segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

A Blogosfera segundo Pacheco Pereira

Pacheco Pereira brindou-nos, no Público de Sábado, com uma reflexão interessante sobre a blogosfera em Portugal. Embora reconheça diversos aspectos positivos, parece sobretudo empenhado em querer fazer sobressair os aspectos negativos da mesma.

A título de exemplo, afirma que a blogosfera “…caminha para ser um instrumento suplementar que reforça as duas tendências em curso nos nossos dias: a da substituição da democracia pela demagogia e a espectacularização da sociedade.” Subentende-se que legitima a referida opinião com base nas características imediatistas, impulsivas e maniqueístas que atribui à blogosfera.

O seu discurso parece assim não apreciar muito o reverso da medalha. Ou seja, o facto de a blogosfera se constituir também como um importante instrumento de participação no espaço público. E de participação de muitos que, de outro modo, não o fariam. Os problemas que Pacheco Pereira aponta são, aliás, argumentos típicos dos opositores de um alargamento excessivo da participação nas sociedades democráticas.

Por outro lado, o seu discurso parece também não ter muito em conta o facto do mundo dos blogues possuir, apesar de tudo, mecanismos interessantes de filtragem da demagogia e da espectacularização que refere. Essa filtragem sucede até, e desde logo, pelo razoável nível de exigência do tipo de população portuguesa consumidora de blogues.

Neste contexto, embora o seu artigo toque diversos pontos importantes e interessantes, Pacheco Pereira não esconde um certo espírito elitista no acesso ao direito de opinar. Deixa transparecer algum incómodo a este respeito, disfarçando-o ligeiramente com as bandeiras dos “perigos para a democracia”. É pena, porque o artigo até era um bom artigo. Não havia necessidade….

domingo, 30 de dezembro de 2007

O Ano de Sócrates?

Os balanços políticos que inundam agora os jornais neste final de ano são mais ou menos consensuais ao atribuir a Sócrates uma quase total hegemonia sobre a oposição durante 2007.

Alguns atribuem a maior parte do ónus ao próprio mérito de Sócrates e seu governo. Outros justificam tal hegemonia com o demérito da oposição, sendo Pacheco Pereira (na Sábado) e Vasco Pulido Valente (no Público de ontem) peremptórios a este respeito. Segundo eles, Menezes foi uma desilusão, Portas não surgiu, Jerónimo foi igual a si mesmo e Louçã andou apagado. Mas será a oposição assim tão responsável quanto isso?

Apesar dos tremendos erros cometidos durante o presente ano, Sócrates não foi catastrófico. E, tendo em conta as condições políticas que actualmente beneficia, seria necessário ser um desastre total para perder a confiança da maioria dos portugueses. Sócrates beneficia de uma maioria absoluta, possui menos de 3 anos de governo e possui como álibi uma legislatura anterior do PSD que foi essa sim catastrófica. Assim sendo,

Sem querer ser excessivamente estruturalista, mesmo que a oposição tivesse sido fantástica, dificilmente se verificaria para já uma descendência abrupta do actual ciclo político do PS.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

CGD e a Luta pela Sucessão

Como era de esperar, a luta pela sucessão na CGD já se iniciou. Lançam-se nomes, analisam-se conveniências… Quem será o feliz contemplado com tão cobiçado cargo de nomeação política?

Luis Filipe Menezes e Pedro Silva Pereira envolveram-se já numa troca de palavras a este respeito. O primeiro lançou o nome de Miguel Cadilhe, argumentando que “está na altura de o Governo nomear (…) uma personalidade próxima da área do maior partido da oposição”. Silva Pereira respondeu, de forma quase ofendida, alegando que Menezes possui “uma estranha visão dos critérios de nomeação que devem ser seguidos”.

Paradoxalmente ou não, resta saber qual a postura mais perigosa… A de Luis Filipe Menezes, intercedendo sem pudor por um dos seus? Ou a de Silva Pereira, negando peremptoriamente que estas nomeações têm sempre em conta motivações políticas? Humm… Confesso-me sinceramente indeciso…

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Benazir Bhutto: E eis que um atentado coloca tudo na mesma

Musharaf avisou sobre o perigo islâmico. A ingénua Bernazir não quis acreditar. E eis um final sangrento que certamente determinará um novo adiamento das eleições…

O atentado que hoje vitimou Benazir Bhutto tem, para já, o efeito de poder colocar tudo na mesma (ver reportagem aqui e aqui). Sim, alguns dirão que é o caos em que se encontra mergulhado o Paquistão que ditou este triste final. Entre militares anti-democráticos, fanáticos islâmicos e uma oposição pouco sólida, uma espécie de fatalismo quase previsível ocorreu.

No entanto, embora ainda a quente, importa questionar sobre quem beneficia com o actual cenário? Quem beneficia com a morte de Bhutto e com o adiamento das eleições? E, já agora, haverá desta vez abertura de Musharraf para que uma investigação internacional ao sucedido seja levada a cabo?

Bacalhau e Doces Inibem Activismo

Apesar de dever ser uma época de jejum, de reflexão, de pensar o mundo, etc etc, o Natal acaba sim por ser uma época de fartura, consumismo forte e feio, alheamento total ou quase total. Uma espécie de ópio do povo, como diria Marx.

Mas o alheamento pode ter também uma explicação física. Como é possível praticar-se qualquer tipo de activismo e intervenção após almoçaradas e jantaradas de bacalhau e peru, devidamente regadas com bom vinho e finalizadas com tentadoras sobremesas de todas as formas e feitios? O cérebro continua a funcionar, mas a muito custo…

E o referido cenário não sucede apenas durante um dia. São dias consecutivos de desgraça alimentar total, sempre seguidos de períodos de nirvana enquanto a barriga ronca e o estômago faz os esforços possíveis e impossíveis para digerir as desgraças ingeridas durante os banquetes. Eis o mal que atormentou este activista nos últimos dias… Hoje, já parcialmente recuperado, voltou a abrir os jornais e a ver, de forma doseada, as últimas da actualidade…

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Crise no BCP e o Mercado de Transferências ao Rubro

Depois de Carlos Santos Ferreira, agora também Armando Vara parece ser um dos rostos que sai da CGD para o BCP. Perdoem-me a ignorância mas não deveriam existir incompatibilidades nestas transferências?

Apesar de toda a sua gestão de índole privada, a CGD continua a ser um banco que, pelo menos para já, continua a ser público. Será assim tão normal que membros da sua direcção possam debandar directamente para o seu maior concorrente privado? Tal não colocará em causa, de alguma forma, a própria gestão da CGD?

Pelos vistos, e pelo que temos assistido, não existe qualquer regime de incompatibilidade na referida transferência. Muitos dirão que os referidos impedimentos formais apenas impediriam o mercado de funcionar livremente. Estranho mercado este…

sábado, 22 de dezembro de 2007

Já não há Políticos como Antigamente…

Não é uma discussão nova, antes pelo contrário. Deve ser aliás das discussões mais antigas. E são múltiplas as explicações avançadas para justificar o sentimento de que “já não há políticos como antigamente”.

No Público de ontem, Luis Campos e Cunha retoma esta velha discussão argumentando que hoje existem sobretudo representantes nos lugares que deviam ser ocupados por líderes. Representantes quase exclusivamente guiados por sondagens e que estão longe de ter a rectidão dos líderes do antigamente. A figura de Churchill é, como seria de esperar, dada como exemplo em oposição aos políticos de hoje, manifestamente menos verdadeiros e mais corruptivos

Sem querer entrar em grandes dissertações a este respeito, naturalmente que os políticos de hoje não são geneticamente inferiores aos do passado. Estranho será também achar que os actuais políticos estão aquém por possuírem menores “taxas de carácter” do que os seus antepassados. Como é evidente, a explicação para o presente desânimo para com a classe política só pode ser encontrada em factores estruturais.

Entre os diversos factores explicativos apontados por Luis Campos e Cunha, destacaria os importantes efeitos da crescente mediatização e da velocidade na divulgação e acesso à informação. Nunca a imagem do homem público foi tão dessacralizada como hoje. Nunca a monitorização dos seus passos e decisões foi tão cerrada. Nunca existiu tanta massa crítica, ou outra, com capacidade de acompanhar a par e passo, e em tempo real, cada decisão, cada gesto, cada atitude dos responsáveis políticos.

A descida do pedestal dos responsáveis políticos tem naturalmente fortes implicações na sustentação dos regimes democráticos. Como compensar esta dessacralização? Um maior recurso a modelos de democracia directa, responsabilizando mais os cidadãos em prejuízo da lógica representativa? É uma hipótese.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O Governo, os Funcionários Públicos e o Presente de Natal

O Governo surpreendeu concedendo tolerância de ponto no dia 24 e no dia 31 aos seus adorados funcionários públicos. Relembro que, nos últimos anos, os funcionários da administração central tiveram de optar por um dos dias, nunca obtendo os dois. Os sacrifícios assim o exigiam. Mas hoje é diferente e os funcionários públicos levam para casa um bom presentinho de Natal.

No entanto, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Importa, deste modo, saber o porquê de tão simpático gesto de boa vontade. Pode-se rapidamente concluir que é uma forma de compensar a perda de poder de compra dos últimos anos ou o ataque serrado aos direitos dos funcionários públicos. Mas, sinceramente, tudo isto parece uma teoria da conspiração que sabe a pouco. É necessário algo mais substantivo….

Humm… Esperem um pouco… Aqui está! Apenas um dia antes de ser anunciada a tolerância de ponto pelo Governo, o PS viu aprovada na Assembleia da República uma proposta de lei que prevê um aumento de 1% nas contribuições sociais dos funcionários públicos a partir de 2009. No fundo, tomem lá a tolerância de ponto e dêem para cá mais 1% do vosso salário a partir de 2009. Enfim… Este Governo é um brincalhão. É um maroto…

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Os Custos da Democracia

Quatro anos e meio depois de ser aprovada, a lei nº2/2003 de 22 de Agosto começa a gerar polémica junto dos partidos com menor expressão eleitoral. Segundo o diploma, caso as forças políticas não demonstrem ter um mínimo de 5000 militantes, deverão ser extintas automaticamente. Partidos como o MRPP, o PND, o POUS, o PPM, o MPT ou o PDA poderão desaparecer caso a lei seja de facto aplicada.

Defendo naturalmente a seriedade na constituição e manutenção das forças políticas. Têm de ser devidamente reguladas, é certo. Deverão ser acompanhadas de forma a garantir que não prosseguem objectivos diversos do seu âmbito. Mas o limiar estabelecido pela referida lei ameaça excessivamente o direito à liberdade de manutenção de uma das principais instituições dos regimes democráticos: os partidos políticos.

Mesmo que se constituam como forças políticas claramente minoritárias, e mesmo que tal signifique que o Estado tenha custos desproporcionais na manutenção das mesmas, estes são custos que a Democracia deve assumir.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Em Busca da Terra Prometida

O caso dos imigrantes africanos que, após quatro dias ao frio, sem comer nem beber, vieram dar à costa algarvia, deve-nos pelo menos colocar a pensar sobre o desespero de todos aqueles que tentam a custo alcançar a Europa. Fogem aos flagelos dos seus países. Vêm para trabalhar. Buscam uma vida melhor.

Como diz o Daniel Oliveira, há apenas umas décadas atrás, eram os portugueses os desgraçados que procuravam uma vida melhor noutro país. Atravessavam campos e rios, quilómetros e quilómetros tentando alcançar a fronteira espanhola, em busca do sonho francês, suíço ou alemão… Hoje Portugal encontra-se na margem rica do mar mediterrâneo. A margem prometida, a margem de todos os sonhos.

E o que encontra pela frente quem, vindo de África, tenta alcançar esta terra prometida em busca de trabalho e paz? Arame farpado, SEFs e companhia e tribunais de repatriamento. Oops… Afinal a terra prometida é só para alguns…

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O Poder das Quotas

Nas últimas eleições para a distrital do PSD-Porto, um número extraordinário de mulheres integrou as listas e conseguiu ser eleito. Apesar de algumas afirmarem ser contra a lei das quotas, o que é facto é que esta começa já a surtir alguns efeitos positivos.

É um assunto que não tem estado na agenda, fruto da lei só entrar em vigor em 2009, mas que muita tinta já fez correr. De um lado, os favoráveis à aplicação das quotas, procurando assim impulsionar a participação feminina na vida partidária e política. Do outro lado, os opositores das quotas, que afirmam que a integração das mulheres na política não deverá ser feita através de discriminação positiva, mas sim naturalmente.

Apesar de sermos dos países europeus com menor paridade de sexos na vida política, somos os mais reticentes a aplicar mecanismos de discriminação positiva para atenuar desigualdades. Quase consideráramos bárbaros estes mecanismos porque cremos, não sei porquê, que uma qualquer “mão invisível” acabará por resolver o problema… O caso da distrital do PSD mostra bem que, apesar de tudo, a lei terá um efeito positivo na constituição das listas partidárias. Os partidos até o podem negar, mas os efeitos estarão lá.

PSD apoiará a decisão de Sócrates?!?

O Público noticiou no sábado que o PSD “…apoiará a decisão que o primeiro-ministro tomar em relação à ratificação do tratado de Lisboa. Se José Sócrates optar por referendar o tratado, Ribau Esteves disse que o PSD fará campanha pelo "sim".” O quê???

É verdade que alguns consensos têm surgido ao centro nos últimos tempos. Mas o PSD fazer depender um seu posicionamento da decisão do seu principal adversário é no mínimo caricato.
Demonstra bem o quanto a questão do referendar ou não o Tratado Europeu está a impulsionar contradições tremendas na política portuguesa.

No caso do PSD, a sua direcção já assumiu que não defenderá a existência de um referendo. Mas e se o PS resolvesse, afinal de contas, levar o Tratado a referendo? Neste caso, e dado a delicadeza da questão, o PSD acabaria por não poder fazer campanha contra tal opção socialista. Encontra-se portanto por ficar completamente refém do posicionamento do PS neste domínio. Enfim… O tema do referendo ao Tratado está a despoletar insólitos nunca vistos na democracia portuguesa…

domingo, 16 de dezembro de 2007

O Portugal da West Coast

O Instituto de Turismo de Portugal já nos tinha brindado com algumas modernas campanhas promovendo o país como destino turístico. Embora a maioria seja nitidamente direccionada para o público estrangeiro, alguma tem também sido comunicada internamente, e bem. No entanto, tal não é o caso da última campanha com o slogan “Portugal: the West Coast of Europe”.

A utilização de caras como Mourinho, Mariza ou Ronaldo poderá fazer sentido no estrangeiro. Mas qual o objectivo de, ao passarmos no Marquês de Pombal, na A5 ou ao folhear o Expresso, depararmo-nos com gigantescos anúncios com as referidas caras acompanhadas do slogan acima? Admito que alguns sentimentos pseudo-nacionalistas poderão ser gerados. Mas alguém fará mais turismo cá dentro por isso? Ou investirá mais no território nacional por ver os exemplos de Ronaldo ou de Mourinho?

O Zero de Conduta defende que tal não passa de mais uma tremenda propaganda interna governamental. É uma hipótese… Mas sinceramente inclino-me mais para a hipótese do puro disparate e da tremenda idiotice…

sábado, 15 de dezembro de 2007

A Rebeldia da Juventude Socialista

A JS antecipou-se ao seu partido e assumiu a defesa de um referendo ao Tratado de Lisboa. A sua tomada de posição, e o timing em que tal foi anunciado, revelam irreverência e coragem. Mas até onde irá esta rebeldia?

É natural e mais do que reconhecida a irreverência e rebeldia da JS relativamente ao PS em alguns domínios. Embora tal acabe por muitas vezes não se revelar nas suas bases, a actual direcção de Pedro Nuno Santos tem também um posicionamento claramente mais à esquerda do que o seu partido.

Centrando-nos na questão da defesa do referendo ao Tratado, importa no entanto saber até onde irá esta adivinhada divergência com a orientação do PS. Poderemos esperar campanhas da JS sobre esta causa? Poderemos esperar que os seus deputados na Assembleia da República defendam o referendo, mesmo que em discordância com o seu partido? Ou tal já será pedir muito?

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Tratado de Lisboa: Portugal à Grande

O tratado foi assinado há pouco. Um momento histórico memorável, sem dúvida. Um passo importante para a UE foi dado, não devendo de todo desmerecer consideração. Quanto ao papel de Portugal, fico na dúvida se devemos qualificá-lo de “em grande” ou “à grande”. Se calhar ambos…

A Portugal foi concedida a magnifica oportunidade de ser o anfitrião da assinatura do Tratado. E não desperdiçamos. Correu bem. Foi uma vitória da presidência portuguesa e foi uma vitória de Sócrates. A vitória política alcançada poderá ter alguns reflexos internamente, embora a parte mais substantiva reflectir-se-á sobretudo a nível a Europeu. Mas importa também sublinhar o quanto Portugal responde bem a este tipo de responsabilidades que lhes são confiadas. Politicamente somos razoáveis/bons, mas é em questões de logística, protocolo e espectáculo que mais nos distinguimos.

Quem hoje assistiu pela televisão a todo a logística do evento, desde cenários, questões de protocolo, mega-ecrãs por detrás da mesa de assinatura do tratado, música ambiente a empolar momento, a Dulce Pontes a cantar eufórica para encerrar a cerimónia, percebe bem que neste tipo de questões somos os maiores. Somos experts a organizar eventos. Preparamos cimeiras magníficas, congressos extraordinários, exposições inesquecíveis… Nestes aspectos, quase ninguém nos bate. Connosco, é sempre tudo à grande!

Normalmente são os países menos desenvolvidos que se distinguem neste ramo de expertise. Seremos uma excepção?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Referendo ao Tratado e “Boas Maneiras”

Os deputados do grupo parlamentar europeu "Esquerda Unida" vaiaram hoje Sócrates e Barroso. A acção teve como objectivo protestar contra a falta de vontade na realização de referendos ao novo Tratado Europeu. Sócrates acusou-os de não terem ou não usarem boas maneiras. Uma acusação curiosa tendo em conta que se dirige a deputados que defendem que os cidadãos se pronunciem sobre o futuro da Europa…

Confesso que ainda não vi as imagens. E concordo que um parlamento não é o local mais indicado para este tipo de protesto. De qualquer modo, julgo que o cenário de hoje representa bem o tremendo paradoxo democrático em que a Europa se encontra. Deparamo-nos com uma Comissão, com um Concelho e com a maioria do Parlamento Europeu fazendo os possíveis e os impossíveis para que os cidadãos não se pronunciem.

O instrumento do referendo, reconhecido como uma ferramenta central nas sociedades democráticas, apresenta-se agora como uma espécie de cancro que importa evitar a todo o custo. Melhor ainda, aqueles que o defendem: ou não têm boas maneiras, ou são contra a Europa, ou são ambas as coisas… Tremendo paradoxo democrático.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O Dueto de Menezes e Santana

O Público de hoje publica uma análise feita à atenção merecida por diversos políticos portugueses nos últimos dois meses nos órgãos de comunicação social. Destaca-se naturalmente a proximidade do mediático Santana face ao líder do seu partido, Luis Filipe Menezes. Resta saber qual a sustentabilidade da presente situação.

Ainda antes da eleição de Santana, o presente cenário era já claramente previsto por diversos analistas. Passados menos de dois meses, os dados não enganam. No entanto, passados dois meses, os dados também não são catastróficos para Luis Filipe Menezes. E, como o artigo sublinha, parece haver um acordo de cavalheiros entre o líder do grupo parlamentar e o líder do partido no sentido de partilharem o mediatismo. Até não tem funcionado mal…

Mas o que torna deveras interessante esta questão é que nenhum analista ou astrólogo político conseguiu ainda prever, de forma sustentada, qual a esperança média de vida desta estranha aliança… Umas semanas? Uns meses? Uns anos? O astrólogo aqui do Activismo de Sofá aposta que o dueto de Menezes e Santana durará menos de um ano. Aceitam-se outras apostas.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Síndrome do “roubo, mas faço!”

A síndrome do “roubo, mas faço!” é um sintoma cancerígeno dos sistemas democráticos. Normalmente manifesta-se em regimes pouco consolidados, sendo a parca cultura democrática do eleitorado uma das suas principais causas.

Mas em que consiste esta síndrome? Manifesta-se quando um político, apesar de fortemente indiciado como corrupto, é insistentemente apoiado pela população que o elege sob o lema “ele rouba, mas faz!”. Os manuais de medicina política consagram que este tipo de vírus tende a surgir sobretudo em zonas menos desenvolvidas de um determinado território. Zonas atrasadas e rurais, normalmente povoadas por pessoas pouco instruídas. No entanto, o caso português está cá para mostrar o contrário.

Oeiras apresenta-se como exemplo paradigmático a este respeito. É dos concelhos mais urbanos e mais desenvolvidos do país, com um PIB por habitante muito significativo e com taxas de escolarização elevadíssimas tendo em conta o panorama nacional. No entanto, de há diversos anos para cá, padece da síndrome do “roubo, mas faço”. Um verdadeiro case study…

A Marca Açores

O fim da novela que durante não sei quantos meses encheu o horário nobre com um enredo tremendo, misturado com magnificas paisagens açorianas, surge como pretexto para reflectir sobre o quanto a marca Açores tem ganho peso nos últimos anos.

Dos outdoors aos anúncios televisivos de queijo flamengo, da publicidade nas caixas multibanco à novela "Ilha dos Amores", a marca Açores tem sofrido um incremento de peso muito significativo. A marca tem conseguido associar-se a natureza intacta, a produtos de qualidade e a destino turístico de referência. E falo em marca Açores por julgar que toda a promoção que tem sido feita , das mais variadas maneiras, tem contribuído para que o arquipélago seja associado a uma série de conceitos, imagens e até valores que em muito contribuem para a sua atractividade.

A novela que agora terminou contou com um apoio do Governo Regional de cerca de 350 mil euros, assim como de algumas empresas da região. Tal foi inicialmente visto por alguns como uma forma pouco ortodoxa de utilização de fundos públicos. Passados uns meses, parecem não restar dúvidas que o preço pago não foi significativo tendo em conta os custos normais associados a qualquer campanha de comunicação. A marca Açores saiu muito reforçada do investimento feito, sendo hoje ainda mais natural que qualquer português, mesmo que não conheça o arquipélago, o associe a paisagens maravilhosas, a natureza no seu melhor, a férias de sonho.

Como é evidente, competirá agora à região conseguir gerir as expectativas que sobre ela recaem. Com investimentos em infra-estruturas, promoção de um turismo de qualidade, etc. De qualquer modo, a marca está em alta e tal constitui já, por si só, uma vitória muito significativa.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Sobre Marinho Pinto e o seu Populismo

O tom do novo bastionário da Ordem dos Advogados está a incomodar a velha guarda da profissão. Júdice até já o chamou de populista e comparou-o a Chávez. Em vez de se limitar a usar o jargão “populista”, que parece estar tão em voga, Júdice devia perder um pouco de tempo a pensar nas causas de tal fenómeno. Evitavam-se assim alguns disparates…

Ainda em campanha, Marinho Pinto elegeu o combate aos interesses instalados dos grandes grupos da advocacia como uma das suas principais bandeiras. E promete continuar a sua batalha. Tal tem-lhe valido obviamente o desprezo dos grandes da advocacia, com José Miguel Júdice à cabeça. Este não se coibiu de afirmar que o novo bastionário “é um populista como populista foi Mussolini e como populista é Hugo Chávez”.

Independentemente de concordarmos ou não com o tom e prioridades de Marinho Pinto, se calhar Júdice devia não esquecer que os ditos populistas surgem sobretudo por manifesta incompetência dos seus antecessores em responder às aspirações de quem os elege. Surgem por os eleitores considerarem que quem até agora os representou não tem feito mais do que servir interesses estabelecidos. Mas não. No fundo, para quê enfiar o barrete quando se auto-atribui um estatuto de senador iluminado, sendo bem mais fácil partir-se para a acusação gratuita?

Os Meandros da Luta contra o Terrorismo

A CIA destruiu dezenas de horas de interrogatórios a membros da Al-Qaeda que utilizaram técnicas “menos legitimas” de obtenção de informação, nomeadamente simulação de afogamento (waterboarding). Mas não se preocupem, o Congresso está já a actuar…

Segundo o Público, o episódio foi revelado no mesmo dia em que em que “a Câmara dos Representantes e o Senado chegaram a acordo para a aprovação de legislação para o estabelecimento de um código de conduta de interrogatórios, eliminando técnicas coercivas como o waterboarding, a nudez forçada, choques eléctricos ou o uso de cães”… Desculpe, importa-se de repetir?!?

Sim, as organizações de defesa dos direitos humanos têm-se fartado de denunciar os atropelos cometidos em Guantanamo a coberto da luta contra o terrorismo. Mas saber que o Congresso Americano só agora está a legislar contra a utilização de tais técnicas é no mínimo bizarro. E a boa da chapada, arranque de unhas ou a tortura do sono, será que já legislaram contra isso?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Direitos Humanos vs Croquetes e Business as Usual

É evidente que este tipo de eventos, como o da Cimeira UE-Africa, têm de ser sempre geridos com paninhos quentes. De outro modo, muitos dos líderes africanos não estariam sequer presentes. De qualquer modo, é inadmissível que se branqueie a questão dos direitos humanos. A Cimeira tem de ser algo mais do que croquetes e business as usual.

Um grupo de eurodeputados e activistas dos direitos humanos dirigiram uma carta aberta aos líderes presentes na Cimeira UE-África exigindo que a catástrofe humanitária no Darfur seja discutida na agenda. O Darfur destaca-se naturalmente dada as proporções da calamidade que afecta há anos a região sudanesa. Mas não será necessário muito esforço para recolher outros tantos exemplos de violações gravíssimas dos direitos humanos no continente africano.

Poderão vir os neo-realistas afirmar que o desenvolvimento económico e a aproximação entre líderes constituem já um importante contributo para a promoção da democracia e dos direitos humanos. Mas não chega! E é até ultrajante que se argumente desta forma quando milhares e milhares de seres humanos são literalmente chacinados em diversos países africanos. Haja vergonha e tenha-se a dignidade de não branquear a questão dos direitos humanos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O que (não) se espera da Cimeira UE-África

O aparato já começou. Dez milhões de euros de gastos, o maior dispositivo de segurança de sempre, um número recorde de chefes de Estado e de Governo em Lisboa, milhares de croquetes, rissóis, sumos, vinhos e champanhes para os convidados.

Pastas, canetas, milhares e milhares de brindes, hotéis lotados, limusinas com fartura, o Parque das Nações em segurança máxima e até uma tenda no forte de São Julião da Barra. No meio de tudo isto, um curiosidade também importante a reter: Lisboa será durante três dias a cidade do mundo com mais ditadores por metro quadrado.

Não, não é a apologia de que estes eventos não se devem realizar. Podem ser espaços importantes de diálogo entre responsáveis dos diversos países. E não, também não é a apologia de que os ditadores não devem sequer pisar o solo português. As ditaduras não se combatem com isolamentos. É sim, confesso, um olhar crítico sobre o aparato logístico destas cimeiras e, sobretudo, um olhar céptico sobre os reais outputs das mesmas. As pomposas declarações e bonitas proclamações que normalmente saem deste tipo de eventos internacionais acabam por raramente ter uma sequer significativa aplicabilidade futura.

Os efeitos da cimeira não se medirão com base nos compromissos aqui assumidos, mas sim nas proximidades ganhas entre os diversos responsáveis dos países representados. Neste contexto, podemos na melhor das hipóteses esperar que se criem alguns laços que impulsionem de algum modo (sublinho o “de algum modo”) a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento socioeconómico e o diálogo intercultural. E tal já representará, sem dúvida, um colocar da fasquia num patamar muito elevado…

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Uma crise muito útil a António Costa

A crise na Câmara Municipal de Lisboa foi ontem fechada com cedências de ambas as partes. Os 500 milhões de António Costa passaram a 400 milhões. De qualquer modo, António Costa conseguiu afirmar-se bem perante um PSD desorientado.

Perante o desfecho ontem conseguido, alguns questionam o porquê do drama da ameaça de demissão de António Costa. Só pode ser uma pergunta retórica… Ao ameaçar demitir-se, António Costa colocou imediatamente o PSD em xeque. Caso tal acontecesse e existissem novas eleições antecipadas, Costa conseguiria certamente uma maioria absoluta. Por outro lado, e não se tendo verificado o referido cenário, o PSD já sabe com o que pode contar de António Costa.

Sobre o acordo conseguido, parece também claro que o actual presidente da CML saiu por cima. Embora tenha perdido 100 milhões relativamente à sua proposta inicial, conseguiu que os deputados laranjas se abstivessem na votação da sua própria proposta… Brutal. Se acrescentarmos ainda que se tornaram evidentes as divisões entre muitos deputados municipais do PSD e as orientações de Luis Filipe Menenes, concluímos facilmente que a presente crise foi muitissimo bem capitalizada por António Costa.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Discurso da Aproximação dos Eleitos aos Eleitores

O PS e o PSD procuram entendimentos sobre a reforma do sistema eleitoral. A proposta de alguns grandes círculos serem divididos, criando-se simultaneamente um círculo nacional, poderá ser uma solução intermédia razoável relativamente à proposta anterior de criação de círculos uninominais.

Até agora a discussão parecia direccionar-se exclusivamente para a criação de círculos uninominais, com base no argumento da aproximação dos eleitos aos eleitores. Tal sistema levaria, no entanto, a uma sub-representação das forças políticas mais pequenas. Por outro lado, é mais do que sabido que a badalada aproximação dos eleitores dos eleitos pode ser promovida sem que se apliquem mecanismos maioritários de eleição. Basta que existam políticas internas dos próprios partidos nesse sentido.

A solução intermédia hoje noticiada de reforma do sistema eleitoral pode ser interessante, satisfazendo o objectivo de reduzir o tamanho dos círculos, incentivando que o número de votos necessários para eleger os deputados em qualquer zona do país seja semelhante e assegurando razoavelmente a representatividade das pequenas forças políticas. De qualquer modo, importa que o PS e o PSD não esqueçam o grandioso objectivo de aproximar os eleitos dos eleitores, uma vez que a solução em discussão não altera significativamente o panorama actual. O que pretendem fazer nas suas estruturas partidárias a este respeito? Se pretenderem fazer algo coisa (o que duvido), muito bem. Se não, comprovar-se-á que a discussão dos círculos uninominais tinha sobretudo como objectivo reforçar os dois maiores partidos.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Taxa de Desemprego: Os Sacrifícios estão á Vista

Como noticiam as televisões e a imprensa online, Portugal possui já a terceira mais elevada taxa de desemprego da UE. Ocupa a primeira posição na subida da referida taxa entre Outubro de 2006 e Outubro de 2007. Os sacrifícios pedidos aos portugueses estão à vista.

Em poucos anos, Portugal deixou de ser um dos países da UE com menor desemprego, ocupando agora um lugar cimeiro. A taxa de desemprego representa um importante indicador sobre o sucesso da política económica desenvolvida por um Governo, não só tendo em conta o seu valor absoluto, mas sobretudo a sua evolução. Sócrates deverá ter razões para começar a ficar deveras preocupado. E desta vez não valerá a pena argumentar com a forma como o PSD deixou o país ou com a influência do panorama internacional...

PS 4/12/2007: Bem... Parece que houve um erro do Eurostat. Afinal Portugal registou uma taxa de desemprego de 8,2%, contrariamente aos 8,5% avançados no príncipio do dia de ontem. De qualquer modo, e num cenário em que a média da UE é agora de 7 %, o problema não deixa de ser muitíssimo preocupante.

PND e a Falta de Espaço

Manuel Monteiro mostra-se convicto em avançar com a expulsão da facção de extrema-direita que parece querer conquistar o seu jovem partido. Mas este ataque revela também a dificuldade que o Nova Democracia possui em encontrar espaço no actual sistema de partidos português.

Manuel Monteiro tem-se esforçado por desvincular-se de qualquer extremismo, radicalismo e nacionalismo isolacionista que possa querer tomar o PND. Contrapõe que o seu partido é conservador, liberal e soberanista. Afirma portanto valores que mais não são do que uma quase perfeita caracterização ideológica do CDS, possuindo apenas um toque ligeiramente mais à direita.

Neste contexto, onde espera o líder do PND conquistar militâncias? Pretende atacar a já tão pequena base de militantes do CDS? Ou espera encontrar miraculosamente toda uma base de militâncias até hoje não descoberta no panorama nacional? Dificilmente Manuel Monteiro encontrará um espaço mínimo à direita do CDS que não resvale para a direita extrema e anti-democrática. Os declarados ataques que o seu partido parece estar a sofrer revelam isso mesmo.

sábado, 1 de dezembro de 2007

1,5 milhões de euros!?!

Isabel Pires de Lima anunciou orgulhosamente que o Estado Português conseguiu adquirir o quadro “Deposição de Cristo” de Giovanni Tiepolo. Custou a módica quantia de 1,5 milhões de euros. Bem… Não será um pouco excessivo?

Sim, bem sei que este tipo de obras tem um valor inestimável. Também sei que a cultura não tem preço e que a colecção dos museus portugueses fica enriquecida com tão importante obra. Mas não será excessivo que o Ministério da Cultura gaste um valor tão significativo num quadro? O referido valor não seria melhor empregue noutro tipo de despesas com a cultura?

Acho importante que este tipo de obras fique nos museus portugueses. Mas custa-me que a sua dispendiosa aquisição recaia exclusivamente no famigerado orçamento da Cultura. Aqui sim se exigia uma forte campanha de incentivo ao mecenato. No actual cenário onde predomina o “discurso do esforço e da contenção”, e mesmo correndo o risco de me chamarem bronco ignorante, não percebo como é que a aquisição de um quadro de 1,5 milhões de euros pode ser encarada como uma vitória da Ministra da Cultura.

O Discurso da Tranquilidade

Sobre a greve geral da função pública, Sócrates diz que a encarou com tranquilidade. Sobre o facto de Cavaco ter pedido a revisão da constitucionalidade da lei dos vínculos da Função Pública, Sócrates também o encarou como algo perfeitamente normal…

Expressar tranquilidade quando, pelo menos, 20% dos funcionários públicos chegaram ao ponto de abdicar de um dia de vencimento em sinal de protesto contra as políticas governamentais, acaba por ser estranho. Considerar normal que uma lei aprovada pelo seu Executivo seja sujeita a revisão da constitucionalidade é, no mínimo, paradoxal. Podemos então deduzir que a lei foi feita sem ter em atenção o necessário acordo com a constituição? Independentemente de ter existido algum tipo de pré-acordo entre Sócrates e Cavaco sobre o acto deste último, a situação dificilmente pode ser considerada normal.

Como sabemos, quando as condições são adversas, o actor político acentua o discurso da normalidade e da tranquilidade. A situação actual não é excessivamente critica para o Executivo, como aliás continuam a demonstrar as sondagens. De qualquer modo, não será necessário ser profeta para se constatar que, nos próximos tempos, o Governo tenderá a manifestar-se cada vez mais “tranquilo”.