segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

A Blogosfera segundo Pacheco Pereira

Pacheco Pereira brindou-nos, no Público de Sábado, com uma reflexão interessante sobre a blogosfera em Portugal. Embora reconheça diversos aspectos positivos, parece sobretudo empenhado em querer fazer sobressair os aspectos negativos da mesma.

A título de exemplo, afirma que a blogosfera “…caminha para ser um instrumento suplementar que reforça as duas tendências em curso nos nossos dias: a da substituição da democracia pela demagogia e a espectacularização da sociedade.” Subentende-se que legitima a referida opinião com base nas características imediatistas, impulsivas e maniqueístas que atribui à blogosfera.

O seu discurso parece assim não apreciar muito o reverso da medalha. Ou seja, o facto de a blogosfera se constituir também como um importante instrumento de participação no espaço público. E de participação de muitos que, de outro modo, não o fariam. Os problemas que Pacheco Pereira aponta são, aliás, argumentos típicos dos opositores de um alargamento excessivo da participação nas sociedades democráticas.

Por outro lado, o seu discurso parece também não ter muito em conta o facto do mundo dos blogues possuir, apesar de tudo, mecanismos interessantes de filtragem da demagogia e da espectacularização que refere. Essa filtragem sucede até, e desde logo, pelo razoável nível de exigência do tipo de população portuguesa consumidora de blogues.

Neste contexto, embora o seu artigo toque diversos pontos importantes e interessantes, Pacheco Pereira não esconde um certo espírito elitista no acesso ao direito de opinar. Deixa transparecer algum incómodo a este respeito, disfarçando-o ligeiramente com as bandeiras dos “perigos para a democracia”. É pena, porque o artigo até era um bom artigo. Não havia necessidade….

domingo, 30 de dezembro de 2007

O Ano de Sócrates?

Os balanços políticos que inundam agora os jornais neste final de ano são mais ou menos consensuais ao atribuir a Sócrates uma quase total hegemonia sobre a oposição durante 2007.

Alguns atribuem a maior parte do ónus ao próprio mérito de Sócrates e seu governo. Outros justificam tal hegemonia com o demérito da oposição, sendo Pacheco Pereira (na Sábado) e Vasco Pulido Valente (no Público de ontem) peremptórios a este respeito. Segundo eles, Menezes foi uma desilusão, Portas não surgiu, Jerónimo foi igual a si mesmo e Louçã andou apagado. Mas será a oposição assim tão responsável quanto isso?

Apesar dos tremendos erros cometidos durante o presente ano, Sócrates não foi catastrófico. E, tendo em conta as condições políticas que actualmente beneficia, seria necessário ser um desastre total para perder a confiança da maioria dos portugueses. Sócrates beneficia de uma maioria absoluta, possui menos de 3 anos de governo e possui como álibi uma legislatura anterior do PSD que foi essa sim catastrófica. Assim sendo,

Sem querer ser excessivamente estruturalista, mesmo que a oposição tivesse sido fantástica, dificilmente se verificaria para já uma descendência abrupta do actual ciclo político do PS.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

CGD e a Luta pela Sucessão

Como era de esperar, a luta pela sucessão na CGD já se iniciou. Lançam-se nomes, analisam-se conveniências… Quem será o feliz contemplado com tão cobiçado cargo de nomeação política?

Luis Filipe Menezes e Pedro Silva Pereira envolveram-se já numa troca de palavras a este respeito. O primeiro lançou o nome de Miguel Cadilhe, argumentando que “está na altura de o Governo nomear (…) uma personalidade próxima da área do maior partido da oposição”. Silva Pereira respondeu, de forma quase ofendida, alegando que Menezes possui “uma estranha visão dos critérios de nomeação que devem ser seguidos”.

Paradoxalmente ou não, resta saber qual a postura mais perigosa… A de Luis Filipe Menezes, intercedendo sem pudor por um dos seus? Ou a de Silva Pereira, negando peremptoriamente que estas nomeações têm sempre em conta motivações políticas? Humm… Confesso-me sinceramente indeciso…

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Benazir Bhutto: E eis que um atentado coloca tudo na mesma

Musharaf avisou sobre o perigo islâmico. A ingénua Bernazir não quis acreditar. E eis um final sangrento que certamente determinará um novo adiamento das eleições…

O atentado que hoje vitimou Benazir Bhutto tem, para já, o efeito de poder colocar tudo na mesma (ver reportagem aqui e aqui). Sim, alguns dirão que é o caos em que se encontra mergulhado o Paquistão que ditou este triste final. Entre militares anti-democráticos, fanáticos islâmicos e uma oposição pouco sólida, uma espécie de fatalismo quase previsível ocorreu.

No entanto, embora ainda a quente, importa questionar sobre quem beneficia com o actual cenário? Quem beneficia com a morte de Bhutto e com o adiamento das eleições? E, já agora, haverá desta vez abertura de Musharraf para que uma investigação internacional ao sucedido seja levada a cabo?

Bacalhau e Doces Inibem Activismo

Apesar de dever ser uma época de jejum, de reflexão, de pensar o mundo, etc etc, o Natal acaba sim por ser uma época de fartura, consumismo forte e feio, alheamento total ou quase total. Uma espécie de ópio do povo, como diria Marx.

Mas o alheamento pode ter também uma explicação física. Como é possível praticar-se qualquer tipo de activismo e intervenção após almoçaradas e jantaradas de bacalhau e peru, devidamente regadas com bom vinho e finalizadas com tentadoras sobremesas de todas as formas e feitios? O cérebro continua a funcionar, mas a muito custo…

E o referido cenário não sucede apenas durante um dia. São dias consecutivos de desgraça alimentar total, sempre seguidos de períodos de nirvana enquanto a barriga ronca e o estômago faz os esforços possíveis e impossíveis para digerir as desgraças ingeridas durante os banquetes. Eis o mal que atormentou este activista nos últimos dias… Hoje, já parcialmente recuperado, voltou a abrir os jornais e a ver, de forma doseada, as últimas da actualidade…

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Crise no BCP e o Mercado de Transferências ao Rubro

Depois de Carlos Santos Ferreira, agora também Armando Vara parece ser um dos rostos que sai da CGD para o BCP. Perdoem-me a ignorância mas não deveriam existir incompatibilidades nestas transferências?

Apesar de toda a sua gestão de índole privada, a CGD continua a ser um banco que, pelo menos para já, continua a ser público. Será assim tão normal que membros da sua direcção possam debandar directamente para o seu maior concorrente privado? Tal não colocará em causa, de alguma forma, a própria gestão da CGD?

Pelos vistos, e pelo que temos assistido, não existe qualquer regime de incompatibilidade na referida transferência. Muitos dirão que os referidos impedimentos formais apenas impediriam o mercado de funcionar livremente. Estranho mercado este…

sábado, 22 de dezembro de 2007

Já não há Políticos como Antigamente…

Não é uma discussão nova, antes pelo contrário. Deve ser aliás das discussões mais antigas. E são múltiplas as explicações avançadas para justificar o sentimento de que “já não há políticos como antigamente”.

No Público de ontem, Luis Campos e Cunha retoma esta velha discussão argumentando que hoje existem sobretudo representantes nos lugares que deviam ser ocupados por líderes. Representantes quase exclusivamente guiados por sondagens e que estão longe de ter a rectidão dos líderes do antigamente. A figura de Churchill é, como seria de esperar, dada como exemplo em oposição aos políticos de hoje, manifestamente menos verdadeiros e mais corruptivos

Sem querer entrar em grandes dissertações a este respeito, naturalmente que os políticos de hoje não são geneticamente inferiores aos do passado. Estranho será também achar que os actuais políticos estão aquém por possuírem menores “taxas de carácter” do que os seus antepassados. Como é evidente, a explicação para o presente desânimo para com a classe política só pode ser encontrada em factores estruturais.

Entre os diversos factores explicativos apontados por Luis Campos e Cunha, destacaria os importantes efeitos da crescente mediatização e da velocidade na divulgação e acesso à informação. Nunca a imagem do homem público foi tão dessacralizada como hoje. Nunca a monitorização dos seus passos e decisões foi tão cerrada. Nunca existiu tanta massa crítica, ou outra, com capacidade de acompanhar a par e passo, e em tempo real, cada decisão, cada gesto, cada atitude dos responsáveis políticos.

A descida do pedestal dos responsáveis políticos tem naturalmente fortes implicações na sustentação dos regimes democráticos. Como compensar esta dessacralização? Um maior recurso a modelos de democracia directa, responsabilizando mais os cidadãos em prejuízo da lógica representativa? É uma hipótese.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O Governo, os Funcionários Públicos e o Presente de Natal

O Governo surpreendeu concedendo tolerância de ponto no dia 24 e no dia 31 aos seus adorados funcionários públicos. Relembro que, nos últimos anos, os funcionários da administração central tiveram de optar por um dos dias, nunca obtendo os dois. Os sacrifícios assim o exigiam. Mas hoje é diferente e os funcionários públicos levam para casa um bom presentinho de Natal.

No entanto, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Importa, deste modo, saber o porquê de tão simpático gesto de boa vontade. Pode-se rapidamente concluir que é uma forma de compensar a perda de poder de compra dos últimos anos ou o ataque serrado aos direitos dos funcionários públicos. Mas, sinceramente, tudo isto parece uma teoria da conspiração que sabe a pouco. É necessário algo mais substantivo….

Humm… Esperem um pouco… Aqui está! Apenas um dia antes de ser anunciada a tolerância de ponto pelo Governo, o PS viu aprovada na Assembleia da República uma proposta de lei que prevê um aumento de 1% nas contribuições sociais dos funcionários públicos a partir de 2009. No fundo, tomem lá a tolerância de ponto e dêem para cá mais 1% do vosso salário a partir de 2009. Enfim… Este Governo é um brincalhão. É um maroto…

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Os Custos da Democracia

Quatro anos e meio depois de ser aprovada, a lei nº2/2003 de 22 de Agosto começa a gerar polémica junto dos partidos com menor expressão eleitoral. Segundo o diploma, caso as forças políticas não demonstrem ter um mínimo de 5000 militantes, deverão ser extintas automaticamente. Partidos como o MRPP, o PND, o POUS, o PPM, o MPT ou o PDA poderão desaparecer caso a lei seja de facto aplicada.

Defendo naturalmente a seriedade na constituição e manutenção das forças políticas. Têm de ser devidamente reguladas, é certo. Deverão ser acompanhadas de forma a garantir que não prosseguem objectivos diversos do seu âmbito. Mas o limiar estabelecido pela referida lei ameaça excessivamente o direito à liberdade de manutenção de uma das principais instituições dos regimes democráticos: os partidos políticos.

Mesmo que se constituam como forças políticas claramente minoritárias, e mesmo que tal signifique que o Estado tenha custos desproporcionais na manutenção das mesmas, estes são custos que a Democracia deve assumir.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Em Busca da Terra Prometida

O caso dos imigrantes africanos que, após quatro dias ao frio, sem comer nem beber, vieram dar à costa algarvia, deve-nos pelo menos colocar a pensar sobre o desespero de todos aqueles que tentam a custo alcançar a Europa. Fogem aos flagelos dos seus países. Vêm para trabalhar. Buscam uma vida melhor.

Como diz o Daniel Oliveira, há apenas umas décadas atrás, eram os portugueses os desgraçados que procuravam uma vida melhor noutro país. Atravessavam campos e rios, quilómetros e quilómetros tentando alcançar a fronteira espanhola, em busca do sonho francês, suíço ou alemão… Hoje Portugal encontra-se na margem rica do mar mediterrâneo. A margem prometida, a margem de todos os sonhos.

E o que encontra pela frente quem, vindo de África, tenta alcançar esta terra prometida em busca de trabalho e paz? Arame farpado, SEFs e companhia e tribunais de repatriamento. Oops… Afinal a terra prometida é só para alguns…

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O Poder das Quotas

Nas últimas eleições para a distrital do PSD-Porto, um número extraordinário de mulheres integrou as listas e conseguiu ser eleito. Apesar de algumas afirmarem ser contra a lei das quotas, o que é facto é que esta começa já a surtir alguns efeitos positivos.

É um assunto que não tem estado na agenda, fruto da lei só entrar em vigor em 2009, mas que muita tinta já fez correr. De um lado, os favoráveis à aplicação das quotas, procurando assim impulsionar a participação feminina na vida partidária e política. Do outro lado, os opositores das quotas, que afirmam que a integração das mulheres na política não deverá ser feita através de discriminação positiva, mas sim naturalmente.

Apesar de sermos dos países europeus com menor paridade de sexos na vida política, somos os mais reticentes a aplicar mecanismos de discriminação positiva para atenuar desigualdades. Quase consideráramos bárbaros estes mecanismos porque cremos, não sei porquê, que uma qualquer “mão invisível” acabará por resolver o problema… O caso da distrital do PSD mostra bem que, apesar de tudo, a lei terá um efeito positivo na constituição das listas partidárias. Os partidos até o podem negar, mas os efeitos estarão lá.

PSD apoiará a decisão de Sócrates?!?

O Público noticiou no sábado que o PSD “…apoiará a decisão que o primeiro-ministro tomar em relação à ratificação do tratado de Lisboa. Se José Sócrates optar por referendar o tratado, Ribau Esteves disse que o PSD fará campanha pelo "sim".” O quê???

É verdade que alguns consensos têm surgido ao centro nos últimos tempos. Mas o PSD fazer depender um seu posicionamento da decisão do seu principal adversário é no mínimo caricato.
Demonstra bem o quanto a questão do referendar ou não o Tratado Europeu está a impulsionar contradições tremendas na política portuguesa.

No caso do PSD, a sua direcção já assumiu que não defenderá a existência de um referendo. Mas e se o PS resolvesse, afinal de contas, levar o Tratado a referendo? Neste caso, e dado a delicadeza da questão, o PSD acabaria por não poder fazer campanha contra tal opção socialista. Encontra-se portanto por ficar completamente refém do posicionamento do PS neste domínio. Enfim… O tema do referendo ao Tratado está a despoletar insólitos nunca vistos na democracia portuguesa…

domingo, 16 de dezembro de 2007

O Portugal da West Coast

O Instituto de Turismo de Portugal já nos tinha brindado com algumas modernas campanhas promovendo o país como destino turístico. Embora a maioria seja nitidamente direccionada para o público estrangeiro, alguma tem também sido comunicada internamente, e bem. No entanto, tal não é o caso da última campanha com o slogan “Portugal: the West Coast of Europe”.

A utilização de caras como Mourinho, Mariza ou Ronaldo poderá fazer sentido no estrangeiro. Mas qual o objectivo de, ao passarmos no Marquês de Pombal, na A5 ou ao folhear o Expresso, depararmo-nos com gigantescos anúncios com as referidas caras acompanhadas do slogan acima? Admito que alguns sentimentos pseudo-nacionalistas poderão ser gerados. Mas alguém fará mais turismo cá dentro por isso? Ou investirá mais no território nacional por ver os exemplos de Ronaldo ou de Mourinho?

O Zero de Conduta defende que tal não passa de mais uma tremenda propaganda interna governamental. É uma hipótese… Mas sinceramente inclino-me mais para a hipótese do puro disparate e da tremenda idiotice…

sábado, 15 de dezembro de 2007

A Rebeldia da Juventude Socialista

A JS antecipou-se ao seu partido e assumiu a defesa de um referendo ao Tratado de Lisboa. A sua tomada de posição, e o timing em que tal foi anunciado, revelam irreverência e coragem. Mas até onde irá esta rebeldia?

É natural e mais do que reconhecida a irreverência e rebeldia da JS relativamente ao PS em alguns domínios. Embora tal acabe por muitas vezes não se revelar nas suas bases, a actual direcção de Pedro Nuno Santos tem também um posicionamento claramente mais à esquerda do que o seu partido.

Centrando-nos na questão da defesa do referendo ao Tratado, importa no entanto saber até onde irá esta adivinhada divergência com a orientação do PS. Poderemos esperar campanhas da JS sobre esta causa? Poderemos esperar que os seus deputados na Assembleia da República defendam o referendo, mesmo que em discordância com o seu partido? Ou tal já será pedir muito?

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Tratado de Lisboa: Portugal à Grande

O tratado foi assinado há pouco. Um momento histórico memorável, sem dúvida. Um passo importante para a UE foi dado, não devendo de todo desmerecer consideração. Quanto ao papel de Portugal, fico na dúvida se devemos qualificá-lo de “em grande” ou “à grande”. Se calhar ambos…

A Portugal foi concedida a magnifica oportunidade de ser o anfitrião da assinatura do Tratado. E não desperdiçamos. Correu bem. Foi uma vitória da presidência portuguesa e foi uma vitória de Sócrates. A vitória política alcançada poderá ter alguns reflexos internamente, embora a parte mais substantiva reflectir-se-á sobretudo a nível a Europeu. Mas importa também sublinhar o quanto Portugal responde bem a este tipo de responsabilidades que lhes são confiadas. Politicamente somos razoáveis/bons, mas é em questões de logística, protocolo e espectáculo que mais nos distinguimos.

Quem hoje assistiu pela televisão a todo a logística do evento, desde cenários, questões de protocolo, mega-ecrãs por detrás da mesa de assinatura do tratado, música ambiente a empolar momento, a Dulce Pontes a cantar eufórica para encerrar a cerimónia, percebe bem que neste tipo de questões somos os maiores. Somos experts a organizar eventos. Preparamos cimeiras magníficas, congressos extraordinários, exposições inesquecíveis… Nestes aspectos, quase ninguém nos bate. Connosco, é sempre tudo à grande!

Normalmente são os países menos desenvolvidos que se distinguem neste ramo de expertise. Seremos uma excepção?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Referendo ao Tratado e “Boas Maneiras”

Os deputados do grupo parlamentar europeu "Esquerda Unida" vaiaram hoje Sócrates e Barroso. A acção teve como objectivo protestar contra a falta de vontade na realização de referendos ao novo Tratado Europeu. Sócrates acusou-os de não terem ou não usarem boas maneiras. Uma acusação curiosa tendo em conta que se dirige a deputados que defendem que os cidadãos se pronunciem sobre o futuro da Europa…

Confesso que ainda não vi as imagens. E concordo que um parlamento não é o local mais indicado para este tipo de protesto. De qualquer modo, julgo que o cenário de hoje representa bem o tremendo paradoxo democrático em que a Europa se encontra. Deparamo-nos com uma Comissão, com um Concelho e com a maioria do Parlamento Europeu fazendo os possíveis e os impossíveis para que os cidadãos não se pronunciem.

O instrumento do referendo, reconhecido como uma ferramenta central nas sociedades democráticas, apresenta-se agora como uma espécie de cancro que importa evitar a todo o custo. Melhor ainda, aqueles que o defendem: ou não têm boas maneiras, ou são contra a Europa, ou são ambas as coisas… Tremendo paradoxo democrático.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O Dueto de Menezes e Santana

O Público de hoje publica uma análise feita à atenção merecida por diversos políticos portugueses nos últimos dois meses nos órgãos de comunicação social. Destaca-se naturalmente a proximidade do mediático Santana face ao líder do seu partido, Luis Filipe Menezes. Resta saber qual a sustentabilidade da presente situação.

Ainda antes da eleição de Santana, o presente cenário era já claramente previsto por diversos analistas. Passados menos de dois meses, os dados não enganam. No entanto, passados dois meses, os dados também não são catastróficos para Luis Filipe Menezes. E, como o artigo sublinha, parece haver um acordo de cavalheiros entre o líder do grupo parlamentar e o líder do partido no sentido de partilharem o mediatismo. Até não tem funcionado mal…

Mas o que torna deveras interessante esta questão é que nenhum analista ou astrólogo político conseguiu ainda prever, de forma sustentada, qual a esperança média de vida desta estranha aliança… Umas semanas? Uns meses? Uns anos? O astrólogo aqui do Activismo de Sofá aposta que o dueto de Menezes e Santana durará menos de um ano. Aceitam-se outras apostas.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Síndrome do “roubo, mas faço!”

A síndrome do “roubo, mas faço!” é um sintoma cancerígeno dos sistemas democráticos. Normalmente manifesta-se em regimes pouco consolidados, sendo a parca cultura democrática do eleitorado uma das suas principais causas.

Mas em que consiste esta síndrome? Manifesta-se quando um político, apesar de fortemente indiciado como corrupto, é insistentemente apoiado pela população que o elege sob o lema “ele rouba, mas faz!”. Os manuais de medicina política consagram que este tipo de vírus tende a surgir sobretudo em zonas menos desenvolvidas de um determinado território. Zonas atrasadas e rurais, normalmente povoadas por pessoas pouco instruídas. No entanto, o caso português está cá para mostrar o contrário.

Oeiras apresenta-se como exemplo paradigmático a este respeito. É dos concelhos mais urbanos e mais desenvolvidos do país, com um PIB por habitante muito significativo e com taxas de escolarização elevadíssimas tendo em conta o panorama nacional. No entanto, de há diversos anos para cá, padece da síndrome do “roubo, mas faço”. Um verdadeiro case study…

A Marca Açores

O fim da novela que durante não sei quantos meses encheu o horário nobre com um enredo tremendo, misturado com magnificas paisagens açorianas, surge como pretexto para reflectir sobre o quanto a marca Açores tem ganho peso nos últimos anos.

Dos outdoors aos anúncios televisivos de queijo flamengo, da publicidade nas caixas multibanco à novela "Ilha dos Amores", a marca Açores tem sofrido um incremento de peso muito significativo. A marca tem conseguido associar-se a natureza intacta, a produtos de qualidade e a destino turístico de referência. E falo em marca Açores por julgar que toda a promoção que tem sido feita , das mais variadas maneiras, tem contribuído para que o arquipélago seja associado a uma série de conceitos, imagens e até valores que em muito contribuem para a sua atractividade.

A novela que agora terminou contou com um apoio do Governo Regional de cerca de 350 mil euros, assim como de algumas empresas da região. Tal foi inicialmente visto por alguns como uma forma pouco ortodoxa de utilização de fundos públicos. Passados uns meses, parecem não restar dúvidas que o preço pago não foi significativo tendo em conta os custos normais associados a qualquer campanha de comunicação. A marca Açores saiu muito reforçada do investimento feito, sendo hoje ainda mais natural que qualquer português, mesmo que não conheça o arquipélago, o associe a paisagens maravilhosas, a natureza no seu melhor, a férias de sonho.

Como é evidente, competirá agora à região conseguir gerir as expectativas que sobre ela recaem. Com investimentos em infra-estruturas, promoção de um turismo de qualidade, etc. De qualquer modo, a marca está em alta e tal constitui já, por si só, uma vitória muito significativa.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Sobre Marinho Pinto e o seu Populismo

O tom do novo bastionário da Ordem dos Advogados está a incomodar a velha guarda da profissão. Júdice até já o chamou de populista e comparou-o a Chávez. Em vez de se limitar a usar o jargão “populista”, que parece estar tão em voga, Júdice devia perder um pouco de tempo a pensar nas causas de tal fenómeno. Evitavam-se assim alguns disparates…

Ainda em campanha, Marinho Pinto elegeu o combate aos interesses instalados dos grandes grupos da advocacia como uma das suas principais bandeiras. E promete continuar a sua batalha. Tal tem-lhe valido obviamente o desprezo dos grandes da advocacia, com José Miguel Júdice à cabeça. Este não se coibiu de afirmar que o novo bastionário “é um populista como populista foi Mussolini e como populista é Hugo Chávez”.

Independentemente de concordarmos ou não com o tom e prioridades de Marinho Pinto, se calhar Júdice devia não esquecer que os ditos populistas surgem sobretudo por manifesta incompetência dos seus antecessores em responder às aspirações de quem os elege. Surgem por os eleitores considerarem que quem até agora os representou não tem feito mais do que servir interesses estabelecidos. Mas não. No fundo, para quê enfiar o barrete quando se auto-atribui um estatuto de senador iluminado, sendo bem mais fácil partir-se para a acusação gratuita?

Os Meandros da Luta contra o Terrorismo

A CIA destruiu dezenas de horas de interrogatórios a membros da Al-Qaeda que utilizaram técnicas “menos legitimas” de obtenção de informação, nomeadamente simulação de afogamento (waterboarding). Mas não se preocupem, o Congresso está já a actuar…

Segundo o Público, o episódio foi revelado no mesmo dia em que em que “a Câmara dos Representantes e o Senado chegaram a acordo para a aprovação de legislação para o estabelecimento de um código de conduta de interrogatórios, eliminando técnicas coercivas como o waterboarding, a nudez forçada, choques eléctricos ou o uso de cães”… Desculpe, importa-se de repetir?!?

Sim, as organizações de defesa dos direitos humanos têm-se fartado de denunciar os atropelos cometidos em Guantanamo a coberto da luta contra o terrorismo. Mas saber que o Congresso Americano só agora está a legislar contra a utilização de tais técnicas é no mínimo bizarro. E a boa da chapada, arranque de unhas ou a tortura do sono, será que já legislaram contra isso?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Direitos Humanos vs Croquetes e Business as Usual

É evidente que este tipo de eventos, como o da Cimeira UE-Africa, têm de ser sempre geridos com paninhos quentes. De outro modo, muitos dos líderes africanos não estariam sequer presentes. De qualquer modo, é inadmissível que se branqueie a questão dos direitos humanos. A Cimeira tem de ser algo mais do que croquetes e business as usual.

Um grupo de eurodeputados e activistas dos direitos humanos dirigiram uma carta aberta aos líderes presentes na Cimeira UE-África exigindo que a catástrofe humanitária no Darfur seja discutida na agenda. O Darfur destaca-se naturalmente dada as proporções da calamidade que afecta há anos a região sudanesa. Mas não será necessário muito esforço para recolher outros tantos exemplos de violações gravíssimas dos direitos humanos no continente africano.

Poderão vir os neo-realistas afirmar que o desenvolvimento económico e a aproximação entre líderes constituem já um importante contributo para a promoção da democracia e dos direitos humanos. Mas não chega! E é até ultrajante que se argumente desta forma quando milhares e milhares de seres humanos são literalmente chacinados em diversos países africanos. Haja vergonha e tenha-se a dignidade de não branquear a questão dos direitos humanos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O que (não) se espera da Cimeira UE-África

O aparato já começou. Dez milhões de euros de gastos, o maior dispositivo de segurança de sempre, um número recorde de chefes de Estado e de Governo em Lisboa, milhares de croquetes, rissóis, sumos, vinhos e champanhes para os convidados.

Pastas, canetas, milhares e milhares de brindes, hotéis lotados, limusinas com fartura, o Parque das Nações em segurança máxima e até uma tenda no forte de São Julião da Barra. No meio de tudo isto, um curiosidade também importante a reter: Lisboa será durante três dias a cidade do mundo com mais ditadores por metro quadrado.

Não, não é a apologia de que estes eventos não se devem realizar. Podem ser espaços importantes de diálogo entre responsáveis dos diversos países. E não, também não é a apologia de que os ditadores não devem sequer pisar o solo português. As ditaduras não se combatem com isolamentos. É sim, confesso, um olhar crítico sobre o aparato logístico destas cimeiras e, sobretudo, um olhar céptico sobre os reais outputs das mesmas. As pomposas declarações e bonitas proclamações que normalmente saem deste tipo de eventos internacionais acabam por raramente ter uma sequer significativa aplicabilidade futura.

Os efeitos da cimeira não se medirão com base nos compromissos aqui assumidos, mas sim nas proximidades ganhas entre os diversos responsáveis dos países representados. Neste contexto, podemos na melhor das hipóteses esperar que se criem alguns laços que impulsionem de algum modo (sublinho o “de algum modo”) a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento socioeconómico e o diálogo intercultural. E tal já representará, sem dúvida, um colocar da fasquia num patamar muito elevado…

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Uma crise muito útil a António Costa

A crise na Câmara Municipal de Lisboa foi ontem fechada com cedências de ambas as partes. Os 500 milhões de António Costa passaram a 400 milhões. De qualquer modo, António Costa conseguiu afirmar-se bem perante um PSD desorientado.

Perante o desfecho ontem conseguido, alguns questionam o porquê do drama da ameaça de demissão de António Costa. Só pode ser uma pergunta retórica… Ao ameaçar demitir-se, António Costa colocou imediatamente o PSD em xeque. Caso tal acontecesse e existissem novas eleições antecipadas, Costa conseguiria certamente uma maioria absoluta. Por outro lado, e não se tendo verificado o referido cenário, o PSD já sabe com o que pode contar de António Costa.

Sobre o acordo conseguido, parece também claro que o actual presidente da CML saiu por cima. Embora tenha perdido 100 milhões relativamente à sua proposta inicial, conseguiu que os deputados laranjas se abstivessem na votação da sua própria proposta… Brutal. Se acrescentarmos ainda que se tornaram evidentes as divisões entre muitos deputados municipais do PSD e as orientações de Luis Filipe Menenes, concluímos facilmente que a presente crise foi muitissimo bem capitalizada por António Costa.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Discurso da Aproximação dos Eleitos aos Eleitores

O PS e o PSD procuram entendimentos sobre a reforma do sistema eleitoral. A proposta de alguns grandes círculos serem divididos, criando-se simultaneamente um círculo nacional, poderá ser uma solução intermédia razoável relativamente à proposta anterior de criação de círculos uninominais.

Até agora a discussão parecia direccionar-se exclusivamente para a criação de círculos uninominais, com base no argumento da aproximação dos eleitos aos eleitores. Tal sistema levaria, no entanto, a uma sub-representação das forças políticas mais pequenas. Por outro lado, é mais do que sabido que a badalada aproximação dos eleitores dos eleitos pode ser promovida sem que se apliquem mecanismos maioritários de eleição. Basta que existam políticas internas dos próprios partidos nesse sentido.

A solução intermédia hoje noticiada de reforma do sistema eleitoral pode ser interessante, satisfazendo o objectivo de reduzir o tamanho dos círculos, incentivando que o número de votos necessários para eleger os deputados em qualquer zona do país seja semelhante e assegurando razoavelmente a representatividade das pequenas forças políticas. De qualquer modo, importa que o PS e o PSD não esqueçam o grandioso objectivo de aproximar os eleitos dos eleitores, uma vez que a solução em discussão não altera significativamente o panorama actual. O que pretendem fazer nas suas estruturas partidárias a este respeito? Se pretenderem fazer algo coisa (o que duvido), muito bem. Se não, comprovar-se-á que a discussão dos círculos uninominais tinha sobretudo como objectivo reforçar os dois maiores partidos.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Taxa de Desemprego: Os Sacrifícios estão á Vista

Como noticiam as televisões e a imprensa online, Portugal possui já a terceira mais elevada taxa de desemprego da UE. Ocupa a primeira posição na subida da referida taxa entre Outubro de 2006 e Outubro de 2007. Os sacrifícios pedidos aos portugueses estão à vista.

Em poucos anos, Portugal deixou de ser um dos países da UE com menor desemprego, ocupando agora um lugar cimeiro. A taxa de desemprego representa um importante indicador sobre o sucesso da política económica desenvolvida por um Governo, não só tendo em conta o seu valor absoluto, mas sobretudo a sua evolução. Sócrates deverá ter razões para começar a ficar deveras preocupado. E desta vez não valerá a pena argumentar com a forma como o PSD deixou o país ou com a influência do panorama internacional...

PS 4/12/2007: Bem... Parece que houve um erro do Eurostat. Afinal Portugal registou uma taxa de desemprego de 8,2%, contrariamente aos 8,5% avançados no príncipio do dia de ontem. De qualquer modo, e num cenário em que a média da UE é agora de 7 %, o problema não deixa de ser muitíssimo preocupante.

PND e a Falta de Espaço

Manuel Monteiro mostra-se convicto em avançar com a expulsão da facção de extrema-direita que parece querer conquistar o seu jovem partido. Mas este ataque revela também a dificuldade que o Nova Democracia possui em encontrar espaço no actual sistema de partidos português.

Manuel Monteiro tem-se esforçado por desvincular-se de qualquer extremismo, radicalismo e nacionalismo isolacionista que possa querer tomar o PND. Contrapõe que o seu partido é conservador, liberal e soberanista. Afirma portanto valores que mais não são do que uma quase perfeita caracterização ideológica do CDS, possuindo apenas um toque ligeiramente mais à direita.

Neste contexto, onde espera o líder do PND conquistar militâncias? Pretende atacar a já tão pequena base de militantes do CDS? Ou espera encontrar miraculosamente toda uma base de militâncias até hoje não descoberta no panorama nacional? Dificilmente Manuel Monteiro encontrará um espaço mínimo à direita do CDS que não resvale para a direita extrema e anti-democrática. Os declarados ataques que o seu partido parece estar a sofrer revelam isso mesmo.

sábado, 1 de dezembro de 2007

1,5 milhões de euros!?!

Isabel Pires de Lima anunciou orgulhosamente que o Estado Português conseguiu adquirir o quadro “Deposição de Cristo” de Giovanni Tiepolo. Custou a módica quantia de 1,5 milhões de euros. Bem… Não será um pouco excessivo?

Sim, bem sei que este tipo de obras tem um valor inestimável. Também sei que a cultura não tem preço e que a colecção dos museus portugueses fica enriquecida com tão importante obra. Mas não será excessivo que o Ministério da Cultura gaste um valor tão significativo num quadro? O referido valor não seria melhor empregue noutro tipo de despesas com a cultura?

Acho importante que este tipo de obras fique nos museus portugueses. Mas custa-me que a sua dispendiosa aquisição recaia exclusivamente no famigerado orçamento da Cultura. Aqui sim se exigia uma forte campanha de incentivo ao mecenato. No actual cenário onde predomina o “discurso do esforço e da contenção”, e mesmo correndo o risco de me chamarem bronco ignorante, não percebo como é que a aquisição de um quadro de 1,5 milhões de euros pode ser encarada como uma vitória da Ministra da Cultura.

O Discurso da Tranquilidade

Sobre a greve geral da função pública, Sócrates diz que a encarou com tranquilidade. Sobre o facto de Cavaco ter pedido a revisão da constitucionalidade da lei dos vínculos da Função Pública, Sócrates também o encarou como algo perfeitamente normal…

Expressar tranquilidade quando, pelo menos, 20% dos funcionários públicos chegaram ao ponto de abdicar de um dia de vencimento em sinal de protesto contra as políticas governamentais, acaba por ser estranho. Considerar normal que uma lei aprovada pelo seu Executivo seja sujeita a revisão da constitucionalidade é, no mínimo, paradoxal. Podemos então deduzir que a lei foi feita sem ter em atenção o necessário acordo com a constituição? Independentemente de ter existido algum tipo de pré-acordo entre Sócrates e Cavaco sobre o acto deste último, a situação dificilmente pode ser considerada normal.

Como sabemos, quando as condições são adversas, o actor político acentua o discurso da normalidade e da tranquilidade. A situação actual não é excessivamente critica para o Executivo, como aliás continuam a demonstrar as sondagens. De qualquer modo, não será necessário ser profeta para se constatar que, nos próximos tempos, o Governo tenderá a manifestar-se cada vez mais “tranquilo”.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cavaco é fixe?!?

Na véspera de uma greve geral, o Presidente da República resolveu enviar para o Tribunal Constitucional a lei dos regimes de carreira da função pública. Tratou-se claramente de um recado ao Governo, que até já foi aplaudido pelos sindicatos. Mas quais as suas reais intenções de Cavaco?

O acto foi também entendido como mais um sinal de Cavaco no sentido de manter um saudável distanciamento das políticas governamentais. Regularmente são enviados alguns diplomas para o TC, mostrando que a figura do presidente existe e evitando-se assim um consenso excessivo em torno das políticas do governo socialista. A actuação de Cavaco a este nível tem sido astuta e politicamente inteligente.

Com o presente acto de pedir a análise de constitucionalidade de um diploma sobre leis laborais nas vésperas de uma greve geral, Cavaco tenta conceder um “presente” ao eleitorado mais à esquerda. No entanto, se calhar convém recordar que o actual Presidente da República é a mesma pessoa que liderou os governos entre 1985 e 1995. É a mesma pessoa cujas políticas enfrentaram recorrentemente os direitos laborais. É a mesma pessoa do “deixem-nos trabalhar”… Neste contexto, o “presente” concedido por Cavaco representa também um teste à curta memória que normalmente envolve a luta política.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Portela + 1 e o (Quase) Silêncio em seu Torno

Finalmente saiu um estudo defendendo a solução Portela + 1. Paradoxalmente, e perante um vazio inexplicável na ponderação desta hipótese, parece que a Associação Comercial do Porto é das únicas interessadas em que o aeroporto permaneça em Lisboa. Curioso, não?

O estudo patrocinado pela Ass. Comercial do Porto e realizado pela Universidade Católica aponta o modelo Portela + 1 como bastante mais económico que a solução OTA. Poupam-se uns meros 2 mil milhões de trocos… É de estranhar que não tenha existido uma mobilização significativa para que Lisboa continue a ter um aeroporto, apoiado por um segundo eventualmente direccionado para as low costs. Um modelo semelhante a Paris, Londres ou Nova Iorque, mas que pelos vistos não merecia muita atenção…

O Governo abandonou esta solução sem explicar bem o porquê… António Costa permanece mudo, vinculado à fidelidade para com o Executivo Socialista… A oposição também só agora começou a acordar seriamente para esta possibilidade… Ou seja, perante o panorama de a capital do país perder um aeroporto, só muitos meses (ou alguns anos) depois é que uma solução de manutenção do mesmo começa a merecer algum crédito. Para tornar a questão ainda mais curiosa, foi preciso que a Associação Comercial da segunda cidade do país pagasse um estudo para que a hipótese comece a ser verdadeiramente tida em conta. Há coisas fantásticas, não há?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

PCP, Saneamentos e Cirurgia Política

A expulsão de militantes é uma prática que se repete regularmente no PCP. Os militantes que assumem desvios e entram em linha de colisão com o partido, as suas normas de funcionamento ou a sua doutrina, acabam por ser expulsos. Foi este o caso de Luisa Mesquita que, uma vez colocada no corredor do saneamento, dele dificilmente poderia sair.

Este tipo de prática comunista acaba por chocar tendo em conta a declarada abertura no debate interno dos restantes partidos. No entanto, o recurso à expulsão afirma-se como um mecanismo com vista a salvaguardar a vital unidade comunista. Logo, e sem querer dramatizar, a prática de expulsão é também uma prática de sobrevivência para o PCP, uma espécie de cirurgia política para eliminar os quistos que, de vez em quando, infectam o corpo partidário.

Como é evidente, e apesar da sua sobrevivência depender menos da coesão interna, os restantes partidos também têm os seus mecanismos próprios para assegurar a unidade. O PCP, dadas as suas especificidades e necessidades, diferencia-se destes pela “determinação” dos seus métodos. A bem dizer, limita-se a actuar de acordo com os ensinamentos leninistas sobre a organização partidária. Posto isto, e sem querer ser provocatório, será que a expulsão de Luisa Mesquita merece assim tanto espanto?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Confrontos em Paris: Puras Delinquências?

Os subúrbios de Paris mostram-se mais uma vez explosivos socialmente. O julgamento público do caso, pela comunicação social e pelos opinion makers, apelida crescentemente o fenómeno como pura delinquência juvenil. Mas será possível ser-se assim tão simplista?

Ora vejamos: tudo parece ter (re)começado no Domingo com o abalroamento de uma moto com dois jovens por um carro de patrulha. Embora a mota tenha sido roubada, a policia confirmou que o incidente não ocorreu na sequência de uma qualquer perseguição. Perante este cenário, centenas de jovens manifestaram-se violentamente causando dezenas de feridos nas forças policiais.

Os mais cépticos dirão que se trata de uma reacção claramente delinquente de bandos de jovens que encontraram um pretexto para desafiar a polícia, tentando assim retomar a vaga de confrontos de 2005. Mas se calhar era bom colocar a questão de outra forma: o que leva centenas de jovens a manifestar-se tão violentamente devido a um atropelamento involuntário da polícia? Uma delinquência simplesmente “porque sim”? O facto destas manifestações parecerem quase injustificadas demonstra ainda mais o quanto estes fenómenos não devem ser rotulados com base em fórmulas simplistas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Democracia, mas pouco?

O pior cenário parece estar a vigorar na Rússia. Entre repressão a manifestantes e propaganda declarada numa comunicação social quase monocolor, Putin revela mais uma vez não ter grandes pruridos quanto à manutenção de um sistema de democracia musculada no seu país.

Tudo isto acontece apenas um mês depois do encontro em Mafra com José Sócrates em que Putin fez questão de mostrar a sua face democrata. Comprometeu-se com a questão dos observadores que cedo se desvaneceu. Comprometeu-se também com a criação de um instituto russo-europeu dedicado aos direitos humanos, mostrando então o seu apego aos mais básicos valores democratas.

Perante este cenário, a menos de uma semana das eleições legislativas, as reacções internacionais mais não conseguem fazer do que mostrar-se preocupadas. Apesar de poder ter existido alguma esperança quanto ao equilíbrio destas eleições, esta rapidamente parece ter-se desvanecido. As fragilidades da democracia russa apresentam-se assim mais uma vez à vista de todos. Aliás, apelidar o regime russo de democracia é agora um claro eufemismo.

Os Ciúmes de Portas

O líder do PP criticou a proliferação de pactos de secretaria que parecem estar a ser negociados entre Sócrates e Menezes. Mas por detrás das críticas parecem estar sim alguns ciúmes de o PP estar a ser excluído de todo o processo.

É mais do que previsível que Portas critique os entendimentos de Menezes com o governo socialista. Em parte pelas matérias que estão em causa (administração interna, reforma eleitoral, regionalização, etc), mas tentando sobretudo capitalizar o facto do seu concorrente do PSD estar afinal envolvido com o grande adversário socialista.

Mas é também curioso ver Paulo Portas vir criticar este tipo de entendimentos. O mesmo Portas que tanto se entendeu com os Governos de Guterres, viabilizando Orçamentos de Estado. O líder de um partido que, ao longo dos trinta anos de democracia, esteve sempre pronto a aliar-se aos socialistas. Mas o passado é passado, não é? Para quê andar com essas chatices de recordar o passado e analisar coerências? O que interessa é o presente e hoje Portas não hesita: “Eu com os socialistas não compactuo!”.

domingo, 25 de novembro de 2007

25 de Novembro

Trinta e dois anos depois, a verdade parece quase fechada perante uma data que as partes então em confronto, mesmo os vencedores, parecem gostar pouco de recordar. Se calhar o consenso democrático assim o exige.

Pode ser encarada como a data em que, após as euforias do Verão de 1975, em que o poder se encontrava na rua, a democracia formal impôs-se. Os manuais rezam a este respeito que um golpe de extrema-esquerda foi detido por um contra-golpe das forças democráticas do centro. Acabou-se assim com a excessivo peso que as forças de esquerda e extrema- esquerda estavam a ganhar no panorama político.

O processo de transição seguiu assim o seu rumo em direcção a uma democracia formal. Apesar de não existir ainda um consenso total sobre o que de facto aconteceu a 25 de Novembro de 1975, a história faz-se sobretudo com base na versão dos vencedores. Mas poderia ser de outra forma? Julgo que não.

sábado, 24 de novembro de 2007

O Blogue de Santana Lopes

Dura já há alguns meses e tem tido uma actualização crescente. Arrisco dizer que o blogue de Santana Lopes é único. É da autoria de um responsável político do centro, com elevado destaque a nível nacional, que manifesta e regista regularmente as suas posições na Web.

Como é evidente, o blogue tem o propósito de tentar marcar a agenda. Surgiu no momento em que Santana dava já fortes sinais de querer regressar à arena política. Curiosamente, poucos dias antes da derrota do PSD em Lisboa, que seria o início do fim de Marques Mendes. No entanto, e mesmo depois de ascender a líder parlamentar, o blogue tem continuado, inclusive com uma actualização crescente.

Santana não exprime lá novidades sobre os seus posicionamentos. De qualquer modo, julgo que é de sublinhar a coragem de um líder político no activo em manter um blogue. Escrever e tomar posição com a regularidade que um blogue contém riscos, sobretudo quando se mantém um arquivo online sobre tudo o que se tem publicado. Coragem é algo que não falta ao menino guerreiro. Dada a pessoa em causa, veremos a médio prazo se a referida coragem jogará a seu favor ou não…

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Campanha Tagus e os Direitos com que não se deve Brincar

A cerveja Tagus teve a triste ideia de lançar uma campanha com o slogan “Orgulho Hetero”. Brincando com o slogan dos movimentos homossexuais, tenta atingir o público heterosexual associando-se à “causa do engate”. Como é natural, a campanha está a gerar polémica e uma contra-campanha encontra-se em curso

Poder-se-á questionar porque é que não se pode/deve brincar com os domínios da homossexualidade. Em breve, certamente a Tagus virá a público afirmar que não era de todo a sua intenção ofender a comunidade homossexual. Antevejo até que alguns defenderão a muito curto prazo a campanha Tagus, acusando de fundamentalistas todos os que se associam à contra-campanha em curso.

Em democracia, existem determinados temas com os quais ainda não é legitimo brincar-se. Porquê? Porque quer queiramos quer não, as tensões sobre os mesmos ainda estão longe de estar ultrapassadas. A questão da homossexualidade é uma delas. A questão do racismo é outro bom exemplo. Por mais paradoxal que possa parecer, o respeito por determinados temas exige uma necessidade de auto-regulação na liberdade de brincar com os mesmos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Impecável, pá!

Como seria de esperar, Sócrates manifestou hoje o seu apoio a uma recandidatura de Durão Barroso. O sentido de Estado assim o justifica, mas também a articulação “impecável” que têm existido no âmbito da presidência portuguesa. Não haverá algo de contraditório neste apoio?

O presente Executivo não se cansa de sublinhar a gestão desastrosa efectuada pelos últimos governos do PSD. Embora tente personalizar o caos da anterior legislatura em Santana Lopes, importa não esquecer que Santana apenas liderou o país durante uns meses. Passados menos de três anos da queda do Governo PSD, e apenas umas semanas depois do “sangrento” duelo entre Sócrates e Santana na Assembleia, temos agora o primeiro-ministro a apoiar vivamente a recandidatura de Durão, o principal responsável pelo suposto caos em que o país ficou.

Sabemos que o sentido de Estado acaba por quase sempre prevalecer no âmbito da política internacional, sendo natural apoiar um conterrâneo a um cargo importante que possa surgir. De qualquer modo, é impressionante como os actores políticos conseguem mudar de máscara com tanta facilidade. A memória curta do povo assim o permite, correcto?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O BE e os Desafios do Poder

A coligação na Câmara de Lisboa não é algo confortável para o Bloco de Esquerda. Assumir o poder, ainda por em coligação, não é uma decisão fácil para uma nova força política que se assume como alternativa. O incidente de hoje na Assembleia Municipal de Lisboa demonstrou isso mesmo.

O dossier do saneamento financeiro revelou-se desde logo uma prova de fogo para a coligação estabelecida com o António Costa. E claro que o que está em causa não são apenas os boys deixados por Santana Lopes, mas sim também trabalhadores precários no verdadeiro sentido da palavra (ver blogue Lisboa em Alerta). De qualquer modo, a ameaça de rompimento da coligação que se passou na Assembleia Municipal deixou transparecer não só algum nervosismo no tratamento deste dossier, mas também as divisões internas no BE sobre a aliança com o PS em Lisboa.

Julgo que seria excessivo esperar-se do BE uma disciplina férrea do tipo PCP. De qualquer modo, é no mínimo estranho que um deputado do BE, Heitor de Sousa, adiante-se ao seu vereador sobre uma matéria. Como se não bastasse, este deputado vem depois ainda por cima sublinhar que Sá Fernandes foi eleito como independente pelas listas do BE, podendo portanto ter “opiniões que não coincidem com as do BE”… Uma coisa parece certa: o Bloco de Esquerda deixou transparecer para fora uma imaturidade pouco admissível no actual panorama.

Sinais dos Tempos?

O fim do bloqueio dos trabalhadores da Valorsul foi hoje amplamente transmitido pelos telejornais. A ordem a impor-se perante uma forma de protesto que era considerada razoavelmente legitima há apenas uns anos atrás. Hoje já não é assim. Sinais dos tempos?

Vimos um corpo de profissionais treinados a afastar à força os trabalhadores que, à uma da manhã, lutavam contra o ataque aos seus direitos. Lutavam utilizando os métodos que muitas conquistas laborais alcançaram há apenas umas décadas atrás. Hoje, estes trabalhadores são encarados como simples desordeiros, desrespeitadores da legalidade democrática que parece apenas salvaguardar os fura-greves e a administração da empresa.

Não, não houve bastonada. A força empregue pela polícia também não parece ter sido excessivamente desproporcional (sublinho o excessivamente). O ministro socialista Rui Pereira veio orgulhosamente anunciar que foi tudo limpinho… Torna-se paradoxal verificar que as formas de activismo, de solidariedade, de camaradagem, de luta corajosa que tanto contribuíram para a democracia portuguesa conseguem hoje ser facilmente desmontadas pela legalidade democrática. Sinais dos tempos?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

José Manuel Barroso afinal foi Enganado…

Em entrevista dada à TSF e ao Diário de Notícias, finalmente o nosso ilustre presidente da Comissão Europeia respondeu sobre o seu tão importante apoio à invasão do Iraque. Mas calma, podemos todos ficar mais descansados… Barroso não teve culpa. Foi induzido em erro…

No meio do estrelato para que foi catapultado Durão Barroso, confesso ter sempre estranhado o facto de raramente ter sido relembrado o seu papel determinante na invasão do Iraque. O actual Presidente da Comissão nunca parece ter sido seriamente importunado sobre a linha no seu currículo que relembra o seu papel de anfitrião da Cimeira dos Açores. Será que a opinião pública europeia tem noção deste passado do seu José Manuel Barroso?

Hoje, na entrevista dada à TSF e ao Diário de Notícias, ficámos a saber que Barroso foi enganado pelos documentos que indicavam a existência de armas de destruição maciça no Iraque. Centenas de milhares de mortos depois, parecemos condenados a ter de ouvir esta simples explicação dos principais responsáveis de tão grande tragédia… É muito triste.

domingo, 18 de novembro de 2007

1 Ano de Activismo de Sofá

Pois é… Confesso que me ia escapando este primeiro aniversário do Activismo de Sofá. Já passou um ano desde que, numa noite igual a tantas outras, resolvi criar este espaço na blogosfera. Motivo: mandar humildemente uns bitates e uns clichés sobre a actualidade. Um activismo sedentário feito a partir do sofá.

Os primeiros meses foram bastante frouxos em termos de regularidade de posts. Esta coisa de estar atento à actualidade e de, ainda por cima, escrever sobre ela dá trabalho. De qualquer modo, o blog foi-se compondo aos poucos. Foi ganhando uns leitores e conseguindo uns links, os comentários foram aparecendo, o grafismo foi sendo melhorado e até o Activismo Tube foi criado. Passado 1 ano, 221 posts foram feitos neste espaço. Uns mais felizes, outros nem por isso.

Resta-me agradecer às dezenas… Quero dizer milhões! Milhões e milhões de leitores que por aqui passam diariamente. O Activismo de Sofá é vosso! (parte em que uma lágrima surge no canto do olho). Esperamos estar cá daqui a um ano.

sábado, 17 de novembro de 2007

Imperador Mao?!?

Na nova história de Natal da Leopoldina, o vilão da história chama-se "Imperador Mao". O malvado Imperador Mao é o responsável por um terrível plano para estragar o Natal das criancinhas e o seu acesso ao mundo encantado dos brinquedos. Imperador Mao?!? Não conseguiram encontrar outro nome?

Não acho que venha um mal maior ao mundo por um vilão de uma história para crianças ter o singular nome de “Imperador Mao”. Nem acredito também que tenha havido um propósito político “malvado” na atribuição do nome da personagem má da fita. Mas não deixa de ser estranho que se use um nome recheado de simbolismo político numa história para criancinhas que promete ser o sucesso deste Natal. O livro “Leopoldina e o Pinheiro Mágico de Natal” é uma iniciativa do Grupo Continente. As receitas de vendas servirão para apoiar uma série de hospitais por todo o país.

Os mais cépticos dirão que não há mal nenhum na atribuição do nome “Mao” ao vilão da história. Trata-se de um assunto tão irrelevante que nem merecia ser o tema de um post. Posso concordar… De qualquer modo, para a próxima, porque não optar por “Imperador Che”? Ou “Imperador Bush”, se quisermos ser um pouco mais contemporâneos?

O Papa, a Igreja e o Puxão de Orelhas

Ao longo da semana, foram-se discutindo as conclusões do encontro do Papa com os bispos portugueses. As recomendações dadas por Ratzinger apressaram-se a ser entendidas como um puxão de orelhas ao clero português, nomeadamente à sua cúpula. Mas fará sentido que assim seja?

As conclusões de Bento XVI sobre a diminuição do número de fiéis, da necessidade de aproximar a igreja das pessoas, de uma maior abertura, etc, não constituem qualquer novidade. O que leva, portanto, o responsável máximo da Igreja a vir puxar as orelhas em público aos seus bispos portugueses? Sendo o Vaticano a instituição que é, amante da cerimónia e da encenação, onde cada ponto e vírgula não acontecem por acaso, o veredicto do Papa sobre a igreja portuguesa dificilmente pode ser visto como uma reprimenda.

Aproxima-se sim de uma encenação sobre a mudança no modo de encarar a perda de fiéis e de declínio de importância nas sociedades actuais. A culpa deixou de ser da sociedade e dos fiéis, mas sim da própria Igreja. Ela assume-o, ao mesmo tempo que se considera naturalmente capaz de resolver a situação. Absolve assim os fiéis e pede-lhes perdão sobre o pecado que ela própria cometeu. Resta saber se os fiéis lhe perdoarão ou se ouvirão sequer o seu pedido de perdão…

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Sobre os Pactos PS/PSD

Luis Filipe Menezes avançou com a possibilidade de romper com o pacto de justiça celebrado entre o seu antecessor e o PS/Governo. A propósito, vale a pena questionar qual a real pertinência destes pactos ao centro? Qual o contributo dos mesmos para a governação e para a democracia?

A nível da governação, não existem dúvidas que tal permite que as políticas acordadas gozem assim de uma quase total imunidade critica. Ultrapassam todos os obstáculos de discussão pública, garantindo assim a tão desejada governabilidade. Para os apologistas do “deixem-os trabalhar”, os pactos são portanto benéficos.

Mas em termos democráticos, como ontem referiu Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo, os pactos ao centro acabam por abafar a análise e discussão pública das políticas a implementar. Acaba por quase não haver oposição possível ao acordado entre os dois grandes partidos. Vejamos, por exemplo, a questão do referendo ao tratado europeu. Imaginemos, a título de exemplo, o que aconteceria se a questão do novo aeroporto de Lisboa tivesse sido alvo de um pacto.

A governabilidade é preciosa mas a polarização da discussão é também fundamental na democracia. Neste contexto, se tivermos então em conta que o actual Governo é suportado por uma maioria absoluta, quais as mais-valias significativas dos pactos PS/PSD?

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Corporações e Deontologias

Julgo não restarem dúvidas que o posicionamento da classe médica em geral, e da sua Ordem em particular, está a condicionar significativamente a aplicação da nova lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Começou com o tsunami de objectores de consciência que varreu o país. Agora, a alteração do código deontológico parece ser o problema.

A Ordem dos Médicos parece não querer abrir mão do artigo 47ª do seu código deontológico que considera a prática do aborto uma falha grave. A este respeito, o bastonário não escondia a sua posição ainda antes do referendo. Agora, mesmo com a pressão do Ministério, mesmo com o parecer inequívoco da Procuradoria-Geral da República, e mesmo reconhecendo que a lei prevalecerá sempre sobre as disposições do código deontológico, o bastionário Pedro Nunes continua convicto que o código não deve ser alterado.

Podemos, sem dúvida, considerar legitimas as convicções pessoais de cada profissional. Podemos também considerar legitima a deontologia baseada em valores tradicionais de uma determinada área profissional. Mas fará algum sentido que a mesma entre em confronto claríssimo com a legislação em vigor, ameaçando penalizar os profissionais que a cumprem? Será pedir muito que a Ordem que representa a classe médica adopte uma postura menos parcial na aplicação da lei da IVG?

terça-feira, 13 de novembro de 2007

"Por qué no te quedaste callado?"

As reacções gerais à postura de Juan Carlos apressaram-se aplaudir o gesto firme do monarca espanhol perante o populista e impertinente Hugo Chavez. Esqueceram-se, no entanto, de tentar perceber minimamente o quão sensível era a questão que Chavez estava levantando.

Aquando do golpe de 2002 na Venezuela, o embaixador espanhol em Caracas recebeu instruções para se encontrar com os golpistas e aconselhá-los nos passos a dar com vista ao reconhecimento internacional. As referidas instruções saíram naturalmente do Governo de Aznar (ver notícia do Público). Escusado será dizer o quão comprometedor tal acto representou e representa ainda para a política externa espanhola.

Sendo Juan Carlos Chefe de Estado, estranho será se não tiver tido conhecimento de tal acto. O assunto encontrava-se relativamente adormecido até agora. No entanto, com a sua “brilhante” intervenção, o monarca espanhol deu todos os argumentos para que Chavez volte a levantar este comprometedor assunto, questionando agora o rei a este respeito. Moral da história e em bom português: Juan Carlos perdeu uma boa oportunidade para ficar calado.

No meio deste aparatoso desentendimento diplomático, importa sublinhar a forma inteligente como Zapatero tentou gerir a questão. Perante a interpelação de Chavez, o “por supuesto, por supuesto” revelava-se mesmo a melhor opção.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Mais uma de Mário Lino…

A confirmar-se a manobra de descredibilização do estudo da CIP, Mário Lino consegue novamente surpreender tudo e todos com a sua trapalhice política. Sobreviverá depois do fim da presidência portuguesa? Estranho será se assim for…

Em editorial hoje no Público, José Manuel Fernandes denuncia a tentativa do Ministério de Mário Lino para descredibilizar o estudo da CIP que aponta Alchochete como a melhor solução. Pelos vistos, a RAVE (a empresa encarregue dos estudos sobre a alta velocidade ferroviária) divulgou notícias de forma gradual, e pouco fundamentada, com vista a causar os maiores danos possíveis à opção Alcochete. Tratou-se de um operação de spin doctors com vista a condicionar deliberadamente a opinião pública.

Destaca-se assim mais uma grave trapalhice na gestão política de um assunto que tantos estragos já provocou ao Executivo. Mário Lino consegue fazer manchete novamente pela negativa. De forma inteligente, Sócrates tem-se afastado cada vez mais destas questões do novo aeroporto… Prefere deixar este dossier quente e já demasiado sujo nas mãos do seu menos popular ministro. Simples: Mário Lino já parece ter pouco a perder...

Portas e as suas Isenções

Portas defendeu ontem, na Golegã, que as horas extraordinárias e os prémios de produtividade deviam ser isentos de IRS. Pode, aparentemente, ser uma medida que visa aliviar a carga fiscal dos já sufocados trabalhadores. Mas o que está errado neste raciocínio?

Não será por via de isenções ao IRS deste tipo de rendimentos que os trabalhadores mais prejudicados pela carga fiscal actual podem ser compensados. Até porque as horas extraordinárias, os prémios de produtividade, as despesas de representação servem muitas vezes para encapotar, nos empregos menor remunerados, as misérias salariais que existem. Por seu turno, nos empregos melhor remunerados, são uma forma de encapotar eventuais rendimentos extras auferidos perante salários base que não são aparentemente chocantes.

Se se quiser melhorar a situação dos trabalhadores desprivilegiados, criem-se condições para o aumento dos salários, desça-se o IVA, estabeleçam-se escalões de IRS que prejudiquem menos as classes que mais têm sofrido com o esforço que é pedido ao país. Que tal não seja feito com recurso a subterfúgios que beneficiam sobretudo quem já aufere bons ordenados. A proposta de Portas é típica de uma direita que gosta de se fazer passar por esquerda…