menos de uma semana das eleições legislativas, as reacções internacionais mais não conseguem fazer do que mostrar-se preocupadas. Apesar de poder ter existido alguma esperança quanto ao equilíbrio destas eleições, esta rapidamente parece ter-se desvanecido. As fragilidades da democracia russa apresentam-se assim mais uma vez à vista de todos. Aliás, apelidar o regime russo de democracia é agora um claro eufemismo.

Os Ciúmes de Portas

O líder do PP criticou a proliferação de pactos de secretaria que parecem estar a ser negociados entre Sócrates e Menezes. Mas por detrás das críticas parecem estar sim alguns ciúmes de o PP estar a ser excluído de todo o processo.

É mais do que previsível que Portas critique os entendimentos de Menezes com o governo socialista. Em parte pelas matérias que estão em causa (administração interna, reforma eleitoral, regionalização, etc), mas tentando sobretudo capitalizar o facto do seu concorrente do PSD estar afinal envolvido com o grande adversário socialista.

Mas é também curioso ver Paulo Portas vir criticar este tipo de entendimentos. O mesmo Portas que tanto se entendeu com os Governos de Guterres, viabilizando Orçamentos de Estado. O líder de um partido que, ao longo dos trinta anos de democracia, esteve sempre pronto a aliar-se aos socialistas. Mas o passado é passado, não é? Para quê andar com essas chatices de recordar o passado e analisar coerências? O que interessa é o presente e hoje Portas não hesita: “Eu com os socialistas não compactuo!”.

domingo, 25 de novembro de 2007

25 de Novembro

Trinta e dois anos depois, a verdade parece quase fechada perante uma data que as partes então em confronto, mesmo os vencedores, parecem gostar pouco de recordar. Se calhar o consenso democrático assim o exige.

Pode ser encarada como a data em que, após as euforias do Verão de 1975, em que o poder se encontrava na rua, a democracia formal impôs-se. Os manuais rezam a este respeito que um golpe de extrema-esquerda foi detido por um contra-golpe das forças democráticas do centro. Acabou-se assim com a excessivo peso que as forças de esquerda e extrema- esquerda estavam a ganhar no panorama político.

O processo de transição seguiu assim o seu rumo em direcção a uma democracia formal. Apesar de não existir ainda um consenso total sobre o que de facto aconteceu a 25 de Novembro de 1975, a história faz-se sobretudo com base na versão dos vencedores. Mas poderia ser de outra forma? Julgo que não.

sábado, 24 de novembro de 2007

O Blogue de Santana Lopes

Dura já há alguns meses e tem tido uma actualização crescente. Arrisco dizer que o blogue de Santana Lopes é único. É da autoria de um responsável político do centro, com elevado destaque a nível nacional, que manifesta e regista regularmente as suas posições na Web.

Como é evidente, o blogue tem o propósito de tentar marcar a agenda. Surgiu no momento em que Santana dava já fortes sinais de querer regressar à arena política. Curiosamente, poucos dias antes da derrota do PSD em Lisboa, que seria o início do fim de Marques Mendes. No entanto, e mesmo depois de ascender a líder parlamentar, o blogue tem continuado, inclusive com uma actualização crescente.

Santana não exprime lá novidades sobre os seus posicionamentos. De qualquer modo, julgo que é de sublinhar a coragem de um líder político no activo em manter um blogue. Escrever e tomar posição com a regularidade que um blogue contém riscos, sobretudo quando se mantém um arquivo online sobre tudo o que se tem publicado. Coragem é algo que não falta ao menino guerreiro. Dada a pessoa em causa, veremos a médio prazo se a referida coragem jogará a seu favor ou não…

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Campanha Tagus e os Direitos com que não se deve Brincar

A cerveja Tagus teve a triste ideia de lançar uma campanha com o slogan “Orgulho Hetero”. Brincando com o slogan dos movimentos homossexuais, tenta atingir o público heterosexual associando-se à “causa do engate”. Como é natural, a campanha está a gerar polémica e uma contra-campanha encontra-se em curso

Poder-se-á questionar porque é que não se pode/deve brincar com os domínios da homossexualidade. Em breve, certamente a Tagus virá a público afirmar que não era de todo a sua intenção ofender a comunidade homossexual. Antevejo até que alguns defenderão a muito curto prazo a campanha Tagus, acusando de fundamentalistas todos os que se associam à contra-campanha em curso.

Em democracia, existem determinados temas com os quais ainda não é legitimo brincar-se. Porquê? Porque quer queiramos quer não, as tensões sobre os mesmos ainda estão longe de estar ultrapassadas. A questão da homossexualidade é uma delas. A questão do racismo é outro bom exemplo. Por mais paradoxal que possa parecer, o respeito por determinados temas exige uma necessidade de auto-regulação na liberdade de brincar com os mesmos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Impecável, pá!

Como seria de esperar, Sócrates manifestou hoje o seu apoio a uma recandidatura de Durão Barroso. O sentido de Estado assim o justifica, mas também a articulação “impecável” que têm existido no âmbito da presidência portuguesa. Não haverá algo de contraditório neste apoio?

O presente Executivo não se cansa de sublinhar a gestão desastrosa efectuada pelos últimos governos do PSD. Embora tente personalizar o caos da anterior legislatura em Santana Lopes, importa não esquecer que Santana apenas liderou o país durante uns meses. Passados menos de três anos da queda do Governo PSD, e apenas umas semanas depois do “sangrento” duelo entre Sócrates e Santana na Assembleia, temos agora o primeiro-ministro a apoiar vivamente a recandidatura de Durão, o principal responsável pelo suposto caos em que o país ficou.

Sabemos que o sentido de Estado acaba por quase sempre prevalecer no âmbito da política internacional, sendo natural apoiar um conterrâneo a um cargo importante que possa surgir. De qualquer modo, é impressionante como os actores políticos conseguem mudar de máscara com tanta facilidade. A memória curta do povo assim o permite, correcto?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O BE e os Desafios do Poder

A coligação na Câmara de Lisboa não é algo confortável para o Bloco de Esquerda. Assumir o poder, ainda por em coligação, não é uma decisão fácil para uma nova força política que se assume como alternativa. O incidente de hoje na Assembleia Municipal de Lisboa demonstrou isso mesmo.

O dossier do saneamento financeiro revelou-se desde logo uma prova de fogo para a coligação estabelecida com o António Costa. E claro que o que está em causa não são apenas os boys deixados por Santana Lopes, mas sim também trabalhadores precários no verdadeiro sentido da palavra (ver blogue Lisboa em Alerta). De qualquer modo, a ameaça de rompimento da coligação que se passou na Assembleia Municipal deixou transparecer não só algum nervosismo no tratamento deste dossier, mas também as divisões internas no BE sobre a aliança com o PS em Lisboa.

Julgo que seria excessivo esperar-se do BE uma disciplina férrea do tipo PCP. De qualquer modo, é no mínimo estranho que um deputado do BE, Heitor de Sousa, adiante-se ao seu vereador sobre uma matéria. Como se não bastasse, este deputado vem depois ainda por cima sublinhar que Sá Fernandes foi eleito como independente pelas listas do BE, podendo portanto ter “opiniões que não coincidem com as do BE”… Uma coisa parece certa: o Bloco de Esquerda deixou transparecer para fora uma imaturidade pouco admissível no actual panorama.

Sinais dos Tempos?

O fim do bloqueio dos trabalhadores da Valorsul foi hoje amplamente transmitido pelos telejornais. A ordem a impor-se perante uma forma de protesto que era considerada razoavelmente legitima há apenas uns anos atrás. Hoje já não é assim. Sinais dos tempos?

Vimos um corpo de profissionais treinados a afastar à força os trabalhadores que, à uma da manhã, lutavam contra o ataque aos seus direitos. Lutavam utilizando os métodos que muitas conquistas laborais alcançaram há apenas umas décadas atrás. Hoje, estes trabalhadores são encarados como simples desordeiros, desrespeitadores da legalidade democrática que parece apenas salvaguardar os fura-greves e a administração da empresa.

Não, não houve bastonada. A força empregue pela polícia também não parece ter sido excessivamente desproporcional (sublinho o excessivamente). O ministro socialista Rui Pereira veio orgulhosamente anunciar que foi tudo limpinho… Torna-se paradoxal verificar que as formas de activismo, de solidariedade, de camaradagem, de luta corajosa que tanto contribuíram para a democracia portuguesa conseguem hoje ser facilmente desmontadas pela legalidade democrática. Sinais dos tempos?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

José Manuel Barroso afinal foi Enganado…

Em entrevista dada à TSF e ao Diário de Notícias, finalmente o nosso ilustre presidente da Comissão Europeia respondeu sobre o seu tão importante apoio à invasão do Iraque. Mas calma, podemos todos ficar mais descansados… Barroso não teve culpa. Foi induzido em erro…

No meio do estrelato para que foi catapultado Durão Barroso, confesso ter sempre estranhado o facto de raramente ter sido relembrado o seu papel determinante na invasão do Iraque. O actual Presidente da Comissão nunca parece ter sido seriamente importunado sobre a linha no seu currículo que relembra o seu papel de anfitrião da Cimeira dos Açores. Será que a opinião pública europeia tem noção deste passado do seu José Manuel Barroso?

Hoje, na entrevista dada à TSF e ao Diário de Notícias, ficámos a saber que Barroso foi enganado pelos documentos que indicavam a existência de armas de destruição maciça no Iraque. Centenas de milhares de mortos depois, parecemos condenados a ter de ouvir esta simples explicação dos principais responsáveis de tão grande tragédia… É muito triste.

domingo, 18 de novembro de 2007

1 Ano de Activismo de Sofá

Pois é… Confesso que me ia escapando este primeiro aniversário do Activismo de Sofá. Já passou um ano desde que, numa noite igual a tantas outras, resolvi criar este espaço na blogosfera. Motivo: mandar humildemente uns bitates e uns clichés sobre a actualidade. Um activismo sedentário feito a partir do sofá.

Os primeiros meses foram bastante frouxos em termos de regularidade de posts. Esta coisa de estar atento à actualidade e de, ainda por cima, escrever sobre ela dá trabalho. De qualquer modo, o blog foi-se compondo aos poucos. Foi ganhando uns leitores e conseguindo uns links, os comentários foram aparecendo, o grafismo foi sendo melhorado e até o Activismo Tube foi criado. Passado 1 ano, 221 posts foram feitos neste espaço. Uns mais felizes, outros nem por isso.

Resta-me agradecer às dezenas… Quero dizer milhões! Milhões e milhões de leitores que por aqui passam diariamente. O Activismo de Sofá é vosso! (parte em que uma lágrima surge no canto do olho). Esperamos estar cá daqui a um ano.

sábado, 17 de novembro de 2007

Imperador Mao?!?

Na nova história de Natal da Leopoldina, o vilão da história chama-se "Imperador Mao". O malvado Imperador Mao é o responsável por um terrível plano para estragar o Natal das criancinhas e o seu acesso ao mundo encantado dos brinquedos. Imperador Mao?!? Não conseguiram encontrar outro nome?

Não acho que venha um mal maior ao mundo por um vilão de uma história para crianças ter o singular nome de “Imperador Mao”. Nem acredito também que tenha havido um propósito político “malvado” na atribuição do nome da personagem má da fita. Mas não deixa de ser estranho que se use um nome recheado de simbolismo político numa história para criancinhas que promete ser o sucesso deste Natal. O livro “Leopoldina e o Pinheiro Mágico de Natal” é uma iniciativa do Grupo Continente. As receitas de vendas servirão para apoiar uma série de hospitais por todo o país.

Os mais cépticos dirão que não há mal nenhum na atribuição do nome “Mao” ao vilão da história. Trata-se de um assunto tão irrelevante que nem merecia ser o tema de um post. Posso concordar… De qualquer modo, para a próxima, porque não optar por “Imperador Che”? Ou “Imperador Bush”, se quisermos ser um pouco mais contemporâneos?

O Papa, a Igreja e o Puxão de Orelhas

Ao longo da semana, foram-se discutindo as conclusões do encontro do Papa com os bispos portugueses. As recomendações dadas por Ratzinger apressaram-se a ser entendidas como um puxão de orelhas ao clero português, nomeadamente à sua cúpula. Mas fará sentido que assim seja?

As conclusões de Bento XVI sobre a diminuição do número de fiéis, da necessidade de aproximar a igreja das pessoas, de uma maior abertura, etc, não constituem qualquer novidade. O que leva, portanto, o responsável máximo da Igreja a vir puxar as orelhas em público aos seus bispos portugueses? Sendo o Vaticano a instituição que é, amante da cerimónia e da encenação, onde cada ponto e vírgula não acontecem por acaso, o veredicto do Papa sobre a igreja portuguesa dificilmente pode ser visto como uma reprimenda.

Aproxima-se sim de uma encenação sobre a mudança no modo de encarar a perda de fiéis e de declínio de importância nas sociedades actuais. A culpa deixou de ser da sociedade e dos fiéis, mas sim da própria Igreja. Ela assume-o, ao mesmo tempo que se considera naturalmente capaz de resolver a situação. Absolve assim os fiéis e pede-lhes perdão sobre o pecado que ela própria cometeu. Resta saber se os fiéis lhe perdoarão ou se ouvirão sequer o seu pedido de perdão…

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Sobre os Pactos PS/PSD

Luis Filipe Menezes avançou com a possibilidade de romper com o pacto de justiça celebrado entre o seu antecessor e o PS/Governo. A propósito, vale a pena questionar qual a real pertinência destes pactos ao centro? Qual o contributo dos mesmos para a governação e para a democracia?

A nível da governação, não existem dúvidas que tal permite que as políticas acordadas gozem assim de uma quase total imunidade critica. Ultrapassam todos os obstáculos de discussão pública, garantindo assim a tão desejada governabilidade. Para os apologistas do “deixem-os trabalhar”, os pactos são portanto benéficos.

Mas em termos democráticos, como ontem referiu Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo, os pactos ao centro acabam por abafar a análise e discussão pública das políticas a implementar. Acaba por quase não haver oposição possível ao acordado entre os dois grandes partidos. Vejamos, por exemplo, a questão do referendo ao tratado europeu. Imaginemos, a título de exemplo, o que aconteceria se a questão do novo aeroporto de Lisboa tivesse sido alvo de um pacto.

A governabilidade é preciosa mas a polarização da discussão é também fundamental na democracia. Neste contexto, se tivermos então em conta que o actual Governo é suportado por uma maioria absoluta, quais as mais-valias significativas dos pactos PS/PSD?

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Corporações e Deontologias

Julgo não restarem dúvidas que o posicionamento da classe médica em geral, e da sua Ordem em particular, está a condicionar significativamente a aplicação da nova lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Começou com o tsunami de objectores de consciência que varreu o país. Agora, a alteração do código deontológico parece ser o problema.

A Ordem dos Médicos parece não querer abrir mão do artigo 47ª do seu código deontológico que considera a prática do aborto uma falha grave. A este respeito, o bastonário não escondia a sua posição ainda antes do referendo. Agora, mesmo com a pressão do Ministério, mesmo com o parecer inequívoco da Procuradoria-Geral da República, e mesmo reconhecendo que a lei prevalecerá sempre sobre as disposições do código deontológico, o bastionário Pedro Nunes continua convicto que o código não deve ser alterado.

Podemos, sem dúvida, considerar legitimas as convicções pessoais de cada profissional. Podemos também considerar legitima a deontologia baseada em valores tradicionais de uma determinada área profissional. Mas fará algum sentido que a mesma entre em confronto claríssimo com a legislação em vigor, ameaçando penalizar os profissionais que a cumprem? Será pedir muito que a Ordem que representa a classe médica adopte uma postura menos parcial na aplicação da lei da IVG?

terça-feira, 13 de novembro de 2007

"Por qué no te quedaste callado?"

As reacções gerais à postura de Juan Carlos apressaram-se aplaudir o gesto firme do monarca espanhol perante o populista e impertinente Hugo Chavez. Esqueceram-se, no entanto, de tentar perceber minimamente o quão sensível era a questão que Chavez estava levantando.

Aquando do golpe de 2002 na Venezuela, o embaixador espanhol em Caracas recebeu instruções para se encontrar com os golpistas e aconselhá-los nos passos a dar com vista ao reconhecimento internacional. As referidas instruções saíram naturalmente do Governo de Aznar (ver notícia do Público). Escusado será dizer o quão comprometedor tal acto representou e representa ainda para a política externa espanhola.

Sendo Juan Carlos Chefe de Estado, estranho será se não tiver tido conhecimento de tal acto. O assunto encontrava-se relativamente adormecido até agora. No entanto, com a sua “brilhante” intervenção, o monarca espanhol deu todos os argumentos para que Chavez volte a levantar este comprometedor assunto, questionando agora o rei a este respeito. Moral da história e em bom português: Juan Carlos perdeu uma boa oportunidade para ficar calado.

No meio deste aparatoso desentendimento diplomático, importa sublinhar a forma inteligente como Zapatero tentou gerir a questão. Perante a interpelação de Chavez, o “por supuesto, por supuesto” revelava-se mesmo a melhor opção.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Mais uma de Mário Lino…

A confirmar-se a manobra de descredibilização do estudo da CIP, Mário Lino consegue novamente surpreender tudo e todos com a sua trapalhice política. Sobreviverá depois do fim da presidência portuguesa? Estranho será se assim for…

Em editorial hoje no Público, José Manuel Fernandes denuncia a tentativa do Ministério de Mário Lino para descredibilizar o estudo da CIP que aponta Alchochete como a melhor solução. Pelos vistos, a RAVE (a empresa encarregue dos estudos sobre a alta velocidade ferroviária) divulgou notícias de forma gradual, e pouco fundamentada, com vista a causar os maiores danos possíveis à opção Alcochete. Tratou-se de um operação de spin doctors com vista a condicionar deliberadamente a opinião pública.

Destaca-se assim mais uma grave trapalhice na gestão política de um assunto que tantos estragos já provocou ao Executivo. Mário Lino consegue fazer manchete novamente pela negativa. De forma inteligente, Sócrates tem-se afastado cada vez mais destas questões do novo aeroporto… Prefere deixar este dossier quente e já demasiado sujo nas mãos do seu menos popular ministro. Simples: Mário Lino já parece ter pouco a perder...

Portas e as suas Isenções

Portas defendeu ontem, na Golegã, que as horas extraordinárias e os prémios de produtividade deviam ser isentos de IRS. Pode, aparentemente, ser uma medida que visa aliviar a carga fiscal dos já sufocados trabalhadores. Mas o que está errado neste raciocínio?

Não será por via de isenções ao IRS deste tipo de rendimentos que os trabalhadores mais prejudicados pela carga fiscal actual podem ser compensados. Até porque as horas extraordinárias, os prémios de produtividade, as despesas de representação servem muitas vezes para encapotar, nos empregos menor remunerados, as misérias salariais que existem. Por seu turno, nos empregos melhor remunerados, são uma forma de encapotar eventuais rendimentos extras auferidos perante salários base que não são aparentemente chocantes.

Se se quiser melhorar a situação dos trabalhadores desprivilegiados, criem-se condições para o aumento dos salários, desça-se o IVA, estabeleçam-se escalões de IRS que prejudiquem menos as classes que mais têm sofrido com o esforço que é pedido ao país. Que tal não seja feito com recurso a subterfúgios que beneficiam sobretudo quem já aufere bons ordenados. A proposta de Portas é típica de uma direita que gosta de se fazer passar por esquerda…

domingo, 11 de novembro de 2007

A Mudança do Courrier Internacional

Este fim-de-semana, quando lia o Courrier Internacional, fui surpreendido com o editorial de Fernando Madrinha anunciando uma mudança em 2007 no semanário. Um novo grafismo, um maior número de páginas, mas também a mudança para uma regularidade mensal. Embora seja esforçadamente apresentada como uma mudança positiva pelo seu director, o Courrier sofre assim um tremendo downgrade a partir de Janeiro…

Os jornais ou revistas que lemos com regularidade são uma espécie de companheiros com quem enfrentamos o dia a dia durante anos. Quando os adquirimos regularmente, ou mesmo religiosamente, cresce em nós um sentimento de pertença para com a publicação. Ela é nossa também, gostamos dela, revemo-nos nela, quase não podemos viver sem ela…

Julgo que ser essa a minha relação com o Courrier Internacional. Lamento a sua passagem para mensário. Certamente a sua tiragem semanal não o justificava. Poderei continuar a comprar a versão mensal do Courrier, mas já não será a mesma coisa… Perder-se-á assim uma publicação de referência no panorama semanal do quiosque nacional.

sábado, 10 de novembro de 2007

PSD: o Regresso dos Padrinhos?

A rectidão de Marques Mendes fez com que o partido perdesse alguns dos seus mais destacados “padrinhos”. Mas esta direcção de Menezes dificilmente resistirá a trazer de volta este género muito peculiar de barões do PSD.

Logo na noite em que Menezes derrotou Marques Mendes, Isaltino Morais apareceu na televisão felicitando o novo líder eleito e deixando em aberto o regresso às hostes do PSD. Não podia ser mais claro. Afastado o tirano Marques Mendes, o “homem da conta na Suíça que afinal era do seu sobrinho taxista” está disposto a voltar ao partido do seu coração.

E este PSD também deverá estar disposto a receber o autarca de Oeiras, que tão injusto tratamento recebeu da anterior direcção. O novo líder da distrital laranja de Lisboa já o manifestou. E certamente que Menezes também o fará em breve. É certo que esta direcção não precisa dos barões do partido. Mas Isaltino não é um barão igual aos outros, pois não?

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Referendo ao Tratado? Porque sim!

Embora o primeiro-ministro tenha adiado a tomada de posição final do Governo/PS sobre o referendo ao tratado, é importante que o assunto não adormeça até lá. É preciso tomar partido e mostrá-lo. O Activismo de Sofá é pela convocação de um referendo ao Tratado Europeu.

A Europa exige a participação dos cidadãos. Não só por uma questão de valores democráticos (que já vale por si), mas também por uma questão de sustentabilidade do edifício comunitário. Os cidadãos têm que ser chamados a participar na sua construção. De outro modo, o edifício será oco, dificilmente resistindo no futuro. É portanto uma posição simples pró-referendo, pró-democracia participativa, por uma Europa dos cidadãos. Independente de um posicionamento pró ou contra o Tratado em si.

Uma vez que o activismo virtual também se faz de causas e bandeiras, o Activismo de Sofá convida a que se tomem e mostrem posições na blogosfera sobre a questão do referendo. Para os partidários do “Sim ao Referendo”, produzi o humilde crachá acima (que coloco também aqui ao lado, na barra da direita). Como é natural, estou perfeitamente aberto a aderir a outro grafismo que uma eventual campanha assuma. Mas seria importante que a blogosfera portuguesa se mobilizasse em torno desta questão. A democracia também se faz no virtual, por mais estranho que tal mensagem possa parecer. Sem pretensiosismos, fica desde modo lançado o desafio.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Disciplina de Voto e Representatividade Regional

A ameaça afinal não se concretizou. Os deputados do PS Madeira acabaram por não se abster na votação na generalidade do Orçamento de Estado. Terá valido o aviso de Sócrates de que o “PS não brinca com a disciplina de Voto”. Até que ponto é legitimo os representantes quebrarem a disciplina de voto em defesa do círculo que os elegeu?

Julgo que não vale a pena aqui discutir em profundidade a questão da disciplina de voto. Importa sim questionar o quanto esta poderá entrar em confronto com a representatividade regional. Sim, todos sabemos que a Constituição impõe que os deputados representem todo o país, prevenindo-se assim a fragmentação política. Mas será “justo” ou “democrático” que um deputado tenha de se submeter à disciplina partidária quando esta vai contra os interesses do círculo que o elegeu? Julgo que não.

A eleição por círculos regionais propícia a eleição de representantes territoriais e fomenta que os interesses regionais sejam melhor defendidos. Mas não garante que o interesse regional prevaleça sobre as políticas nacionais do partido. Acaba por ser, deste modo, uma limitação do sistema representativo como forma de prevenir a instabilidade político-governativa. E ainda bem que assim acontece, independentemente de não ser muito justo ou pouco democrático De outro modo teríamos o florescimento de limianos nos parlamentos.

De qualquer modo, é interessante verificar o embate entre estas duas questões, constatando-se assim as imperfeições mecânicas que sustentam os sistemas políticos democráticos.

Política Fiscal e a Social-Democracia na Gaveta

Teixeira dos Santos promete não baixar os impostos até 2010. Não há cá diminuição do "esforço". Vindo da direita, não causaria admiração. Mas vindo de um governo dito de centro-esquerda, demonstra mais uma vez o quanto a social-democracia ficou numa qualquer gaveta perdida no Largo do Rato.

O actual “esforço” pedido aos portugueses afecta a classe média, mas sufoca sobretudo as classes menos afortunadas Para o rico é chato, para a classe média doi, para as classes baixas representa uma tragédia. E um governo que se diz de centro-esquerda está longe de se legitimar com meros subsídios à maternidade ou maiores contribuições para os remédios dos idosos.

Dois impostos são particularmente mortíferos para as classes mais baixas: IVA e IRS. São estes que mais doem todos os dias a quem tem os tostãos contados. Do caixa de supermercado à senhora das limpezas, do homem do quiosque ao trabalhador do call center. E se há necessidade de se aumentar a receita pública, que tal seja suportado por quem pode. Aumente-se o IRS dos que mais podem, dos ricos à classe média-alta, garanta-se um maior esforço às grandes empresas, taxem-se mais os bens de luxo…

Mas acabe-se com uma vergonhosa taxa de IVA de 21% e com escalões de IRS que, mesmo aos mais miseráveis salários, vão buscar sempre o seu dízimo. Nem sequer seria preciso ser-se um grande social-democrata para se seguir este tipo de política fiscal. Até um democrata-cristão minimamente sério a defenderia…

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Jogada Estudada contra um Adversário pouco Preparado

O apito soou. E vai… Sócrates avança confiante… Vai para um lado… De forma denunciada, avança na diagonal para o lado contrário… Continua e, perante a passividade da defesa, finta ligeiramente e remata potente com o passado. Santana defende a custo também com o passado…

Mas acaba por voltar a colocar a bola nos pés do atacante socialista… Sócrates hesita pouco: olha para o fundo da rede e remata com jeito. A bola leva o previsível efeito de algumas políticas sociais. Santana estica-se mas não chega lá e… É golo… Golo nos primeiros minutos da primeira parte. No resto da partida, Sócrates limita-se a gerir confortavelmente a vantagem perante um adversário que veio com a lição pouco estudada.

No final do jogo, Sócrates declarou ter sido uma vitória justa, reflectindo alguns diazitos a estudar a táctica de jogo do adversário. Tentando contrariar os boatos, desmentiu ter lido alguns manuais sobre “como ganhar um derby para totós”. Quanto a Santana, apenas se despediu dos jornalistas dizendo que o árbitro não assinalou uma penalidade e que o campeonato só agora está a começar…
Mais coisa, menos coisa, parece-me ser esta a história do derby de hoje…

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Dos Estudos ao Clientelismo

Manuel Carvalho dedica hoje o seu editorial no Público à questão dos estudos promovidos pelo Estado. Em 2006, 77 milhões de euros foi a quantia gasta. Possuímos um Estado aplicado, sem dúvida… E clientelar.

Manuel Carvalho levanta, e muito bem, três questões. Por um lado, o recurso decrescente do Estado aos serviços públicos com competências para realizar as referidas tarefas. Por outro lado, refere o papel do outsourcing como forma de legitimação de políticas decididas à priori. Aponta, em terceiro lugar, a quantidade de empresas que dependem crescentemente das referidas solicitações do Estado.

Julgo que seria de acrescentar uma quarta questão, com nítidas relações com a terceira. Os detentores de cargos políticos possuem uma série de clientelas, partidárias ou não, que se dispõem normalmente a alimentar enquanto exercem o poder. As clientelas alimentam-se com almoços que hoje pago eu, amanhã (quando eu precisar) pagas tu. Hoje eu posso dar-te uma benesse, um jeitinho, um empurrãozito. Amanhã, espero que também encomendes estudos à minha empresa, recomendes a minha nomeação para algum cargo ou intercedas por mim na tua crónica do jornal.

O clientelismo não é uma prática nova, antes pelo contrário. Valia a pena que as práticas clientelares fossem estudadas no âmbito das elites político-administrativas portuguesas. Suspeito que os resultados seriam, no mínimo, interessantes…

domingo, 4 de novembro de 2007

O PS e a falta de Oposição Interna

São José Almeida destaca hoje no Público a crise de identidade e a falta de oposição interna que se faz sentir no PS. Manuel Alegre, Medeiros Ferreira, Ana Gomes, António Barreto e André Freire, todos contribuem com argumentos para enriquecer o diagnóstico.

Por um lado, fala-se da crescente desestruturação de que padece a esquerda, não sendo o PS imune a tal facto. Aponta-se também o impulso controleiro do actual Secretário-Geral, que dá pouco espaço a tendências internas. Avança-se ainda com a derrota da primeira geração socialista, de que as últimas presidenciais foram exemplo.

Um dos argumentos mais consistentes é o avançado por André Freire. A actual liderança conseguiu gerir muito bem a oposição interna, integrando-a no “banquete do poder” através de nomeação para cargos diversos.

Mas na interessante peça de São José Almeida parece ficar a faltar o argumento central: o exercício do poder. Tal facto acaba por ser o principal analgésico para curar problemas de oposições internas nos partidos. A actual liderança socialista encontra-se no governo, com maioria absoluta, a cumprir o primeiro mandato e as sondagens continuam a ser-lhe favoráveis. Perante tal cenário, que tipo de oposição interna poderá surgir? Perante tal cenário, qualquer tipo de explicações adicionais assumirão sempre um papel secundário.

Musharraf e Perpetuação no Poder

Com eleições agendadas para Janeiro, e no mesmo dia que a sua mais temível adversária, Benazir Bhuto, chegou ao país, Musharraf decidiu decretar um estado de emergência. Motivo: o terrorismo que assola o Paquistão…

A História repete-se e só podemos ficar “surpreendidos” com quem se diz “surpreendido” com a História. Basta ver a forma como Musharraf chegou ao poder e como o manteve desde então para se perceber claramente qual o seu cariz político. O 11 de Setembro e a mudança no contexto internacional então operada fizeram com que, de um dia para o outro, o general ditador passasse a ser um amigo do Ocidente, devido a todo o apoio dado na invasão do Afeganistão. A política internacional tem destas coisas…

Os resultados estão à vista. A transição para a democracia que o ditador diz estar a levar a cabo acaba sempre por ter um final adiado. Um comportamento altamente surpreendente numa ditadura, não? Até porque estas caracterizam-se por abdicar facilmente do poder, certo?

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Listas de Espera e os Fantásticos Argumentos da Secretária de Estado

Divulgaram-se mais uma vez os expressivos números das listas de esperas em Portugal. Nada mais do que 380 000 utentes à espera da primeira consulta. Perante tal catástrofe, a Secretária de Estado Adjunta da Saúde não perdeu tempo. Em entrevista passada no telejornal das 20h da RTP, apressou-se a desacreditar os números com base em três poderosos argumentos.

Primeiro Argumento “Nem todos os hospitais responderam ao inquérito.”
Podemos então presumir que o número poderá ser maior?!? A Secretária de Estado Adjunta não esclareceu…
Segundo Argumento“Muitos utentes podem ter-se cansado de esperar e recorreram a sistemas de saúde privados.”
Brutal… Os portugueses ficaram todos mais descansados com tão importante nuance.
Terceiro Argumento“Muitos dos utentes em lista de espera poderão já ter falecido.”
Desculpe?!? Importa-se de repetir? Não devo ter ouvido bem…

Bem… Se quisesse fazer pior, não teria conseguido. Foi fantástico: três tiros, três melros. A oposição começa a ter uma séria concorrência no seu papel de desacreditar o Executivo…

PS: Tudo isto aconteceu no mesmo dia em que Mário Lino esclareceu que iria dar uma “vista de olhos” no estudo da CIP…

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Identidade: Problema da Esquerda e da Direita em Portugal

José Miguel Júdice faz este mês, na revista Atlântico, um diagnóstico à saúde da democracia Portuguesa. Entre outras coisas, sublinha a importância do confronto claro de ideias em democracia e a necessidade deste assentar sobretudo numa discussão bipolar: esquerda vs direita.

Parte então para a análise do presente panorama português, identificando a desorientação em que a direita se encontra e as dificuldades que tem em se afirmar no seu espaço e em se constituir como uma clara alternativa. Defende então a criação de um grande partido de centro-direita em Portugal, baseado na fusão PSD e CDS.

Mas o mal que a direita padece é também um mal da esquerda em Portugal. E não se trata de um problema conjuntural, mas sim de algo claramente estrutural. Tem origem na forma como se processou a transição para a democracia em Portugal e a forma como foi ocupado o espaço político. Por um lado, um PS que se afirmou aproximando-se da direita e em oposição aos comunistas. Por outro lado, um PSD que agrupou um grupo demasiado vasto de tendências numa altura de esquerdização da luta ideológica, levando-o a sérios problemas de identidade ainda hoje visíveis.

Se a isto somarmos a tendência rumo ao centro das democracias consolidadas, chegamos facilmente ao cenário português, com um PS que defende políticas que nem a direita se atreveria e um PSD que se posiciona pela esquerda e pela direita ao sabor dos ventos. A falta de polarização na democracia portuguesa tem consequências negativas na estruturação política do eleitorado. Facto que é aliás muito bem comprovado no livro “Esquerda e Direita” de André Freire (publicado pela Imprensa de Ciências Sociais).

Se a solução passa pela união de esforços à direita ou à esquerda, como defende Júdice, tenho sinceras dúvidas. A reformulação das instituições tem o seu peso na mudança da realidade mas, no caso português, parece-me demasiado evidente a falta de amadurecimento da cultura política das elites partidária. Sem isso, não me parece que sejam as soluções de grandes fusões políticas que resolverão o problema.