terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Um dia de cada vez


Qual a esperança média de vida do actual Executivo? Durará até ao final do ano? Chegará ao fim da legislatura ou não ultrapassará sequer os dois anos de vida? A verdade é que ninguém sabe. Podem arriscar-se palpites e prognósticos. Podem fazer-se previsões com uma base mais científica ou panfletária. Mas torna-se verdadeiramente impossível prever com a mínima certeza o que vai acontecer. 

E assim acontece, em primeiro lugar, porque o presente já é em si mesmo uma surpresa. Alguém imaginaria que a esquerda conseguir-se-ia unir e suportar um governo como actualmente o está a fazer? Passaria pela cabeça de alguém que a histórica fractura política entre a esquerda moderada e a esquerda radical, com raízes que remontam ao período ainda antes do 25 de Abril, seria tão facilmente ultrapassada? De todo. 

O pragmatismo das atuais lideranças do PS, Bloco e PCP foi determinante. António Costa, goste-se dele ou não, conseguiu reverter um cenário altamente desfavorável numa oportunidade. Estando a sua sobrevivência em causa como líder do PS, usou toda a sua habilidade política para se manter à tona de água, quebrando gigantescos tabus ao ensaiar uma solução de entendimento à esquerda. Catarina Martins e Jerónimo Sousa responderam também com um pragmatismo notável, engolindo todas as críticas anteriormente feitas ao PS e focando-se no essencial. Tentar uma solução que procure virar a página da austeridade em Portugal ou, em alternativa, manter-se comodamente na oposição? Bloco e PCP abraçaram a solução mais pragmática, mais responsável e que era também a menos provável.

Quais são, no entanto, os grandes riscos da actual solução governativa? Acima de tudo, o facto da confiança entre PS, Bloco e PCP ser algo ainda muito recente. Algo que evolui a cada dia que passa, mas em evidente construção. O facto da referida confiança não ser ainda plena determina que qualquer uma das forças políticas também não tenha absoluta certeza sobre quanto tempo durará o actual entendimento. Estão todos empenhados que se cumpra uma legislatura, mas as certezas não existem. 

E quando assim acontece, acabam também por ser indisfarçáveis os sinais externos de navegação à vista. Sente-se que cada parceiro se comporta focado no impacto eleitoral de cada um dos seus posicionamentos, como se as eleições pudessem estar ao virar da esquina. O PS preocupado em aumentar o seu score, depois do desaire das últimas eleições. O Bloco empenhado em não perder os bons ventos dos últimos tempos, procurando mostrar que pode ser-se responsável e vertical ao mesmo tempo. E o PCP querendo demonstrar o seu empenho nesta solução que visa virar a página da austeridade, ao mesmo tempo que não abdica da sua grande base de apoio reivindicativo.

Num cenário em que PS, Bloco e PCP mantêm um equilíbrio difícil apesar de tudo, as surpresas conjunturais são, sem dúvida, um dos principais desafios. E as legislaturas são, como todos sabemos, feitas deste tipo de surpresas. O caso BANIF demonstrou desde logo essa dificuldade de sintonia entre os parceiros. Mas o equilíbrio será sobretudo complicado se as pressões de crise económica aumentarem significativamente, intensificando as pressões externas para a contenção nos gastos públicos e para a aplicação de novas vagas de austeridade.

Tendo em conta o acima exposto, a abordagem de “um dia de cada vez” é com certeza a mais sensata. Ou seja, mais do que adivinhar dificuldades futuras, cada parceiro deve focar-se nos desafios de cada dia, ultrapassando-os da melhor forma possível. E deve fazê-lo sobretudo dando garantias aos Portugueses que existe segurança governativa. Que o entendimento em curso não se desmoronará ao virar da esquina. Um dia de cada vez para demonstrar que o ovo de Colombo da esquerda portuguesa é possível.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Legalização da Cannabis: fraturante, mas pouco...


Quando países como o Canadá ou Uruguai têm já praticamente data marcada para a entrada em vigor da legalização da cannabis para fins recreativos, ou quando países como a África do Sul ou o México estão já discuti-lo abertamente, percebemos que esta suposta causa fraturante está a deixar verdadeiramente de o ser.

Que o diga a The Economist, que destaca a legalização da Cannabis na edição desta semana. Começa a ser indefensável a proibição, centrando-se sim a discussão no m\odelo de legalização a adoptar: 1) modelo mais aberto ou mais fechado de distribuição e retalho? Taxação elevada ou não deste tipo de produto? Que limitações à publicidade?

E aqui no burgo, até quando esta continuará a ser vista como apenas uma causa de esquerdalhos?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Mistério


A entrevista de Rui Rio, e as reações postivas que se fazem sentir nas redes sociais, desembocam no seguinte mistério: já alguém tentou explicar a Passos Coelho que, se calhar, o seu tempo chegou ao fim? 

Obviamente que, se o barco deste Governo virar amanhã, Passos é o candidato natural do PSD. Mas, assumindo a fraca probabilidade de tal não acontecer já amanhã, não deixa de ser um pouco estranho este consenso no PSD em torno de ex-primeiro-ministro. 

Ninguém disposto a arriscar, chegar-se à frente e marcar terreno? Mistério...
(Imagem: Jornal de Negócios)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Food for the Soul

Le Monde Diplomatique - Edição de Fevereiro já nas bancas


"Este mês destacamos o dossiê sobre «O flagelo da pobreza energética em Portugal». Miguel Heleno centra-se em «Combater as desigualdades: o desafio da transição energética no sector doméstico» e Lise Desvaléés em «Saúde, eficiência e direito à energia: pistas para uma mobilização». Carla Baptista parte do filme Spotligth para perguntar se estamos perante a «glória ao jornalismo ou requiem pelo jornalismo?» e Nuno Domingos reflecte sobre «o clube étnico e o clube cívico» no futebol português. 

No internacional, uma investigação ao Parlamento Europeu leva Susan Watkins a perguntar se ele será realmente a solução para a democracia europeia e Bernard Cassen reflecte sobre o «“Brexit”: David Cameron apennhado na própria ratoeira». Continuamos a acompanhar o Tratado Transatlântico, desta vez incidindo sobre os problema da «arbitragem internacional». A volta ao mundo deste mês leva-nos também às ameaças de uma nova intervenção na Líbia, ao prosseguimento dos combates das mulheres iranianas, às casas móveis em que são forçados a viver cada vez mais americanos e ao tempo em que «os jihadistas eram nossos amigos». Boas leituras!"

Índice de artigos aqui.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Prognósticos só no fim do jogo


Os resultados das presidenciais vieram confirmar alguns traços no sistema partidário que se fizeram sentir nas últimas legislativas. Se à direita o equilíbrio de forças não parece ter-se alterado significativamente, à esquerda o status quo entre o PS, o Bloco e o PCP está muito longe do que existia há apenas um ano atrás.

Como é típico no mundo do comentário político, multiplicam-se agora os prognósticos sobre o futuro. E são assumidos por vezes de forma tão determinista ou fatalista como se não existisse um passado que nos trouxe até aqui. E sobretudo, são prognósticos feitos assumindo que a luta política nos dias que correm é algo linear, perfeitamente previsível, onde o inesperado raramente acontece. Vejamos alguns destes prognósticos. 

O PS corre o risco de desintegrar-se – Apesar de não ser consensual, ouvimos este tipo de prognóstico por estes dias de vozes tão diferentes como o Vasco Púlido Valente, a Clara Ferreira Alves ou a São José Almeida. É verdade que o PS vem de sucessivas derrotas eleitorais e de lutas internas particularmente corrosivas. É verdade também que hoje o seu governo assenta num conjunto de compromissos e num equilíbrio de forças particularmente desafiantes. Mas não é menos verdade que o facto de liderar hoje o Executivo do país não só acalma imediatamente as hostes internas, como concede ao partido o palco e instrumentos privilegiados para bem definir o seu futuro. Nos últimos 40 anos, o PS já atravessou diversos momentos bastante mais difíceis do que o actual. Basta recordar os 10 anos de Cavaco no Governo e os danos que causaram no Largo do Rato. O PS conseguiu inúmeras vezes erguer-se quando conseguiu aliar uma liderança carismática com oportunidades conjunturais. Não há razão nenhuma para achar que hoje tal cenário não é possível ou até o mais previsível.

O Bloco está a ocupar um novo espaço político Os dois últimos resultados eleitorais demonstram que o partido está com saúde e recomenda-se. Tem conseguido transformar o que até há um ano atrás era uma posição extremamente vulnerável numa oportunidade impar de demonstração de solidez, de inteligência política e de responsabilidade até. E o eleitorado tem reconhecido e valorizado este novo posicionamento do Bloco. No entanto, importa não esquecer que continua a ser um partido relativamente recente, com uma limitada estrutura militante e particularmente vulnerável a flutuações eleitorais. Os últimos tempos têm sido extremamente positivos, mas assumir que assim continuará de forma quase inevitável implica ignorar todo o historial do Bloco.

O PCP está em declínio acelerado – A derrota nas últimas presidenciais foi particularmente dura. Os comunistas desceram vertiginosamente em alguns dos bastiões, levando-os a um dos piores resultados de sempre. Também é evidente que o bom resultado do Bloco veio trazer um nervosismo adicional à Soeiro Pereira Gomes. Mas assumir que estamos perante um declínio sem retorno do PCP implica uma manifesta ignorância sobre a base de militância dos comunistas, assim como o que se passou nos últimos anos. Desde a queda da URSS, a certidão de óbito ou de insignificância dos comunistas já foi passada diversas vezes. E o que é que aconteceu? O PCP conseguiu sempre uma forte resiliência política, apoiada quer na sua fortíssima base militante, quer pela sua força sindical que possui, quer pela sua capacidade de penetração no poder local. Em modo Mark Twain, podemos dizer que as notícias sobre a morte do PCP são manifestamente exageradas. 

Tendo em conta a pouca previsibilidade da luta política, cujo cenário governativo que hoje vivemos em Portugal é dos mais emblemáticos, importa mais do que nunca lembrar a velha máxima do grande intelectual João Pinto: “Prognósticos só no fim do jogo”. 

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Medidas populistas?


Tenho lido com cada vez maior intensidade que António Costa está a governar de forma populista, preparando-se para eleições a curto prazo. Veja-se este artigo aqui, por exemplo. Mas tal raciocínio só faz sentido à vista desarmada. Quem disse que a maioria do eleitorado gosta do "alargar do cinto"? Quem disse que medidas como a reposição das 35 horas na Função Pública fazem ganhar votos? Quem disse que retomar o investimento público é o caminho da reeleição?

O discurso do "vivemos assim das nossas possibilidades" continua bem vivo. Conseguiu a eleição de uma maioria há 4 anos atrás e, contra todas as expectativas, conseguiu muitos mais votos do que se estava à espera em Outubro passado. 

Goste-se ou não, o caminho seguido pelo atual Governo está muito longe de ser o caminho mais fácil. O caminho mais fácil implica sempre dar uma no cravo e outra na ferradura. Para o bem ou para o mal, devido aos acordos parlamentares à esquerda, não está a ser este o caso.
(Imagem: Dinheiro Vivo)