terça-feira, 17 de março de 2015

Atenção! Mudança em Curso


Começam a surgir peças jornalísticas a descodificar os diversos novos partidos e candidaturas que se apresentarão às próximas legislativas. Para além dos habituais 5 partidos/coligações com representação parlamentar (PS, PSD, CDS, CDU e BE), e dos partidos com pouco ou nenhum historial de representação (PPM, MPT, MRPP, POUS, PAN, PTP, PNR), existem novas formações que prometem baralhar o xadrez partidário em Portugal. Temos o Partido Democrático Republicano de Marinho Pinto, temos a Candidatura Cidadã LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR de Rui Tavares, Ana Drago e Daniel Oliveira (da qual sou apoiante), o Movimento Alternativa Socialista de Gil Garcia, o AG!R de Joana Amaral Dias (ainda em formação) e o “Nós Cidadãos” de Mendo Henriques (também em formação). Fazendo lembrar os tempos do PREC em que havia opções para todos os gostos, parece claro que estas legislativas serão diferentes. 

Esta entrada na arena política de novos atores não é um exclusivo do panorama Português. O fenómeno tem vindo a acontecer um pouco por toda a Europa. As tensões provocadas pelas políticas de austeridade e a falta de capacidade de resposta do mainstream partidário apresentam-se como as principais razões desta mudança em curso. E os novos atores surgem com perfis diferentes. Na Grécia, o Syriza demonstrou que a esquerda radical pode chegar ao poder, fazendo com que o partido de centro-esquerda PASOK desaparecesse do mapa. Em Espanha, o Podemos afirma-se como grande novidade, ameaçando o PSOE. Em França, a Frente Nacional assume-se cada vez mais como um grande partido, retirando espaço às forças políticas tradicionais. E uma série de outros exemplos menos emblemáticos poderiam aqui ser trazidos para demonstrar que algo poderá estar a mudar nas democracias europeias.

É ainda prematuro prever com certeza os impactos desta mudança em Portugal. Parece certo que a pré-campanha e campanha serão diferentes dada a diversidade de atores presentes. Mas os resultados reflectirão de facto esta mudança? 

Para já, é altamente improvável (ou impossível até) que qualquer das novas forças consiga assumir a dimensão eleitoral do Syrisa, do Podemos ou da Frente Nacional. Apesar das subidas vertiginosas, qualquer uma das referidas forças políticas teve bastante mais tempo para sustentar o seu crescimento. Ao mesmo tempo que beneficiaram de uma erosão muito acentuada dos até então principais atores políticos (p.ex: fruto de escândalos de corrupção). Não teremos, portanto, qualquer uma destas novas formações a disputar a hegemonia eleitoral com os dois partidos que têm sempre exercido o poder em Portugal: PS e PSD. 

A capacidade de mudança destes novos atores far-se-á de maneira diferente. As sondagens mostram que, para já, nem o PS, nem o PSD/CDS conseguem alcançar a maioria absoluta. Por outro lado, indicam que formações como o PDR ou LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR deverão conseguir alguma expressividade eleitoral e, consequentemente, alguma representatividade parlamentar. Logo veremos o que acontece com o AG!R e com o Nós Cidadãos. Caso as legislativas não originem uma maioria absoluta, a necessidade de entendimentos pós-eleitorais (nomeadamente à esquerda) afirma-se como forte possibilidade. 

Como é evidente, os tempos de mudança envolvem sempre uma série de riscos. No que ao sistema partidário diz respeito, a fragmentação da representação poderá levar a uma maior instabilidade governativa. É um facto. No entanto, se tivermos em conta que são mais do que conhecidos os sinais de saturação do actual sistema, onde a rotatividade no poder apenas significa alternância e não alternativa, e onde as taxas de abstenção espelham bem a satisfação dos cidadãos com a nossa democracia, não será este um tempo de assumir riscos? Não será este um oportuno tempo de mudança? Julgo que o leitor já percebeu muito bem qual a minha opinião a este respeito.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

Regresso ao Futuro

O Governo anuncia que vai extinguir uma Fundação que já toda a gente pensava ter passado à história. Há pelo menos três anos e meio que ouvimos falar desta extinção. É bonito...

O que justifica tanta morosidade? E, já agora, se o programa Magalhães foi ruinoso (foi?) que responsabilidades estão a ser apuradas? É bonito verificar que a comunicação social reproduziu ontem esta informação sem uma linha de pensamento crítico...

domingo, 15 de março de 2015

Angola são os negócios. O resto são detalhes


Sou só eu que acho inacreditável que tenham morrido mais de 70 pessoas nas cheias em Angola e a nossa comunicação social notície isso depois da nossa politiquice caseira, da bola e sei lá mais o quê? Um qualquer rumor de aquisição de mais uma empresa portuguesa pela Isabel dos Santos teria dez vezes mais destaque...

quinta-feira, 12 de março de 2015

Idiotices


O que hoje foi aprovado em Conselho de Ministros sobre a criação de um base de dados de pedófilos é de uma cretinice nauseabunda. Não tenho aqui de fazer disclaimers sobre o quão hediondo é o crime de pedofilia. Nem sobre o risco que este tipo de criminosos/doentes/desiquilibrados podem representar para o meio onde estão inseridos, nomeadamente para os mais novos.

Mas era capaz de enumerar aqui várias mãos cheias de crimes hediondos e consequentemente o risco de quem os cometeu para o meio envolvente. Porque não avançamos já para a criação de mãos cheias de bases de dados sobre este tipo de criminosos?

Pois... É que num Estado de Direito e numa Democracia, a Justiça tem de acreditar na reabilitação dos infratores. Tem de assumir que as penas visam, entre outros objetivos, reabilitar o individuo de modo a devolver-lhe a sua liberdade e o seu direito à integração social. 


terça-feira, 3 de março de 2015

O teu partido é mais podre do que o meu


Quando vi o PS a atirar pedras a Passos a propósito da dívida à Segurança Social, achei curiosa tal atitude vinda de quem tem um ex-líder preso preventivamente por graves suspeitas de corrupção. A reação de Passos veio hoje, com o argumento de que não é Sócrates e de que não enriqueceu com a política.

Seria interessante que entrássemos agora num pingue-pongue de "o teu partido é mais podre do que o meu". O PS lembraria Relvas e o PSD ripostaria com Armando Vara. O PS contra-atacaria com Dias Loureiro e o PSD responderia com Jorge Coelho. Era bonito. 

No entanto, não interessa a qualquer das partes entrar nesta "destruição mútua garantida". Ambos têm grandes telhados de vidros. Importa ameaçar, mas não concretizar.

"Não deitemos tudo a perder!"


Depois de termos passado vários anos com a narrativa do “vivemos acima das nossas possibilidades”, uma versão atualizada parece já ter chegado: “não deitemos tudo a perder!”. A ideia é bastante simples: depois de termos comido o pão que o diabo amassou, com níveis de desemprego recorde, com cortes dolorosos nos mais diversos sectores, com perda de poder de compra em todas as frentes, importa continuar a ser um bom aluno para não sermos castigados pelos mercados. Agora que até já nos estamos a financiar com juros razoáveis, mantenhamos a devida distância dos gregos para que os mercados não mudem de ideia a nosso respeito.

As narrativas são sempre redutoras, é um facto. Mas constituem uma óptima muleta na veiculação de qualquer mensagem política. Neste sentido, o discurso dominante sustenta-se sempre uma boa narrativa. No caso do “vivemos acima das nossas possibilidades”, a mesma foi desmontada vezes sem conta pela oposição, por especialistas, por fontes insuspeitas a nível internacional, mas ela ainda hoje subsiste em cada conversa de café, em qualquer argumentação de circunstância. Conseguiu-se que a maioria dos cidadãos interiorizasse que os nossos problemas se deviam aos gastos supérfluos das famílias, ao mesmo tempo que o Estado acumulava gorduras e ineficiências. A crise surgiu como um castigo inevitável e a austeridade como a penitência incontornável.

No momento actual, uma vez que os parceiros europeus até elogiam os nossos sacrifícios, os indicadores até dizem que o desemprego já teve pior e as taxas de juro nos mercados das dívidas até estão a descer, PSD e CDS fazem-nos crer que o pior já passou. Que já cumprimos a parte mais penosa da penitência e que chegou o momento de começarmos a pensar em desapertar um bocadinho o cinto. Devagarinho e com ponderação. Sempre cientes que devemos fazê-lo com muito cuidado para não irritarmos novamente os mercados. Porque se o fizermos, deitaremos tudo a perder. Tudo terá sido em vão.

Tratando-se de uma narrativa poderosa, que aproveita de forma inteligente a natural vontade que os Portugueses têm em virar a página e olhar para a frente, ela é profundamente inconsistente. Continua a assumir que não existia qualquer outra alternativa possível. Que só com os sacrifícios feitos conseguiríamos avançar com as necessárias reformas que garantirão um crescimento sustentado da nossa economia. Assume que o país apresenta hoje menores debilidades do que tínhamos anteriormente e que os juros baixos nos mercados da dívida reflectem esse reconhecimento.

Ora, é preciso ser-se muito optimista para considerar que foi feita qualquer reforma profunda em Portugal que garanta agora um crescimento sustentável. As poupanças foram feitas sobretudo através de cortes cegos na despesa e com aumentos na receita através de impostos adicionais. E, não menos importante, Portugal beneficia hoje de taxas de juro menores à semelhança do que está acontecer com toda a Europa. É um fenómeno sobretudo exógeno à economia e está muito pouco relacionado com o desempenho nacional. Neste sentido, se a mesma confluência de factores que nos levou à crise ocorresse, não temos razões para achar que o país estaria melhor preparado. Até porque a sua dívida pública é hoje bastante maior. 

De qualquer modo, fica feito o aviso à navegação: a narrativa do “não deitemos tudo a perder” está ai para ficar. Estará presente em todo o debate para as eleições legislativas de Outubro e povoará qualquer conversa de café que tenhamos. Importa, por isso, que a oposição consiga combatê-la afincadamente. Por oposição ao “não deitemos tudo a perder”, importa mobilizar o “valeu a pena?”, ou o “estamos melhor preparados?”. Melhor ainda, importa mobilizar o “é este o país que queremos?”.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental